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quinta-feira, 26 de agosto de 2010

O Mundo é Imenso Para Olhos Pequenos

Um pardal pousa em minha janela. Parece olhar o horizonte. 

Imediatamente essa visão provoca em mim um rápido lampejo de inspiração idílica. 

Tento compreender sua visão do mundo: ser um pássaro parecer ser assustador. Em terra firme, seus olhos pequenos parecem enxergar um mundo de gigantes. Para quem não sabe voar, uma experência como essa expressaria apenas medo e pavor, expondo a fragilidade de ser tão pequeno diante de um mundo tão grande. Todavia, por saberem voar pardais não sentem medo. Conseguem elevar-se diante dos altos prédios comerciais, das cidades, das pessoas. Olhando de cima, as casas, os carros, as pessoas, vão diminundo até parecerem com as formigas de um gigante formigueiro. Do alto, todo pássaro é grande.Voar não significa apenas uma experiência de liberdade, mas a ausência de todo o medo. 
Eu sou um pássaro preso na terra. Mas almejo ardentemente o céu. E enquanto eu não posso voar, observo o mundo ao meu redor. Até o horizonte. Para pássaros, viver na terra pode expressar uma experiência de medo e terror, de angústia. Todavia, uma experiência que não é permenente, mas provisória.

Livre, mais importante do que saber para onde vai, é saber onde está. Pássaros não precisam se preocupar em ir para o céu: eles já estão lá.


quarta-feira, 25 de agosto de 2010

O Que é o Amor? - 1ª Co. 13.1-13.

O que é o amor?

Essa pergunta não me deixa dormir. Uma questão como essa talvez me consumirá até o último dia de minha vida.

Méritos ou conhecimento não definem boas pessoas. Dons ou ideais elevados também não. Todo mérito, conhecimento, dom ou ideal sem amor, para Deus não possui significado algum. Pelo contrário, falsificam pessoas e intenções. Não podemos definir o amor através dos nossos méritos, dons, conhecimento, altos ideais ou fé. Isso por si só elimina qualquer possibilidade humana de amar. O amor é uma impossibilidade humana, e por isso mesmo, somente pode ocorrer por meio de um milagre.

Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine.
E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria.
E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria.

Curioso como o apóstolo Paulo define o amor. Ele confere características humanas a um sentimento que nossa civilização entende como abstrato. Em outras palavras, o texto de 1ª Coríntios 13 não pretende nos esclarecer o que é o amor. Isso porque não faz do amor um sentimento abstrato. O texto se propõe a dizer quem é o amor. Sendo assim, o texto não esboça uma série de condições para que uma pessoa possa amar, pelo contrário, ele afirma que a única condição para amar verdadeiramente é ser preenchido pelo amor. 

O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece.
Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal;
Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade;
Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.

O amor é perfeito, ele nunca falha (v.8). Uma característica que somente pertence a Deus. Em outras palavras, Deus é amor e só ele é o amor, divino. Onde há amor há a presença de Deus. Há a presença do próprio Cristo. E essa presença não pode ser confundida com nossos méritos, nossos dons, nossos ideais, pois quando isso acontece, nosso culto se volta inteiramente para nós mesmos e não para Deus. É por isso que o apóstolo Paulo deixará bem definido que o amor é mais importante que tudo isso.
O amor nunca falha; mas havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá;
Porque, em parte, conhecemos, e em parte profetizamos;
Mas, quando vier o que é perfeito, então o que o é em parte será aniquilado.

Diante do amor, que é perfeito, tudo o mais é aniquilado. Toda profecia, toda língua, toda ciência. Justamente porque tudo o mais é imperfeito diante da perfeição.

Porque, em parte, conhecemos, e em parte profetizamos;
Mas, quando vier o que é perfeito, então o que o é em parte será aniquilado.
Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino.
Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido.
Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior destes é o amor.

 Instala-se em nós um permanente sentimento de dependência. O imperfeito diante do perfeito é iluminado por completo e confrontado com suas misérias. Diante do amor tudo desaparece: toda profecia, toda ciência, toda fé. Menos o homem. Sem profecia, sem ciência, sem fé. Nu, frágil e indefeso. Despido das suas ilusões meritórias. Totalmente dependente de seu criador. Criatura. É por isso que diante do criador, todo o joelho se dobra, confesso e agradecido.

Oh Senhor, somos todos dependentes de ti.

Soli Deo Gloria.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O Ofício Maldito do Escritor

É impressionante como entre alguns literatos o exercício de uma boa escrita é proporcional a incapacidade de ler bem, particularmente entre aqueles que se dedicam a ficção ou a poesia. Alguns escritores ao fazerem menção de seus trabalhos, seja em feiras literárias como a Flip ou as bienais do livro no Rio ou São Paulo, nos dão a impressão de estarem lendo bula de remédio ou um tedioso relatório financeiro. Tédio. O mais revoltante são os aplausos seguidos de apresentações desse tipo. Belíssimas apresentações de absolutamente nada. Foi-se a época quando bons escritores eram também bons leitores. É decepcionante, pois os piores leitores consistem justamente no seleto grupo daqueles que se dedicam a produzir boa literatura. Posso citar exceções, Elisa Lucinda é um exemplo: interpretando o que escreve, confere alma à tinta morta e fria presa no papel. Todavia, é uma exceção, e são as exceções que me permitem ainda ter alguma esperança no ofício da grande arte de escrever.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Citações - Lutero

"Por isso, em essência, a missa (o culto) propriamente não é outra coisa que as citadas palavras de Cristo: “Tomai e comei” etc., como se dissesse: “ Olha, homem pecador e condenado, pela mera e gratuita caridade com que eu te amo, pela vontade do pai misericordioso prometo-te por estas palavras, a remissão de todos os teus pecados e a vida eterna, sem nenhum mérito ou voto teu. E para que estejas completamente seguro dessa minha promessa irrevogável, entregarei o meu corpo e derramarei o meu sangue, confirmando com a minha própria morte essa promessa e deixando-te ambas as coisas como sinal e memória dessa promessa. Toda a vez que o repetires, lembra –te de mim, anuncia e louva essa minha caridade e largueza para contigo, e dá graças".

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Santa Barriga


Não terão conhecimento os que praticam a iniqüidade, os quais comem o meu povo, como se comessem pão, e não invocam ao SENHOR? (Salmos 14.4).


