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sábado, 21 de abril de 2012

Mensagem à Cristandade


À Igreja Batista de Vila Norma,
Ao Corpo Diaconal,
Ao Pastor Paulo Rodrigues Lima.


S
audações em Cristo!
Minha ausência tem motivado uma série de suposições, dentre os quais se tornou evidente algum esclarecimento a respeito. Reconheço que ultimamente, o desânimo é a principal causa de tal ausência. Desejo aqui, tornarem públicas muitas inquietações que visam esclarecer essa questão. Serei o menos teológico possível, pois não tenho a intenção em desenvolver um debate, contudo, às vezes isso será inevitável e tedioso. Por outro lado, simultaneamente, farei uma retrospectiva sobre minha presença entre os irmãos e sobre como os acontecimentos presentes estão vinculados, direta ou indiretamente a eles. Por favor, peço que não tenham conclusões precipitadas antes do fim desta carta, que em essência deve ser compreendida como uma convicção particular da fé cristã, algo necessário a qualquer cristão[1]

Gostaria de evidenciar, o que estou passando de forma alguma se relaciona a uma “crise de fé”, pelo menos na forma como entenderíamos o termo de maneira convencional. Crises desse tipo são oriundas da constatação sincera de que existe um abismo tão grande entre Cristo e a cultura (nossa forma enquanto povo, de entender a realidade a partir das ciências, filosofias, religiões ou qualquer outro paradigma dominante) que ou Cristo é uma mentira cultural (sendo por isso parte da cultura, relativo e “inventado” socialmente) ou é a cultura que se trata de uma mentira espiritual (2ª Co. 4.4). A cultura consiste no esforço humano em conhecer a verdade. Sendo a cultura uma mentira, nosso esforço em chegar à verdade é enganoso e inútil. A verdade não pode vir de nós, vem de fora. Jesus Cristo se torna a verdade quando tomamos consciência que todo o resto (isto é, o que está fora de Jesus Cristo) é uma mentira.
Esse tipo de constatação, quando ausente de outras convicções pode acalmar a consciência de muitos cristãos imaturos, contudo, levando-os à intolerância no que se refere a cultura (sobre isso desejo abordar posteriormente). 

Esse tipo de crise entre fé e cultura afetou-me quando eu tinha apenas quinze anos. Fui educado como um assembléiano zeloso, moralista, e acima de tudo, vendo Deus como um ser de tendências punitivas (ideologia oriunda de uma hierarquia religiosa autoritária e manipuladora). Tal tendência, aliada ao meu temperamento introspectivo, tímido e cortez, assim como a convivência com um pai extremamente regulador, que vivia da censura ao meu comportamento enquanto cristão (fundada basicamente numa exigência cada vez maior de obediência cega, mesmo quando equivocada, a sua autoridade) produziram em mim uma melancolia cada vez mais intensa e depressiva. Era comum nesses dias eu me trancar no banheiro (único lugar possível para se ficar sozinho numa casa sempre cheia) e ficar horas às lágrimas ao lado de uma bíblia, a fim de obter alguma palavra de consolo. Curioso era perceber que nesses momentos de lágrimas secretas (pois nunca gostei de chorar em público, apenas em raríssimos casos inevitáveis), sentia que poderia me dirigir a Deus sem reserva alguma, diferente do que acontecia na igreja, onde era preciso manter certa formalidade. Em cerca ocasião,na época, uma senhora muito idosa procurou-me após o culto e disse: “Você será um grande pastor, mas sofrerá muito pelo Cristo que você serve”. Se ela apenas tivesse dito metade do que disse, é muito provável que hoje, eu teria abandonado o evangelho. 

