†Jo. 8.1-11.
Deixar-se vencer pelo amor, não resistir a
ele. Não o amor transitório de paixões, fundado em benefício próprio e satisfação
pessoal, fruto secreto de uma profunda carência emotiva que impulsiona
desesperadamente a lançar-se diante de braços estranhos, indiferentes, mas sim,
o amor que vai ao encontro do outro, lhe reconhece, lhe identifica diante de
Deus, amor que identifica criador e criatura. Que promove um encontro. E assim
foi entre Jesus e uma mulher apanhada em adultério.
Tal relato se encontra precisamente entre dois
grandes discursos de Jesus: um sobre sua pessoa (Jo. 7.10-53) e outro sobre sua
missão (Jo. 8.12- 59). Jesus participa da festa dos tabernáculos, uma festa
cerimonial judaica de uma semana cujo fim era lembrar ao povo o tempo em que
seus ancestrais ainda viviam em tendas quando peregrinavam no deserto depois do
êxodo. Nessa festa Jesus discursa sobre sua identidade. Contudo, inserido neste
discurso estão severas críticas ao modo de administração da lei feita pelos
sacerdotes, assim como, o modo como interpretam a lei e os procedimentos
utilizados sobre ela para exercerem qualquer tipo de julgamento, dentre eles,
sobre quem era Jesus. Isso é interpretado pelos escribas e fariseus como um
tipo de provocação, procurando por isso a todo custo, matá-lo.
Terminada a festa Jesus resolve passar a noite
no monte das oliveiras em
oração. Antes do nascer do sol se dirige ao templo e começa a
ensinar. É exatamente nesse momento de cansaço físico e mental que os
principais da sinagoga lhe resolvem testar – uma clara resposta ao discurso de
Jesus feito um dia antes. Baseados nas afirmações de Jesus sobre como interpretam
a lei, trazem em sua presença uma mulher apanhada em adultério. Alheia
a tais embates entre Jesus e os principais da Sinagoga, ela é simplesmente
usada como um meio para condenar Jesus à morte. Morrendo Jesus ela também
morreria. Entretanto, conseguindo livrar-se da armadilha, a mulher também seria
preservada com vida. Ironicamente a vida dela estava nas mãos de Jesus, não dos
seus algozes. Nesses momentos de tensão, onde Deus, incompreendido, parece ser
um tirano cruel, onde não conseguimos enxergar tão longe a fim de compreender
seus desígnos, Isaías nos ensina que quando nossa cegueira espiritual (que pode
ou não ser oriunda de um pecado) nos impede de enxergar o mesmo que Deus,
devemos apenas estender as mãos e deixar-nos guiar por ele (Is.45. 1-5).
E, pondo-a no meio, disseram-lhe:
Mestre, esta mulher foi apanhada, no próprio ato adulterando, e na lei nos
mandou Moisés que as tais sejam apedrejadas. Tu pois que dizes?. Isto diziam
eles, tentando-o, para que tivessem de que o acusar ... (vv.5-6).
Por um momento Jesus se calou. Escrevia na
terra. Depois de uma pausa, Cristo responde a provocação com a já clássica
afirmação:
... Aquele que dentre vós está sem pecado seja
o primeiro que atire pedra contra ela (v.7).
Todos são iguais à mulher adúltera. Condená-la
seria reconhecer em si mesmo a necessidade de punição, e por isso mesmo, de
morte. Todos se retiram, maculados pelos seus próprios pecados e consciências,
e por isso, continuam pecadores, condenados pela justiça de Deus, mortos. Estão
conformados com as suas vidas. Só a mulher permanece com Jesus. E por isso ela
é perdoada. Um pecador quando diante de Cristo possui apenas a escolha de
renunciar a Cristo ou os seus pecados. Por isso a recomendação de Jesus à
mulher: Vai-te, e não peques mais (v.11).
Como julgar uma
pessoa livre? Nem mesmo Cristo Julga. Martin Heidegger certa vez escreveu que
apenas nos definimos quando morremos. É por essa razão que o julgamento de
Jesus é escatológico, onde separará bodes de ovelhas. Para o Judaísmo do primeiro
século a lei definia moralmente os indivíduos em bons ou maus, em santos e
pecadores, em salvos e condenados. Com a corrupção da lei feita pelos
sacerdotes, a lei somente poderia ter uma aplicação válida quando administrada
pelo seu próprio autor: Cristo julga! E perdoa. Renuncia a lei? Apenas ensina a
sua função: humanizar o homem, isto é, coloca-lo diante de seu criador.
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