Desculpem-me alguns santos apóstolos: eu não pretendo ferir a imaculada santidade de vocês. Contudo, não pude deixar de perceber que grande parte dos nomes da teologia brasileira e mundial em evidência, constitui literalmente de “homens de peso”, quando não, possuem uma leve e curiosa saliência estomacal, transparecendo assim que o tamanho de seu estômago indica para nós o quanto para esses homens custa trabalhar para Deus.

Eles cobram caro! E para tanto fazem seu preço. Enquanto engordam seus estômagos e contas bancárias, seu povo morre à mingua com a esperança de uma vida mais digna. Perdoem-me os abençoados pela genética, minha crítica se limita apenas aos amaldiçoados pela compulsão da glutonaria.

Talvez possam acusar-me de ascético, contudo, nunca de mentiroso.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Carta ao Povo Brasileiro

Quão pesadas serão as letras que vos passo a escrever! Somos consumidos por nossa miserável alegria, por nossa maldita sensualidade, nós os brasileiros, somos como qualquer prostituta por aí, apanhamos feio dos nossos opressores e continuamos a amá-los como se nada tivesse acontecido, tráfico de drogas, de armas, de órgãos, de vidas! Até onde isso vai parar? Respondo: isso não vai parar, é como um vício e sua cessação produziria crise de abstinência terrível, violenta, aliás, a violência é algo que já nos acostumamos, talvez pelo fato de ser tal costume tão próximo da nossa natureza, tudo isso prova que nós, os brasileiros, somos grandes viciados que constantemente são privados de seus vícios, daí as favelas e seus governos singulares, sua cultura, sua vida, daí as greves nos hospitais, as mortes. O brasileiro aprendeu a conviver com a morte, e mesmo assim continua sambando, jogando futebol, fazendo seus churrascos, bebendo sua cerveja, seu vinho barato, ouvindo seus pagodes, funks e axés, com uma religiosidade tão pobre e fútil, as vezes infantil, inocentes como qualquer criança, desconhecem os perigos do verdadeiro.

Convivendo com a morte o brasileiro passou a querer fugir dela (talvez nossas lágrimas aos mortos já não tenham o mesmo valor, mesmos quando tais mortos somos nós mesmos, os mortos já não podem chorar mais, nem por si mesmos), o brasileiro passou a sonhar, daí sermos o que somos, simplesmente um sonho. Nesse sonho nós não vemos a morte, estamos cegos por nossos vícios, embriagados por um vinho que só os mortos beberiam, daí a crença de que amanhã teremos mais empregos, mais saúde, mais educação, de que todo governo que entra é bom e todo governo que sai é mal. Hipócritas ! Nenhum deles é Deus, embora queiram tanto isso. Pagamos pela burrice dos governos, pagamos pela nossa própria burrice e o que sobra, pagamos para sustentar nossos malditos vícios, do nosso sonho, do costume de ir ao bar toda sexta - feira com os amigos, tendo sempre uma oferecida qualquer para aparecer e ficar ao nosso lado, com bebida e cigarros tornamo-nos preparados para qualquer coisa, desde uma guerra mundial até uma aula de epistemologia.

E depois disso tudo, ainda temos a coragem de, ouvindo os nossos cds de rock, fazermos o símbolo do deus chifrudo, criticamos os devotos e crentes que dão seus dízimos e ofertas, dizendo que enriquecem a pastores e padres com uma calma simplesmente anormal. Tendo a convicção de que somos livres, anarquistas, de somos deuses e que temos os céus a nossos pés ( que belo céu nós temos...). Onde está o brasileiro ? Este já morreu e não sabe disso, sua bandeira verde, amarela, azul e branca, desbotou-se e perdeu toda a sua cor, nossos hinos à pátria foram substituídos, juntamente com nossos atos solenes por um culto em louvor da morte, do silêncio que nela está contida , na passividade social, seríamos mais autênticos e leais a nós mesmos, ou então, podemos continuar sonhando. Mas o que mudará ? Toda esperança será inútil.

Por onde quer que olhamos, por nossas praças e ruas, vemos mendigos que pedem esmolas, garotos anônimos que vendem balas, fazem malabarismos nos sinais e na vida, enquanto que outros preferem ganhar a vida de outro modo....vemos meninas, que perdem na flor da idade o amor próprio, que se prostituem. E nós o que fazemos? Fechamos as janelas dos nossos belos carros com medo de sermos assaltados, temos medo sim, da nossa crise de abstinência forçada, mas não fazemos nada a respeito. Porque? Porque acreditamos que o governo cuidará do assunto, " lavamos nossas mãos " . Quantos de nós, só porque pagamos em dia nossos impostos e contas, acreditam que são bons cidadãos! Só porque não matamos ou roubamos, acreditamos que iremos para o céu! Ser omisso aos problemas da nação é ser condizente com todos os pecados que ela produz. Quem se salvará no mundo? O fato de que o outro rouba significa que de alguma forma fui omisso ao seu crime, logo de que também sou um ladrão. Coitado dos hipócritas! Por não matarem ou roubarem são também assassinos e ladrões.

A hipocrisia é a característica mais sádica da natureza humana, e a nossa, a do brasileiro é a mais perversa, porque é feita na maioria das vezes por inocência, por impulso, injustificável, é a nossa vivência, por isso muito mais intensa, somos alegres à toa e nossa tristeza é simplesmente motivada por uma privação, a de nós mesmos, nunca fomos tristes de verdade, muito menos alegres, simplesmente deixamos a vida passar com seus sorrisos e lágrimas. Não se percebe que cada sorriso e lágrima são singulares em si mesmos ? Queria eu dizer que nos tornamos como animais, mas nem mesmo eles são assim, sendo por demais superiores a nós, pois como diria Kierkegaard, os animais não possuem o hábito de se julgarem entre si. Somos preguiçosos, tendo o hábito de cometer as maiores atrocidades e loucuras só para sentirmos que somos gente, de fato, somos carentes de uma identidade, isso prova que nem gente somos de verdade,nosso vício, nosso sonho e nossa hipocrisia fazem isso.

Nada disso é suficiente para descrever o quanto somos baixos, aliás, é impossível nos descrever, descrevemos sim,o que somos em nossos sonhos, isso porque sonhar é fácil, assim como ser enganado por toda a ilusão que dele provêm,todavia, quanto mais é a visão que temos de nós mesmos,assim como do mundo que nos envolve,mais nos aproximamos de uma realidade maior, uma realidade que desata nossos olhos, assim como no mito platônico da caverna nos perguntamos : É isso a realidade ou estou sonhando? Embora a pergunta permaneça, só nos resta seguir em frente, e é em cada passo dado que temos a possibilidade de mudar e construir aquilo que o sonho só nos tirou,ou seja, a nossa própria identidade. E para tanto temos que romper com toda a melancolia do mundo e aniquilar de si toda a sua futilidade, ousemos ser críticos até o limite e profanos à sociedade que ainda sonha, que vive ainda em seus mitos, por mais convincentes que eles sejam, ousemos ser críticos mesmo quando a crítica nos faltar, duvidemos então de tudo.