A consciência de que seguir a Jesus é sofrer por ele tem me acompanhado de forma clara desde então. Como conseqüência, não consigo deixar de crer em Jesus Cristo, embora muitas vezes, secretamente eu deseje isso. Não se trata porém, de uma simples concepção intelectual. Sou prisioneiro de Deus, tal como Jeremias (profeta a quem me identifico intensamente desde a infância), contudo, não sei dizer, se entre outros prisioneiros de Deus eu poderia me comparar a Bonhoeffer. Os presbiterianos definem essa experiência de “prisão” como a própria evidência da predestinação,entretanto, pessoalmente, não tenho interesse nesses assuntos. Enquanto minha fé permanece inabalável, é como se Deus reconhecesse que não há a mínima necessidade para que se manifeste objetivamente.  Todavia, é nos momentos de dúvida,  onde é preciso uma decisão, que Deus se manifesta, colocando em dúvida, não a minha fé, mas a minha própria incredulidade. Hoje reconheço em minha primeira crise de fé, o impulso para que buscasse uma comunidade cristã culturalmente mais maleável, onde a cultura da bíblia estivesse separada da verdade da bíblia, e onde esta verdade estivesse próxima da minha cultura. Esse foi o impulso existencial para que eu me tornasse batista, recendo as bênçãos de minha mãe ao tomar tal decisão. Todas as outras justificativas foram construções elaboradas ao longo do tempo.  

Fazer da Igreja Batista de Vila Norma a “Igreja da Família” é bem sugestivo, mas pouco original: não é por acaso que boa parte da membresia seja constituída por famílias. Outro fator importante é notar que muitas dessas famílias são formadas dentro da igreja. Em meu coração, não pude deixar de concluir que existe um propósito divino para isso, e que esse propósito consiste justamente no fato de que Deus os quer ali. De que cada indivíduo não poderia estar em lugar melhor para o seu crescimento pessoal. Contudo, esse propósito do indivíduo na comunidade somente testifica-se com a formação de sua família nessa mesma comunidade. Por essa razão, creio que o único lugar onde Deus exige de mim que cresça, consiste onde constituirei minha família. Não creio ser a Igreja Batista de Vila Norma esse lugar. 

Mas, e se de fato, o que Deus exige de mim é a solidão? Em mim não se trata de uma indagação recente. A solidão constitui um peso que me acompanha desde a infância. A princípio, através de uma personalidade melancólica e introspectiva. Esse tipo de temperamento motivou em mim a criação de um mundo interior, responsável inclusive por inferir em mim seriedade a respeito da minha fé. Contudo, se interiormente há um mundo inteiro, exteriormente não havia absolutamente nada. Não havia profundidade em meus relacionamentos sociais. Como conseqüência, ao longo do tempo, produzi uma distância não-intencional com as pessoas, que normalmente correspondiam com desprezo e indiferença. Para os mais religiosos essa distância poderia apenas ser interpretada como um tipo de santidade monástica (produto de nossa herança puritana e farisaica, tal como o sacerdote da parábola que evita o homem estirado à beira do caminho a fim manter sua aparente incorruptibilidade) ou para as jovens cristãs solteiras, poderia ser facilmente interpretado como insosso, incapaz de manter um relacionamento amoroso. A parábola do bom samaritano convenceu-me particularmente da urgência em construir um universo exterior onde existam pessoas e eu não esteja sozinho no universo. Para muitas jovens cristãs a “santidade monástica” (no sentido positivo que ofereço ao termo, meu espírito introspectivo) é incompatível com a possibilidade de uma vida amorosa. Onde se leva em consideração a aparência (a vida amorosa dos jovens) eu permaneço uma incógnita (por ser introspectivo e sem aparência desejável). Durante muito tempo isto constituiu uma dor, hoje, desesperançado quanto a tal possibilidade (pois infelizmente, na prática, um jovem mulher cristã, possui os mesmos métodos para avaliar um pretendente que qualquer outra jovem mulher, ou seja, sem qualquer critério cristão) me dedico à crítica a tais valores corrompidos, sem contudo, apelar à moralismos. 

