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domingo, 4 de julho de 2010

Ira, Justiça e Graça.

É natural ao folhearmos as páginas do Antigo Testamento, encontrarmos um Deus profundamente irado. Sendo assim, se torna comum encontrarmos em suas histórias uma grande quantidade de sangue. De muito sangue. Tanto que Marcião, um pensador gnóstico cristão, chegou a duvidar se o Deus do Antigo Testamento era o mesmo do Novo. E foi considerado herege por isso.

Porque Deus às vezes parece tão inflexível e indiferente diante das fraquezas e dos vícios dos homens? Por que Deus, diferente de nós, ainda acredita radicalmente no amor. Para alguns, uma grande incoerência, afinal, onde estaria então a sua justiça? É compreensível relacionarmos justiça à ira, particularmente a divina. Contudo, embora compreensível, tal postura está muito longe de ser sensata. A teologia jamais esteve livre das influências culturais de suas origens. Na verdade, o que percebo nos ensinamentos de Jesus é que justiça é bem mais próxima da graça do que da ira. A justiça é um instrumento de amor, às vezes doloroso, pela qual Deus reordena a vida, colocando tudo em seu devido lugar, tal como o barro à mão do oleiro.

A justiça de Deus é um instrumento de sua misericórdia, logo, de seu amor por nós. Dessa forma o inferno jamais deve ser concebido como um lugar destinado ao cumprimento de uma pena, portanto, não é um lugar de justiça. Não há ser humano algum que mereça o inferno, contudo, há pessoas que preferem estar lá por uma razão simples: rejeitam, elas mesmas o amor de Deus. Quem rejeita o amor não pode ser amado. Essa é a causa da ira de Deus, e quem está debaixo dessa ira já está no inferno, porque o inferno é o lugar onde Deus permanece eternamente irado.

Como um Deus que nos ensina a amar o inimigo pode nos lançar no inferno? Cristo ensina a amar o inimigo porque nós mesmos fomos inimigos de Deus, e mesmo assim, ele nos amou. Deus ama os seus inimigos. Deus é amor e jamais deixará de sê-lo. Contudo, quem rejeita o amor de Deus rejeita o próprio Deus. Limita sua presença. E Deus pode estar em todo o lugar, menos no coração de quem não o ama. E onde o seu amor não está, se encontra a sua ira. Isso é o inferno, o lugar onde o amor e a justiça de Deus não estão. O lugar onde Deus mesmo (sua essência, que é o amor) não está.

Talvez o grande motivo pela qual a ira divina se acenda se estabeleça em não querer condenar, quando o próprio homem a si mesmo se condena. Ele se lança no inferno quando Deus mesmo não o quer lá. A grande beleza do Antigo Testamento consiste em exatamente expressar a imagem de um Deus que ama intensamente, a ponto de se enfurecer e até suspender as leis da natureza por amor. Ora, isso é justo? Para defender o mais fraco Deus não se importa com justiça. Exatamente porque o forte não se importa. Todavia, defender o fraco, mesmo quando se tem como aliado um poder infinito não será um ato de justiça também?

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