Um forte apelo exagerado e até mesmo desnecessário à sexualidade, o costume de se festejar as futilidades e desprezar o vital, idolatria inconseqüente ao vício sem contudo abdicar ao " culto cristão" assim vivem a maioria dos homens, numa eterna contradição. A raça está impregnada de poesia, a raça está impregnada de um tipo de pathos que a leva à morte indolor, por isso estar os homens cegos diante de suas paixões. seu grande defeito é não se cansar do vício, não se cansar da morte, isso porque novos homens estão surgindo no mundo, e nos olhos de quem os vê uma esperança, novos homens surgem, contudo, não surgem com eles uma nova sociedade, eles são uma mentira,, assim como também os são aqueles que os enxergam com ternura e esperança. A máquina do mal ainda não atingiu a sua decrepitude, é uma torre de marfim que não se pode invadir por fora, mas por dentro, pela subjetividade.

" Poderia eu ser um síntese, todavia, seria demasiado fácil, sou o que está por acabar, e como tal sou só um olhar,um olhar meu mas também um olhar do outro, nisso eu sou também o outro, eu sou todos os olhares possíveis e quando me torno passivo a esses olhares que me cercam, eu me torno mundo, não um mundo meu, mas dos outros. Meu mundo é o meu olhar que tenho em relação com os outros enquanto entes, por outro lado, o meu olhar sobre mim mesmo não me faz mundo, mas ser,um ser que se manifesta quando deixa de ser o mundo dos outros, através de um rompimento, fazendo dos outros o mundo do ser, assim se manifesta de uma forma clássica a consciência, como fuga da entificação. Meu grande defeito como escritor é de não ter o mínimo de poesia naquilo que escrevo, de não tentar hermetizar numa parábola ou aforisma, algum código que meu leitor deva interpretar. Sem poesia minha filosofia é comum, sem ironia possuo o defeito de não desafiar ou até mesmo provocar o leitor, mostrando por isso toda a minha decepção com a raça, a raça dita humana e os seus olhares

Sinto grande apatia com o meu mundo, assim como com o mundo dos outros, talvez ambos não me sejam suficientes e sei que de fato não os são, por isso, acreditar nesse mundo de mentiras ( Sl. 116.11) me mataria, e minha morte não teria valor algum, além disso, sei que parte de mim, do eu decepcionado que sou é uma mentira, figura feita por esse mundo maldito, por isso, sei que meu valor não pode estar em mim ou no mundo que me rodeia,seja este mundo compreensível para mim ou não, mas fora de ambos, em Deus, e encontrando a Deus, se superar foi todo o remédio para a minha " doença mortal " , para minha decepção um tanto que desesperada.'

Ter a sensação de que se está sendo observado, não se sabe de onde, não se sabe por que, muito menos se essa sensação é real, assim como todo o seu contexto, simplesmente, através de um sentimento que os filósofos chamam de angústia, nos petrificamos e passamos a ser guiados, nos levando dessa forma entre as fronteiras da paixão e da loucura, que alguns denominam fé.Essa angústia é um sentimento que quando conhecemos sua procedência, o elemento que nos petrifica pelo fato de se estar diante dele como algo impotente, nos direciona à um relacionamento para com o mesmo. Nossas impossibilidades, por gerar impotência ante as situações que se passam em nosso interior, só nos mostra a existência de um poder maior que nos guia, no entanto, que nos pode levar a um tormento que nos dilacera a alma.

Meus Dezoito Anos

O que segue é um texto antigo que escrevi quando completei meus dezoito anos (hoje tenho vinte e quatro. Uma época de ruptura de paradigmas e ilusões. O início do meu amadurecimento como homem e ser humano. Se trata de um texto melâncólico e poético, que sintetizam reflexões que amadurecidas anos depois irão produzir meu livro "Biografia Anônima" e seu discurso predominantemente crítico sobre o conceito contemporâneo de amor. Uma diferença drástica. Se neste texto, a primeira impressão leve a compreender o autor com certa inocência, é correta tal interpretação. Os resultantes deste texto ao longo do tempo produziram reações bem diferentes.




Meus Dezoito Anos


A vida é uma dor, a maior de todas as dores, tão intensa que chega a deixar de doer, é só por isso que muitos homens ainda conseguem rir. Se eu fosse correspondido pelos sorrisos que dou, pelas palavras de ânimo que saem da minha boca, mesmo quando em mim não há ânimo algum, e principalmente pelo que eu sou jamais eu poderia dizer: " a vida é uma dor..." Tenho tantas dores no meu coração. Nunca cheguei a ser amado por uma mulher, eu sempre fui tímido no amor e para piorar, nunca correspondi ao sonho de beleza de nenhuma jovem, me pareço muito com o patinho feio... Estou destinado a viver só. Quem conseguiria resistir com as minhas dores? Quem continuaria a querer viver? Eu já não vivo. Não existe em mim qualquer ideal de felicidade, já não aspiro nada de hoje ou de amanhã, para mim só me resta a obrigação de suportar cada dia por vez. E isso é só o começo: tenho uma fama muito peculiar: eu sou o inútil, o desgraçado, a praga e etc. Eu sempre estive muito próximo da escória, eu sou o enfermo e a doença.

Como é bonito ver os sorrisos das mulheres, todavia, eles me fazem chorar, porque eu sei que nenhum deles foram dados a mim. Como eu poderia ver então beleza no mundo? Recentemente algo quase me fez chorar: uma mulher me disse que eu dei sentido a vida dela, entretanto ela está tão longe de mim...minha relação com as mulheres é uma ironia. Se pareço muito trágico em minhas palavras, saibam que minhas palavras só demonstram o que eu vivo, e do que jamais eu posso escapar, falo de uma forma trágica porque minha existência é uma tragédia.

Perdi secretamente o gosto pelos elogios, não os suporto mais, mesmo os que são ditos verdadeiramente por um bom coração. Eu perdi a esperança em mim mesmo e não sou digno de pena, só espero não viver para sempre com meus pais. A coisa que eu mais anseio agora é a solidão, porque a solidão me quer, talvez a minha angústia aumente. Eu não sei o que me espera daqui a dez minutos, sendo assim, o que seriam dez minutos? Dez minutos seria nada...O que será da minha vida daqui a dez anos? Eu nada sei sobre a minha vida...eu só sei que ela é um nada. O que há então para comemorar? Absolutamente nada, porque nada é a vida que vocês comemoram hoje...