Contudo, e se de fato, o que Deus exige de mim seja a solidão? O celibato de muitos profetas não foi um dom, foi uma imposição divina, justamente porque no futuro, eles seriam mártires. Não deixando no mundo uma viúva e filhos órfãos. Se Deus me exige a solidão, igualmente me exige o martírio. É por isso que o celibato institucional constitui uma meia verdade. Não leva a sério às conseqüências dessa escolha. Se Deus, de fato, me exige a solidão, não haveria qualquer igreja em que me sentiria pleno, realizando o que de fato nasci para fazer. Nesse caso, Deus exigiria de mim mais do que uma congregação local me exigiria. A apatia torna-se, portanto, por conta da presente imobilidade, inevitável. 

A tarefa do teólogo, diferente da tarefa pastoral, não consiste em justificar o status quo do cristianismo institucional. Sua preocupação é, a partir de um permanente questionamento, entender para onde estamos indo com a igreja. A tarefa do teólogo é crítica, do ministro porém, dogmática. O teólogo preocupa-se com o cristianismo em sua dimensão global, o ministro porém, situa-se na escala reduzida da igreja local. O teólogo preocupa-se com a relação crítica entre fé e cultura, o ministro, por ser dogmático, moraliza (engessa) essa relação. O teólogo preocupa-se com a fé das pessoas (ortodoxia), o ministro deve preocupar-se com as pessoas da fé. O problema é quando ministros querem ser teólogos e teólogos ministros. Ministros preocupam-se com uma igreja local, teólogos, com uma denominação inteira ou com a cristandade de forma genérica, e para sobreviver, são professores e escritores, em suma, vivem na academia. Teólogos são pregadores eventuais, ministros porém, são teólogos ocasionais. Embora eu me destaque na pregação, creio que em outras áreas como ministro eu seria um desastre. 

Gosto de pregar, contudo, a constância na rotina homilética, empobrece o pensamento do pregador e por isso, também o sermão, o que é inevitável. Escrevendo, pude expressar sentimentos a ouvintes que não existiam, e até hoje não sei se existem. A ausência de uma rotina homilética torna o sermão sempre mais estimulante. Deixando claro que o sermão não é a mesma coisa que a palavra de Deus. O sermão consiste numa exposição a respeito da relação que a palavra de Deus (que é Cristo) mantêm com um ambiente histórico-cultural específico.  

Condenei-me à solidão. Desisti de qualquer expectativa quanto uma futura vida amorosa. O que isso significa? Significa que estou livre. Mas a liberdade é uma dor, não um prazer. É assumir a completa responsabilidade por si mesmo. Deixe-me ser explícito: a vida amorosa me compromete com a vida de outra pessoa (mulher e filhos), de maneira que, arriscar à vida é comprometer nesse risco outras pessoas. É preciso, portanto, aprender a medir palavras e ações. Sozinho, comprometo-me apenas a mim mesmo, com minhas palavras e ações. Eu sou livre para ousar, contestar, para agir. Não é por acaso que muitos profetas celibatários (como João Batista) eram excessivamente duros no discurso. 

Com o aumento do número de cristãos nominais, ações evangelísticas serão cada vez menos necessárias. Num futuro não muito distante, passaremos a brigar por membros de outras igrejas; demonizaremos outras igrejas e divinizaremos a nossa. Essa é uma tendência natural de um país cada vez mais evangélico, onde todos se consideram cristãos. Seguindo essa tendência “evangelística”, no futuro, acabaremos por destruir uns aos outros, pois o referencial de “ganhar almas” será substituído (por todos já considerarem-se cristãos) por “quem realmente está salvo”. Esse tipo de problema já está entre nós, e se agravando com o tempo. A igreja evangélica é um circo e muito embora a IBVN não esteja no centro das atenções, no picadeiro, participa, de forma passiva e pacífica, da platéia. 

Não consigo ler o Novo Testamento sem no mínimo ser invadido por uma profunda tristeza. A distância de valores entre a igreja contemporânea e a igreja do Novo Testamento é gritante. Esse tipo de constatação é razoável enquanto mera concepção intelectual estéril, entretanto, quando essa concepção torna-se cada vez mais agressiva, percebo tratar-se de que Deus, pessoalmente, tem me exigido uma reação. Não se trata porém de um ato heróico, pelo contrário, não é possível obedecer a Deus sem a incompreensão dos homens. Não é possível obedecer a Deus com o reconhecimento das pessoas. 

O que fazer? À medida que tais indagações se intensificam em meu interior, sinto-me grande demais, com pouco espaço disponível, comprimido dentro da instituição cristã, por outro lado, do lado de fora, sinto-me completamente insignificante. Mas em ambos os lados, irrelevante, inútil tal como sou. Esse impasse, naturalmente, tem me levado a imobilidade. Vinho novo não pode encher odres velhos, pois os odres se romperiam. Sabemos disso. A cristandade está envelhecida, pois, muito embora Cristo seja o convidado de honra de nossos cultos, não é mais ele quem ministra. Sinto medo, pois há tanta coisa em meu coração que sinto poder destruir, sem intenção, meio mundo. Uma parte de mim deseja ir em frente, sabendo que muita gente se sentirá incomodada, magoada, afrontada com isso, outra parte simplesmente deseja permanecer onde está, do jeito que está e não incomodar ninguém. 

O horror que muitos cristãos podem ter ao ler esta carta apenas torna evidente que minhas palavras, assim como tudo o que já escrevi anteriormente, não constitui de simples poesia, mas que reside nelas uma seriedade que até aqui, sinto serem ignoradas. Agradeço muito à Talita Pinho pela lembrança freqüente aos meus eventuais sermões. Isso faz muita diferença pra mim. 

Esta não é uma carta feita por um rebelde. Rebeldes procuram justificarem-se a si mesmos como solução para um tipo de problema. Rebeldes costumam justificarem-se como corretos e os outros como equivocados. A palavra de Deus, que é Cristo (e somente ele) é correta, eu não. Estou inserido no erro, faço parte dele. No erro de até aqui ter de me esquivar de responder com ações, a radicalidade do evangelho que consiste em deixar tudo e seguir a Jesus. Caríssimos, não podemos viver duas vezes. Ou se vive o evangelho ou simplesmente não se vive. Queremos inventar um meio termo que chamamos hoje de igreja evangélica. 

Minha intenção com esta carta, através de uma exposição muito sincera, foi tentar esclarecer para mim mesmo e para outras pessoas, como minha compreensão da fé cristã não pode ser separada da minha vida, e como uma responde constantemente à outra. Cheguei a um nível de compreensão que exige de mim uma reação, e não a simples observação dos acontecimentos. Não sei dizer se isso implica um rompimento. Em caso positivo, a questão já está resolvida, se não, mudanças terão de ser feitas e de maneira drástica. Em breve, enviarei um texto curto com algumas sugestões.

Em Cristo,
Diogo Santana.


[1]  O que quero dizer explicitamente é como entendo o cristianismo pessoalmente e como essa visão do   evangelho e do cristianismo como tal, desenvolveu minha visão de mundo. Todo cristão precisa ter esse tipo de consciência, pois cada um responderá por si mesmo a Deus. Sendo assim, o padrão sempre é pessoal, não o de outrem. Serei julgado pelo que eu acredito, não pelo  que o outro acredita ou porque acredito porque o outro acredita.  Muitos cristãos quando conscientes dessa necessidade caem no desespero, pois descobrem que efetivamente não possuem uma concepção pessoal sobre nada. Essa é uma das urgências que pretendo tratar neste texto.

sábado, 14 de abril de 2012

Pósfácio de "Fé e Anarquia"


*Texto antigo, que escrevi para o meu primeiro livro em 2006. Hoje, não carrego muitos dos sentimentos que nutria na época, contudo, esses escritos motivam um profunda saudade de quem um dia eu fui. 