Sou grato a muitos amigos, meu aniversário de dezenove anos demonstrou que sou querido por aqueles que na ocasião nem me conheciam direito, todavia, o difícil é achar alguém que chore comigo. Parte dessa ausência é culpa minha. Com quem eu já chorei? Eu mereço chorar sozinho. Não acredito mais nos castigos de Deus: a idéia de castigo sempre esteve em mim vinculada ao conceito de se sofrer uma pena sendo inocente; só Jesus foi castigado, eu por outro lado sou sempre o culpado. Toda a alegria de mais uma primavera amanhã vai passar, tudo retornará ao normal, tudo será para mim, triste como antes. Me censurem os teólogos e todos os que e consideram cristãos. Quem é capaz de censurar as lamentações de Jeremias? Quem é capaz de censurar as lamentações de Jó ( Jó 30 )? Quem é capaz de censurar as lágrimas angustiantes do cristo no monte das oliveiras? Quem é capaz de censurar-lhe o seu " ...eloi, eloi, lama sabactâni ? " ? Se eu choro e lamento quem é capaz de me censurar? Não espero compreensão, só Deus é capaz de me compreender, um Deus que eu e nem ninguém pode ver. Aproximo-me então da loucura. Quem poderia justificar o ato de Abraão em sacrificar o seu próprio filho Isaque, para um Deus que ele não via? Ninguém podia justificar Abraão a não ser o próprio Deus, um Deus que nem o próprio Abraão via. Quanta loucura em Abraão! Uma loucura do tamanho da sua fé.

Não sei o que me espera amanhã, mas que o amanhã seja algo que me espere, que eu possa alcançar, e se eu não puder alcançar, que minha mensagem tenha o poder de fazê-lo por mim, mas para todo aquele que se sente como eu. As pessoas me observam e eu odeio isso, algumas para ter razões para me censurar, me chamar de pecador, de condenado ao inferno, outros para me admirar. Quantas mães já me quiseram apresentar para suas filhas! Quantas mães já me tornaram um modelo ideal para seus filhos! Cheguei à conclusão de que eu não sou nem um santo nem um pecador, eu sou ambos, eu sou um paradoxo. Como você me vê? Não há alternativa para essa pergunta: eu não posso ser definido, só Deus me define, mas quem já viu a Deus? Definir-me pertence a Deus e a mim, a mais ninguém. Diante de Deus todos os homens estão sós, e eu também, só o que me resta nessa vida é a solidão, não só a mim, mas a todos os homens.

O que me resta? Sou um nada que é só, um nada que é só nada, e assim eu sou eu mesmo. Não posso escapar de ser a mim mesmo, não posso escapar de condenar toda a futilidade do mundo e das pessoas reduzidas às coisas. Eu não sou uma coisa, eu não sou um objeto, mas muitos me querem assim, e se eu faço objeção a isso, tenho a facilidade de magoar. Prefiro então me isolar em mim mesmo. Quem é Diogo? A língua latina me diz que sou inteligente, gentil e educado, mas também me diz que é um dos nomes medievais atribuídos ao diabo. Os gregos com seu didaticus dizem que sou didático, dado ao ensino. A gentileza, a educação e a inteligência também podem servir como instrumento de manipulação do mal através do ensino, o mal manipula através do que o manipulado acredita como bom. A bondade jamais manipula, ela é liberdade, por isso é sempre considerada pelo manipulado como uma coisa ruim. A dor que eu sinto diante da vida nada mais é do que o sintoma da minha própria metamorfose, do demônio que Deus quer reabilitar a anjo de luz. Os demônios do inferno não sentem essa dor da vida, por isso eles jamais podem ser por Deus reabilitados. A metamorfose é uma dor necessária à todo homem, e se é necessária, que os homens me deixem com a minha dor.

A vida é uma dor, mas a dor redime e nos transforma em algo mais duro, impenetrável. Não sou nenhum sádico ou masoquista em dizer isso : se a vida é uma dor e a dor redime, a vida é em ultima instância redenção. Eu vivo e na minha vida eu sofro e me redimo, eu sou redimido enquanto vivo a minha dor. Só Deus me define pois só Deus me justifica, só Deus me redime. Deus me redime pela dor, uma dor que é minha e que permanece em mim, permanece porque nela Deus visa em mim algo maior, ser aquilo que nasci para ser, para qual Deus determinou e que ainda não cheguei a ser. Alcançar a redenção é superar a dor, é alcançar aquilo que comumente se entende por felicidade, mas se a vida é uma dor, a felicidade noutro modo não está na vida, ou no que se entende vulgarmente como tal, a felicidade está na superação da vida. Não entendo o termo superação como um " estar além ", estar além da vida significa uma meta da vida. Superação da vida é uma super - ação, é uma plenitude de vida e plenitude não está no viver aqui e agora, pois o aqui e o agora é só vida, é dor, a plenitude está em sempre viver, sem aqui e sem agora, a plenitude da vida é uma vida eterna, a plenitude da vida é a eternidade, e a eternidade é a redenção, é a felicidade, liberdade do julgo escravizador do tempo.

As palavras eloqüentes permanecem vazias para aqueles que não as entendem, todavia, não há um homem sequer que não possa compreender que a vida é uma dor, e que por isso também possa compreender que sua redenção está nessa dor, superando assim a vida, na eternidade. Enquanto vivo a vida do aqui e agora como meus fúteis vinte anos, olho para a frente e anseio ardentemente a eternidade, e isso, enquanto vivo, já é uma nova dor. Cristo com sua morte e ressurreição, com seu sangue sua dor me ofereceu a eternidade, e para recebe-la aceitei um compromisso : tenho que compartilhar com cristo o meu sangue e aminha dor também, eu tenho que aprender a compartilhar uma cruz, os cravos, as lágrimas, só para depois aprender a compartilhar o pão. É necessário sentirmos as dores do mundo para que possamos cuidar dele melhor. Essa é a vida que eu quero e se ainda não a tenho ainda, que minha dor permaneça até que eu alcance a redenção em Cristo Jesus.