A vida é uma dor... a maior de todas as dores, tão intensa que chega a deixar de doer, é só por isso que muitos homens ainda conseguem rir. Se eu fosse correspondido pelos sorrisos que dou, pelas palavras de ânimo que saem da minha boca, mesmo quando em mim não há ânimo algum, e principalmente pelo que eu sou jamais eu poderia dizer: “a vida é uma dor..." Tenho tantas dores no meu coração... Nunca cheguei a ser amado por uma mulher, eu sempre fui tímido no amor e para piorar, nunca correspondi ao sonho de beleza de nenhuma jovem, me pareço muito com o patinho feio...estou destinado a viver só...quem conseguiria resistir com as minhas dores? Quem continuaria a querer viver? Eu já não vivo... Não existe em mim qualquer ideal de felicidade, já não aspiro nada de hoje ou de amanhã, para mim só me resta a obrigação de suportar cada dia por vez...e isso é só o começo : tenho uma fama muito peculiar : eu sou o inútil, o desgraçado, a praga e etc...eu sempre estive muito próximo da escória, eu sou o enfermo e a doença.

Como é bonito ver os sorrisos das mulheres, todavia, eles me fazem chorar, porque eu sei que nenhum deles foram dados a mim.Quem ama o corpo ama a morte porque o corpo morre, quem ama o mundo ama a morte, porque o mundo morre. Como eu poderia ver então beleza no mundo? Recentemente algo quase me fez chorar: uma mulher me disse que eu dei sentido a vida dela, entretanto ela está tão longe de mim... minha relação com as mulheres é uma ironia.Sei que uma mulher não é tudo, mas inserida nesse “tudo” existe ums mulher. Se pareço muito trágico em minhas palavras, saibam que minhas palavras só demonstram o que eu vivo, e do que jamais eu posso escapar, falo de uma forma trágica porque minha existência é uma tragédia.

Perdi secretamente o gosto pelos elogios, não os suporto mais, mesmo os que são ditos verdadeiramente por um bom coração. Eu perdi a esperança em mim mesmo e não sou digno de pena, só espero não viver para sempre com meus pais. A coisa que eu mais anseio agora é a solidão, porque a solidão me quer, talvez a minha angústia aumente. Eu não sei o que me espera daqui a dez minutos, sendo assim, o que seriam dez minutos? Dez minutos seriam nada... O que será da minha vida daqui a dez anos? Eu nada sei sobre a minha vida... eu só sei que ela é um nada. O que há então para comemorar? Absolutamente nada,  porque nada é a vida que vocês comemoram hoje...

Sou grato a muitos amigos, meu aniversário de dezenove anos demonstrou que sou querido por aqueles que na ocasião nem me conheciam direito, todavia, o difícil é achar alguém que chore comigo... parte dessa ausência é culpa minha. Com quem eu já chorei? Eu mereço chorar sozinho. Não acredito mais nos castigos de Deus: a idéia de castigo sempre esteve em mim vinculada ao conceito de se sofrer uma pena sendo inocente; só Jesus foi castigado, eu por outro lado sou sempre o culpado. Toda a alegria de mais uma primavera amanhã vai passar, tudo retornará ao normal, tudo será para mim, triste como antes. Me censurem os teólogos e todos os que e consideram cristãos. Quem é capaz de censurar as lamentações de Jeremias? Quem é capaz de censurar as lamentações de Jó (Jó 30)? Quem é capaz de censurar as lágrimas angustiantes do cristo no monte das oliveiras? Quem é capaz de censurar-lhe o seu “... Eloi, Eloi, lama sabactâni?”? Se eu choro e lamento quem é capaz de me censurar? Não espero compreensão, só Deus é capaz de me compreender, um Deus que eu e nem ninguém pode ver. Me aproximo então da loucura. Quem poderia  justificar o ato de Abraão em sacrificar o seu próprio filho Isaque, para um Deus que ele não via? Ninguém podia justificar Abraão a não ser o próprio Deus, um Deus que nem o próprio Abraão via. Quanta loucura em Abraão! Uma loucura do tamanho da sua fé.