Já estou crucificado, todavia, ainda não chegou o meu momento de render o espírito, agonizo então na minha cruz..." ...porque o amor é forte como a morte.." Já dizia Salomão nos seus cânticos à filha de Faraó, só é capaz de amar aquele que é capaz de morrer, Deus só nos ama porque morreu por nós, e a intensidade do seu amor está no tipo de morte que sofreu...o amor está na dor e a intensidade do mesmo está no tipo de morte que se sofre...Deus me fez morrer para poder amar de uma forma que eu mesmo não conhecia, Deus me fez morrer para amar até a morte...Amar até a morte significa amar em todas as circunstâncias, mesmo quando não se é amado...eu já estou morto, entretanto, Deus requer de mim amor. Amar é um desafio mortal, se estou pronto para tanto eu não sei, só o que me cabe em toda a minha solidão e dor diante do mundo e da vida é diante de Deus dizer : " eis -me aqui..."

Toda a minha indignação contra a minha própria existência, suscitava em meu interior questões que eu mesmo não podia responder: Porque eu sofro assim? Porque tudo aquilo que durante anos eu planejei e construí para mim se desmorona assim tão fácil em segundos? Quando mais ninguém podia me dar uma resposta, Deus assim o fez, no silêncio: " No princípio criou Deus os céus e a terra." Assim nos diz o gênesis. Eu nada crio, só Deus cria, porque só se pode criar do nada. Deus cria do nada, e eu me pergunto: O que eu me tornei? Tornei-me absolutamente nada... é a partir desse nada que Deus resolve criar, do nada que sou eu, mas eu nem sempre fui um nada, eu tive sonhos, projetos para mim mesmo, todos ao longo do tempo foram destruídos, e sei que o foram pelo próprio Deus, a fim de que pelo nada que sou, Deus se manifeste como o meu criador. "...Eis que faço novas todas as coisas..." Assim diz o senhor Jesus no apocalipse, tudo isso me ensinou que todo grande fim é o sinal de um novo começo, e que toda destruição é sempre a construção de uma coisa nova, e é isso o que eu sou.

Diálogos Zine nº 02




Em breve.

sábado, 7 de agosto de 2010

Citações - Paul Tillich




" Existem muitos cristãos existencialistas; e visto que são existencialistas, eles indagam sobre a pergunta, mostram a alienação, mostram a finitude, mostram a falta de sentido. Visto que eles são cristãos,respondem estas questões como cristãos, mas não como existencialistas. Por esta razão, não creio que a distinção muito comum entre existencialismo ateu e cristão faça qualquer sentido. Na medida em que um existencialista é teísta, ele não será um existencialista ou não será realmente um teísta. No que pessoas como Jaspers, como Kierkegaard, como Heidegger em seu último período místico, como Macel, são cristãs, ou finalmente religiosas, ou finalmente místicas, elas não são existencialistas mas respondem a seu próprio existencialismo, e isto deve ser claramente distinguido. O existencialismo descreve a situação humana, e, como tal, é um elemento decisivo no pensamento religioso dos nossos dias e na teologia cristã".

Paul Tillich in Textos Selecionados. p44.

Porque não crer no que crê o ateísmo 1ª Parte

A) O Problema do dogmatismo na religião e nas ciências .

O ateísmo, enquanto instrumento de crítica objetiva (científica) do teísmo institucional, se mostra tão dogmático quanto este, e neste aspecto cristãos e ateus possuem cosmovisões muito similares. A tese de que a objetividade é o meio de conduta para a verdade, é comum a ateus e cristãos dogmáticos.

Lendo Nietzsche e Marx, percebi que a transformação dos meios de produção, que o desenvolvimento da técnica e da investigação científica é a responsável pela transformação de toda a cosmovisão social, religiosa e etc. Em suma, que a ciência transforma a vida e esta, transformada, transforma a ciência, a religião e etc. Em outras palavras, que a objetividade não é o meio de condução para a verdade, mas é o meio de condução para a invenção de uma verdade, exatamente porque a objetividade ao transformar a vida, é responsável por transformar-se a si mesma, perdendo todo o seu caráter absoluto. A ciência não é objetivamente absoluta, assim como não é objetivamente absoluta a religião. (paradoxalmente nem mesmo o que estou escrevendo agora deve ser considerado algo absoluto).

Por fim, minhas reflexões amadureceram neste aspecto na leitura do livro “A Estrutura das Revoluções Científicas” de Thomas kuhn, onde a idéia de verdade científica é questionada. Concluindo, tanto o ateísmo quanto o teísmo dogmático dão muito a desejar naquilo que prometem e que toda a verdade, seja religiosa ou científica somente pode ganhar adesão existencialmente, e para isso, tanto a ciência quanto a religião possuem particularmente um método específico para convencer as massas. Sendo assim, jamais posso criticar um postulado científico ou doutrina religiosa em si mesmo, exatamente porque o que deve ser criticado é exatamente a maneira como cada um independentemente convence as massas de sua veracidade.

O que sustento em minha primeira exposição é que, a afirmação categórica ateísta "Deus não existe" é essencialmente dogmática, e como todo dogmatismo, sempre está procurando justificações para a sua afirmação, e nesse sentido o ateísmo desenvolve estreitas relações com o próprio dogmatismo cristão. (ex: "Deus não existe porque....."; "Deus existe porque...."). É exatamente esse "porque" que define o dogma, e em todo dogma está inserida um conceito de verdade "militante", ou seja, que tenta contradizer a oposição, percebo muito isso entre ateus e cristãos. O conflito ideológico é sempre oriundo de duas posturas ideológicas antagônicas entre si, essencialmente dogmáticas. Mas vamos dar um fim a questão: O que o ateísmo promete? A grande promessa do ateísmo é exatamente, no que se refere a uma deidade pessoal (teísta), negar todas as possibilidades de sua existência de uma maneira categórica, onde as possibilidades, por mínimas que sejam, são sempre viáveis (a teoria do caos reflete bem essa idéia). Se as possibilidades mínimas também são viáveis, nos encontramos então num paradoxo onde não podemos afirmar categoricamente nada, não podemos ser dogmáticos, em suma, acredito que tanto para o ateísmo quanto para o cristianismo, seriam fundamentais uma postura agnóstica de verem o fenômeno religioso, sempre abertos as possibilidades, sem esse "porque"...

Inserida no método científico contemporâneo está implicitamente estabelecido um paradigma de convencimento, que é exatamente a idéia de funcionalidade. Além disso, por participar ativamente na transformação social, no rompimento com antigos paradigmas legais, morais, científicos e religiosos, a ciência também é responsável por 'carregar" a consciência individual para tais rompimentos. E isso já está implícito na dialética social, na formação e transformação da cultura. O método de convencimento implícito na produção científica não é algo consciente, exatamente porque participa na construção da consciência, localizando-a no tempo, historicamente. Isso é constantemente repetido por Marx em sua "Ideologia Alemã", juntamente com Engels. Portanto esse método de convencimento não é criado à parte da ciência em si, mas está em sua própria natureza, na natureza da própria ciência.

Sei que ateísmo e conhecimento científico não são sinônimos, todavia, o que percebo é que muitos ateus sustentam suas posturas filosóficas sobre o fenômeno religioso, através do cientificismo e o fazem em razão da própria idéia de funcionalidade, cujo fundamento é exatamente o de construção e re-construção social (segundo o pensamento de Marx), sendo assim, não posso conceber o cientificismo como realidade distinta do ateísmo, isso porque, o cientificismo, cujo valor coloca a realidade humana como autônoma e independente de qualquer deus ou entidade sobrenatural, não por si mesmas, mas sim na compreensão de que o homem é o ser que conduz o seu destino, torna por um lado a idéia de sobrenatural absurda e por outro, vê com otimismo a autonomia humana em construir o seu mundo e explorar a natureza. (Nietzsche explora muito essa visão).

Segundo as sua próprias colocações: "... o ateísmo tão somente é a opção de um indivíduo que não acredita em deus ou deuses. O ateísmo não é dogmático, não há uma doutrina ateísta, não há um propósito na negação, e também não precisa ser justificada."

É exatamente esse tipo de ateísmo que acho fundamental e importante: o ateísmo como simples opção, todavia, o que percebo é que muitos ateus se agarram ao cientificismo como instrumento de justificação dessa opção, o que acaba por fazer do ateísmo algo dogmático. Compreende? E nesse aspecto, os ateus cientificistas se tornam próximos dos dogmatistas religiosos, que se utilizam de seus livros sagrados e "santos" líderes carismáticos, assim como essa classe de ateus se utiliza do cientificismo e da exaltação aos grandes nomes da investigação científica. É exatamente por isso que possuo uma estreita relação com o agnosticismo e não necessariamente como o ateísmo em si.


O Que vem a ser essa funcionalidade?

A ciência possui em seu âmago, assim como a religião, instrumentos indispensáveis à condução política. Marx enfatiza muito isso em praticamente todo o seu projeto filosófico, enquanto que Nietzsche se preocupa com a idéia de condução política na religião. Sendo assim, a ciência (em suma totalidade, como instrumentalização da lógica e da racionalidade, como história, filosofia, física e etc.) jamais pode contradizer permanentemente o desenvolvimento da sociedade civil (o conceito de contradição no marxismo se estabelece como rompimento com antigos padrões de desenvolvimento para a aquisição de novos paradigmas, em suma, se estabelece então como re-construção), a ciência jamais pode se atrever a querer destruir a sociedade, onde (localização geográfica) participa ativamente na construção (obs: tal postulado seria um ótimo tópico de discussão política, e não necessariamente religiosa), mais ainda, a ciência jamais pode contradizer permanentemente os detentores de poder dessa sociedade, o que é uma minoria elitista. A ciência então se torna também um instrumento de condução das massas pela classe dominante como força de manipulação da consciência coletiva, ou seja, dos padrões sociais normatizados de verdade, beleza, moralidade, identidade, assim como as negações oriundas delas. Se a classe dominante achar por natureza que a religião é um eficiente instrumento de condução, ela será favorável a liberdade religiosa, a democracia é um exemplo disso.
Os processos que conduzem os instrumentos de produção de bens fazem com que a sociedade esteja sempre em processo de re-construção, intermediada por um estado de abandono de antigos paradigmas, por um estado de "destruição", num processo dinâmico que Marx interpretou como história. Em suma, a ciência, como motor responsável pela transformação dos meios de produção, altera os padrões que regulam a vida social e estes alterados, modificam a consciência individual, e este movimento: vida social- consciência individual, sendo intermediados pelos instrumentos e pela força de produção de bens, recebe sua origem na produção científica, na exploração no que há de obscuro no mundo, determinando o andamento da história.

A aplicação do conceito de funcionalidade está precisamente em todo tipo de verificação causal que tem como efeito a construção (mesmo que não seja permanente) da realidade social, cujo fundamento é o homem. É por tanto um conceito essencialmente pragmático e experimental. Todavia, entre os períodos de construção e re-construção da sociedade, períodos estes onde os paradigmas funcionam tão bem a ponto de se tornarem verdades, quando não absolutas, muito próximas disso, sejam elas religiosas ou laicas, existe um período de destruição. Nesse período a idéia de funcionalidade perde um pouco o seu valor, e com isso, tanto as doutrinas religiosas, quanto laicas tendem a se apoiar não mais num cientificismo, isso acontece exatamente por causa da transformação dos meios de produção e com isso, a progressiva aquisição de novos paradigmas. Essa transformação dos paradigmas se estabelece nesse período de "destruição" e somente nele como uma exaltação a subjetividade, onde tanto o cristianismo quanto o ateísmo são paradigmas oriundos de uma adesão existencial. Um exemplo típico que eu posso dar foi a segunda guerra mundial. Nesse período, a humanidade experimentou um grande desenvolvimento tecnológico e científico, que em sua maioria foi a responsável pela morte de milhares de pessoas, e foi exatamente esse paradoxo entre sentido social (desenvolvimento científico e tecnológico) e sentido individual (convicções pessoais, sejam elas a favor ou contra a idéia da existência de uma deidade), que tornou todas as certezas duvidosas, e a idéia de funcionalidade (nesse período) deixou de ser um padrão. O existencialismo ressuscitado durante e depois da segunda guerra é um produto direto disso, e nele tanto o ateísmo (Heidegger e Sartre) quanto o Cristianismo (Kierkegaard e Jaspers), passaram a ser vistos sem dogmatismos, como pura aceitação existencial.

Muitos ateus acreditam demais no progresso. O desenvolvimento científico e tecnológico visa a constante modernização dos instrumentos dos meios de produção, cujos donos são uma pequena minoria dominante e exploradora. Dessa maneira o desenvolvimento científico e tecnológico é um instrumento de dominação e exploração. Isso é progresso? Se há alguma coisa que estimule a barbárie é o desenvolvimento. Por outro lado, o progresso em si, seria o desenvolvimento proporcionado a todos e não apenas a um grupo limitado de pessoas que possam pagar por ele. Sendo assim, há progresso? O progresso é um mito justamente pela confusão entre desenvolvimento (o que é evidente hoje) e acessibilidade ilimitada a esse desenvolvimento (o que na prática, não existe).