Não sei o que me espera amanhã, mas que o amanhã seja algo que me espere que eu possa alcançar, e se eu não puder alcançar, que minha mensagem tenha o poder de fazê-lo por mim, mas também para todo aquele que se sente como eu. As pessoas me observam e eu odeio isso, algumas para ter razões para me censurar, me chamar de pecador, de condenado ao inferno, outros para me admirar. Quantas mães já me quiseram apresentar para suas filhas! Quantas mães já me tornaram um modelo ideal para seus filhos! Cheguei à conclusão de que eu não sou nem um santo nem um pecador, eu sou ambos, eu sou um paradoxo. Como você me vê? Não há alternativa para essa pergunta: eu não posso ser definido, só Deus me define, mas quem já viu o Deus? Definir-me pertence a Deus e a mim, a mais ninguém. Diante de Deus todos os homens estão sós, e eu também, só o que me resta nessa vida é a solidão, não só a mim, mas a todos os homens.

O que me resta? Sou um nada que é só, um nada que é só nada, e assim eu sou eu mesmo. Não posso escapar de ser a mim mesmo, não posso escapar de condenar toda a futilidade do mundo e das pessoas reduzidas às coisas.Aos olhos do mundo Deus me fez cair sozinho, para que aos olhos do mundo eu pudesse sozinho me levantar. Deus me fez cair, como seu vaso eu fui novamente reduzido a nada, para que do nada Deus pudesse me levantar. Eu não sou uma coisa, eu não sou um objeto, mas muitos me querem assim, e se eu faço objeção a isso, tenho a facilidade de magoar. Prefiro então me isolar em mim mesmo. Quem é Diogo? A língua latina me diz que sou inteligente, gentil e educado, mas também me diz que é um dos nomes medievais atribuídos ao diabo. Os gregos com seu didaticus dizem que sou didático, dado ao ensino. A gentileza, a educação e a inteligência também podem servir como instrumento de manipulação do mal através do ensino, o mal manipula através do que o manipulado acredita como bom. A bondade jamais manipula, ela é liberdade, por isso é sempre considerada pelo manipulado como uma coisa ruim. A dor que eu sinto diante da vida nada mais é do que o sintoma da minha própria metamorfose, do demônio que Deus quer reabilitar a anjo de luz. Os demônios do inferno não sentem essa dor da vida, por isso eles jamais podem ser por Deus reabilitados. A metamorfose é uma dor necessária a todo homem, e se é necessária, que os homens me deixem com a minha dor. 
           
A vida é uma dor... mas a dor redime e nos transforma em algo mais duro, impenetrável. Não sou nenhum sádico ou masoquista em dizer isso: se a vida é uma dor e a dor redime, a vida é em ultima instância redenção. Eu vivo e na minha vida eu sofro e me redimo, eu sou redimido enquanto vivo a minha dor. Só Deus me define, só Deus me justifica, só Deus me redime. Deus me redime pela dor, uma dor que é minha e que permanece em mim, permanece porque nela Deus visa em mim algo maior, ser aquilo que nasci para ser, para qual Deus determinou e que ainda não cheguei a ser. Alcançar a redenção é superar a dor, é alcançar aquilo que comumente se entende por felicidade, mas se a vida é uma dor, a felicidade noutro modo não está na vida, ou no que se entende vulgarmente como tal, a felicidade está na superação da vida. Não entendo o termo superação como um “estar além”, estar além da vida significa uma meta da vida. Superação da vida é uma super - ação, é uma plenitude de vida e plenitude não está no viver aqui e agora, pois o aqui e o agora é só vida, é dor, a plenitude está em sempre viver, sem aqui e sem agora, a plenitude da vida é uma vida eterna, a plenitude da vida é a eternidade, e a eternidade é a redenção, é a felicidade, liberdade do julgo escravizador do tempo.