“Quem criou Deus?”. Uma pergunta irônica. Na realidade, uma falácia. Essa pergunta é extremamente problemática, pois nos leva a uma redundância. Se para tudo existe um criador, logo, Deus também foi criado. Entretanto, quem criou o criador de Deus? E este criador de Deus, quem criou? Seria uma constante ad infinitum. Essa é a minha posição. Portanto, Deus somente pode ser o criador de absolutamente tudo ou absolutamente nada.

Entretanto, essa é uma questão que possui uma história que nasceu na idade média. Tomaz de Aquino se destacou por tentar provar a existência de Deus a partir desse questionamento. Aristóteles já dizia que tudo o que se move é movido por alguma coisa, dessa forma, ele deduziu que todo o movimento somente pode ser produzido por um ser imóvel. Aqui, Aristóteles estava falando de mecânica e física. Para a Biologia ele aplica o mesmo argumento. Tomaz de Aquino identifica esse motor imóvel a Deus. Para Aquino Deus para criar não pode ter sido criado. (essa é uma posição que já foi abandonada a muito tempo, apenas aceita por uma ala conservadora da igreja católica).

Por fim, existe um terceiro argumento que também compartilho: o teológico. Não podemos definir um criador para Deus porque não existimos antes dele. Como criador de tudo, ele também criou o tempo. Um Deus que existe ante do tempo não pode ter início e nem fim (esse último argumento é apenas lógico, não conceitual).



É comum a muitos ateus lançarem ácidas críticas à história do cristianismo. Primeiro porque questionam a existência real do homem Jesus. Entretanto, devemos considerar que a história, como instrumento objetivo de investigação, não pode expressar qualquer verdade. Não existe uma verdade histórica em si mesma. Até mesmo o próprio Marx irá justificar esse argumento na compreensão de que com a sociedade dividida em classes que estão em conflito, há sempre a história contada pelos que ganham e pelos que perdem.

Lucien Henry foi um escritor marxista do século dezenove. Ele escreveu um livro chamado “As Origens da Religião”. Sua proposta consiste lá para o meio do livro em provar que Jesus foi um mito, resultante da fusão de uma série de religiões de mistério. Ele chega a essa conclusão porque percebe que alguns elementos centrais da fé cristã também fazem parte de outras religiões. Sobre isso acredito não estar falando nenhuma novidade. Entretanto, o ponto mais forte de seu argumento está na comparação com outras culturas de um deus que morre e ressuscita. Sabemos que as culturas de onde se originaram tais religiões utilizavam tal estória como arquétipo, um mito cujo fim expressa apenas passar um conteúdo moral. O cristianismo por sua vez se destaca dessas culturas por fazer do mito um fato histórico: é isso que assusta (no sentido de surpreender) ou fascina as pessoas. É por isso que Henry tenta contesta-lo a todo custo, chegando ao ponto de afirmar que nem mesmo o homem Jesus existiu.

Hoje em dia não há um pensador sensato que concorde com isso. O homem Jesus existiu. Isso é um fato. Outro grande questão se trata das marcas que ele deixou em seu tempo: marcas profundas. Influenciados por essa questão alguns pensadores (como Kierkegaard) o comparam a Sócrates. Jesus foi um revolucionário e um visionário. Outro grande fato. A grande questão se encontra justamente me entender o que ele fez a ponto de ser igualado a Deus. Acredito que seja o seu amor. Já leu “O Anticristo” de Nietzsche? Curioso este livro porque ele basicamente não tem a pretensão de criticar a figura de Jesus de Nazaré que para o filósofo morreu por sua inocência e por ter um coração bom demais.

É ai que a o acontecimento de sua morte e ressurreição entra em cena. Outros messias de sua época também curavam pessoas e expelia demônios, algo comum a um povo miserável, contudo nenhum deles ressuscitou. Outro grande argumento ateísta contra o cristianismo se estabelece na ressurreição como fato histórico. Como entender então o crescimento da primeira comunidade cristã no primeiro século, mesmo diante de intensa perseguição e martírio com o seu líder morto? É obviamente impossível.

Contudo muitos ateus se mostram sensatos quando denunciam o abuso de relações entre o Estado e a religião. E é a partir dessa relação desastrosa que muitos descrentes costumam fundar seus argumentos contra o Deus judaico-cristão, definindo-o como vingativo e sanguinário. Não há deus verdadeiro que se estabeleça a partir de uma intervenção política. Foi o caso de Constantino, com a oficialização do cristianismo e posterior a ele com a institucionalização da fé, cedendo à igreja uma série de benefícios. Ambos sabemos que isso não é uma novidade, e que antes da oficialização feita por Constantino o cristianismo já existia. Nesse aspecto devemos notar algo que para você talvez pareça sutil: o modo como a comunidade cristã vê Jesus como Deus antes de Constantino é bem diferente do modo como a mesma irá vê-lo como Deus depois de Constantino. Tudo por causa da política. Antes, a comunidade cristã era perseguida pelas elites romanas por justamente se recusar a seguir a religião de Estado. Esse “antes” se aproxima bem mais do discurso de Jesus, e a pureza do cristianismo se estabelece ai. Depois, unida ao estado, a igreja de perseguida passou a ser aquela que persegue e mata. Algo bem estranho ao discurso de Jesus. Dessa forma fica subentendido que o cristianismo em sua natureza é estranho ao Estado, logo, que o Deus cristão também o é.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Diálogos Zine nº 01



Diálogos Zine



Sim, eu produzi um Zine.

Um zine cristão e subversivo.

Não é muito bom, mas deve servir para alguma coisa: se não para sua inteligência, concerteza para lhe tirar algumas noites de sono ou então lhe fazer dormir profundamente. Talvez você mude de fé, talvez a fé mude você, ou então não tenha mais fé alguma. As consequências são imprevisíveis e a responsabilidade é totalmente sua.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

O Pecado Mora ao Lado

Como de costume eu estava andando.

Pelas ruas de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro. Nova Iguaçu? O lugar não importa.

Sou paralizado por uma cena inusitada, para não dizer incômoda e até revoltante: um imenso templo evangélico divide uma de suas paredes com um prostíbulo. Para alguns algo chocante. De certa forma a ironia da cena provocou em mim um leve sorriso no rosto, pois é inevitável que visões desse tipo não deixem de ser hilárias. Literalmente o pecado está morando ao lado, e fico imaginando o quanto seria embaraçoso para muitos senhores pais de família e cristãos honestos serem empurrados por suas esposas carrancudas, para irem o mais depressa possível para o interior do templo, e terminado o culto para suas casas. Para os mais burocráticos, isto constitui uma vantagem: sempre se inicia a liturgia na hora certa, e uma vez ou outra é capaz de terminar mais cedo. É vergonhoso afirmar que estamos com medo do diabo. Talvez porque estamos do lado dele.

O templo é imenso, a "casa" porém é pequena, mas persiste. Sinal de que de um lado ou de outro daquela parede, ambos estão fazendo a mesma coisa, porém como concorrentes. Acontece que um sabe disso (e por isso sempre sai ganhando) e o outro talves ainda não.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

“Tomai e Comei o Pão. Este é o Meu Corpo”

Sempre há algo novo a se falar sobre o sacrifício de Jesus e a memória que trazemos sobre este gesto incondicional de amor. O rito eucarístico comove o meu interior, preenchendo-o de profunda gratidão, e ao mesmo tempo constrangendo o meu espírito a uma terrível inquietação sobre a necessidade de aperfeiçoar-me como cristão.

É comum a todo aquele que define a ceia como litúrgica, expressão de reverência e beleza pela presença do Senhor entre nós, fazer herdar para o rito e procedimentos litúrgicos um rigor que se aproxima de mera encenação militar. É comum também àqueles que definem este mesmo rito como sacro (santo) tenderem a reduzi-lo também como santificador, pela simples obediência a ordenança. Se esquecem que santificação é um exercício de aperfeiçoamento, e o que de fato santifica na ceia são os valores contidos neste ato solene quando porém praticados. Nós batistas fazemos da ceia um memorial e o nosso grande defeito é fazer desse memorial uma honrosa e pomposa homenagem saudosista. Sim, a ceia é um memorial, e nos lembramos do sacrifício de Jesus Cristo a fim de explorarmos a variedade de seus significados para a vida e perpetuação da igreja, desse modo ela também é sacramental à medida em que possui valores para a nossa santificação e é litúrgica pois expressa reverência a presença de Cristo.

Tomai e comei deste pão, que desce do céu e é partido por vós. Este mesmo pão que é o corpo de Cristo. Que é símbolo da igreja. Curioso observar que o pão, símbolo do corpo martirizado de Cristo, também é símbolo da igreja, porque o Corpo de Cristo é a igreja. Ao se alimentar do pão, o fiel expressa assim a sua unidade no corpo e a sua comunhão com os demais cristãos. O pão é um símbolo de fraternidade. Todavia este mesmo pão do céu é partido, humilhado e crucificado. Este mesmo corpo é perseguido. Mas a unidade prevalece.

Estejam unidos e vocês mudarão o mundo, mesmo diante da dor e do sofrimento. Mesmo diante de um mundo injusto e cruel. Tomai e comei o pão é um convite para a doação. É um convite para a morte, mas também para a ressurreição.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Prefácio ao Livro " Utopia de Jesus Cristo: Uma Introdução à Teologia Marginal".

Sim, eu já tenho pronto um novo livro. Antes mesmo de lançar "Diálogos". Não se trata de nenhum exagero meu, mas sim resultado da oportunidade de ressuscitar antigos projetos. E ele está muito bem prefaciado, pelo grande amigo Silas Fiorotti, mestrando em ciências sociais pelo Benett de São Paulo. Elogia e critica, fruto de sinceridade e liberdade.

Por enquanto, por estar ás voltas com "Diálogos", lançaremos "Utopia de Jesus Cristo" no ano que vem, mas desde já, deixo o prefácio do meu amigo a fim de apreciarem o que estará por vir...





Um pouco de ar fresco
(por Silas Fiorotti )


Há teologia boa e há teologia ruim - talvez só mais um dualismo simplista. Enquanto a segunda pretende responder tudo, a primeira deixa-nos com mais dúvidas. Infelizmente não há teologia totalmente boa, mas o contrário nem sempre se confirma. Dito isto, saibam que eu acabei descobrindo que o pior professor de teologia que eu já tive, que dava aula de Hermenêutica, foi o que adotou um daqueles manuais de interpretação bíblica e disse que eu deveria seguir todas as instruções contidas nele. Até hoje eu me pego seguindo inconscientemente aquele manual fajuto, assim como eu me pego reproduzindo algumas baboseiras que eu já ouvi dentro dos templos evangélicos. Eu nem precisei ir muito longe para aprender que existem diversos tipos de interpretação bíblica. A teologia boa sabe que não precisa simplificar as coisas, porque até mesmo o Espírito Santo veio para “confundir o mundo” (cf. Jo 16.8 - TEB).

O meu amigo Diogo Santana segue o legado de provocações de Kierkegaard, por isso não trata-se de um manual de teologia que pretende responder tudo. Nas próximas páginas o leitor será provocado. Há quem ficará escandalizado com as tensões e crises apresentadas. Alguma ruptura torna-se necessária e os estabelecidos não suportarão. Os mais puristas questionarão as ambiguidades e simultaneidades. Talvez ninguém engula tudo, mesmo sendo um simples livreto. Eu sei que ele cometeu uma ou outra leviandade - falando sobre a identidade cristã abordou superficialmente temas como o pensamento de Tolstoi, a homossexualidade, o aborto, a(s) teologia(s) da libertação etc, talvez até mesmo reproduzindo algum ranço evangélico sem se dar conta. O mais importante é que o Diogo Santana é um autor marginal - de certa forma ele não precisa responder as demandas de nenhuma instituição, não está preocupado com o status quo, pode lançar seus insights sem muita sistematização ou rigor metodológico, não precisa ser totalmente coerente, pode citar comentários de amigos que foram retirados de páginas pessoais e de relacionamento, não precisa seguir as normas dos trabalhos acadêmicos, mesmo tendo um bom referencial teórico.

Só mesmo um autor marginal para enxergar as convergências da anarquia com a tradição profética hebraica e o cristianismo neotestamentário. Não quer dizer que agora encontramos a verdade absoluta, apesar dos avanços ela sempre estará encoberta. Jacques Ellul já disse: “Não é possível ver a verdade. ‘O sol e a morte não podem ser olhados de frente’; fórmula moderna e laicizada do ‘É impossível ver a Deus’” (Jacques Ellul in A palavra humilhada. São Paulo: Paulinas, 1984, p. 230). No entanto, nesse momento de recrudescimento dos fundamentalismos no seio do cristianismo institucional e da renovação das alianças deste último com o Estado, com o ingresso maciço de religiosos no poder legislativo defendendo apenas interesses institucionais, a recorrente criminalização dos movimentos sociais etc, toda ênfase libertária traz um pouco de ar fresco para a teologia.