As palavras eloqüentes permanecem vazias para aqueles que não as entendem, todavia, não há um homem sequer que não possa compreender que a vida é uma dor, e que por isso também possa compreender que sua redenção está nessa dor, superando assim a vida, na eternidade. Enquanto vivo a vida do aqui e agora com meus fúteis vinte anos, olho para frente e anseio ardentemente a eternidade, e isso, enquanto vivo, já é uma nova dor. Cristo com sua morte e ressurreição, com seu sangue sua dor me ofereceu a eternidade, e para recebê-la aceitei um compromisso: tenho que compartilhar com cristo o meu sangue e a minha dor também, eu tenho que aprender a compartilhar uma cruz, os cravos, as lágrimas, só para depois aprender a compartilhar o pão. É necessário sentirmos as dores do mundo para que possamos cuidar dele melhor. Essa é a vida que eu quero e se ainda não a tenho ainda, que minha dor permaneça até que eu alcance a redenção em Cristo Jesus.      .

“Já estou crucificado, todavia, ainda não chegou o meu momento de render o espírito, agonizo então na minha cruz...”... porque o amor é forte como a morte.." Já dizia Salomão nos seus cânticos à filha de Faraó, só é capaz de amar aquele que é capaz de morrer, Deus só nos ama porque morreu por nós, e a intensidade do seu amor está no tipo de morte que sofreu...o amor está na dor e a intensidade do mesmo está no tipo de morte que se sofre...Deus me fez morrer para poder amar de uma forma que eu mesmo não conhecia, Deus me fez morrer para amar até a morte...Amar até a morte significa amar em todas as circunstâncias, mesmo quando não se é amado...eu já estou morto, entretanto, Deus requer de mim amor. Amar é um desafio mortal, se estou pronto para tanto eu não sei, só o que me cabe em toda a minha solidão e dor diante do mundo e da vida é diante de Deus dizer : " eis -me aqui..."

Toda a minha indignação contra a minha própria existência, suscitava em meu interior questões que eu mesmo não podia responder: Porque eu sofro assim? Porque tudo aquilo que durante anos eu planejei e construí para mim se desmorona assim tão fácil em segundos? Quando mais ninguém podia me dar uma resposta, Deus assim o fez, no silêncio: “No princípio criou Deus os céus e a terra." Assim nos diz o gênesis. Eu nada crio, só Deus cria, porque só se pode criar do nada. Deus cria do nada, e eu me pergunto: O que eu me tornei? Tornei-me absolutamente nada... É a partir desse nada que Deus resolve criar, do nada que sou eu, mas eu nem sempre fui um nada, eu tive sonhos, projetos para mim mesmo, todos ao longo do tempo foram destruídos, e sei que o foram pelo próprio Deus, a fim de que pelo nada que sou, Deus se manifeste como o meu criador. “... Eis que faço novas todas às coisas..." Assim diz o senhor Jesus no apocalipse, tudo isso me ensinou que todo grande fim é o sinal de um novo começo, e que toda destruição é sempre a construção de uma coisa nova, e é isso o que eu sou.

“Era uma vez um patinho feio...”. O que me chama a atenção nessa pequena história infantil é que ela já começa com um equívoco do seu narrador, equívoco que no fim acaba sendo corrigido por ele: o patinho feio não era um patinho, mas um filhote de cisne, coisa que o narrador somente irá revelar no final da história. O equívoco está quando o narrador começa a história dizendo: “Era uma vez um patinho feio...”. Isso significa que o narrador conta a história à medida que participa dela, o narrador está inserido na história vivendo-a. Tudo gira um torno do patinho feio, todavia, nós que já conhecemos o final da história sabemos que o patinho não é patinho, é por isso que ele era feio, a feiúra está em ser visto como algo que não se é. Ver o filhote de cisne, sem saber que é cisne é julgá-lo como sendo a aberração de qualquer outra coisa, menos ele mesmo, ou seja, o feio de qualquer outra coisa, menos de cisne. O patinho era tanto um patinho quanto feio por que era visto como tal, além disso, o próprio patinho se via como feio e como patinho, daí o seu sofrimento diante das rejeições que era vítima, pois para que ele fosse aceito pelo grupo, ele tinha que ser tanto um patinho quanto bonito, como sempre o Eros é o vínculo. O patinho desconhecia quem de fato ele era, assim como desconhecia também todos aqueles que o observavam, sendo assim, não havia por parte do patinho, referência alguma para se interpor ao julgamento dos outros, logo, somente lhe cabia aceitar e acreditar que era um patinho e que era feio.

Tal como o patinho da história, me vejo sem referência alguma sobre mim mesmo, ficando a mercê do julgamento dos outros, da forma como os outros me vêem, e sei que sou visto por eles como um patinho feio. A única coisa que tal julgamento do mundo me diz para mim mesmo é que eu não sou um patinho e muito menos feio, eu ainda não sei o que eu sou, mas sei que qualquer julgamento sobre mim é falso, seja ele a favor ou contra. O que eu sou ainda está para ser manifestado pelo tempo, tal como o patinho no final da história que se revela um cisne, o único problema é que na vida real o final da vida social é sempre a morte. A minha morte revelará quem eu sou. Sendo assim, o silêncio seria o melhor, porque o silêncio nega qualquer valor, mesmo aqueles que causaram profunda alegria no meu coração. Passei a ter medo da alegria, da espontaneidade, já que minhas tristezas são as que mais estão próximas de mim, eu já me acostumei as lágrimas, os meus sorrisos me parecem desconfiados, como se algo de muito ruim estivesse sempre me espreitando, a fim de me surpreender na minha alegria, sem que eu esteja preparado. Minhas tristezas me preparam para o mal me dando seriedade suficiente sobre todas as coisas, e nessa seriedade eu sou sozinho. A solidão é a condição do homem que trata a sua existência no mundo com a mais profunda seriedade, isso porque nenhum homem, pelo menos a maioria que conheci, nunca costuma tratar a sua existência com seriedade suficiente para ser só, se preocupando sempre em casar, ter filhos, um bom emprego, enfim, estar na sociedade da melhor maneira possível, assim o homem se perde entre os outros, se tornando uma coisa qualquer, sem nome na multidão de outros tantos como ele, em suma, ele deixa de existir. Vejo a solidão como o primeiro passo para a existência, pois nela o homem não pode fugir de si mesmo, não foi fácil para mim aprender isso, todavia, o importante é que aprendi, o que me coloca um pouco acima da história do patinho feio, pois ele ainda acreditava naquilo que os outros diziam sobre ele, eu porém, perdi a confiança nos outros, e isso me fez compreender coisas em mim que eu nem sequer pensava que estavam lá, dentro do meu ser, na minha própria existência que é só.

A solidão que atinge a profetas e anjos esconde um segredo: Todo anjo é um profeta e todo profeta é só. Mas porque isso? Pensemos nas mulheres: elas são o maior exemplo de solidão em determinadas circunstâncias. A revolução feminista trouxe uma grande autonomia  para a mulher diante do regime machista e patriarcal a que estavam inseridas. A mulher se tornou livre para trabalhar, estudar, ter ou não ter filhos, e por fim, as mulheres ficaram livres de nós homens, pensem nas conseqüências dessa liberdade: as mulheres que conseguiram se emancipar dos homens e que conseguiram revolucionar a sociedade nessa emancipação, se tornaram mulheres muito sozinhas na época patriarcal em que viviam. Que homem iria querer uma mulher como essa em casa? Que homem gostaria de ser desafiado pela “fragilidade feminina”? Todas as grandes sindicalistas, grevistas e ativistas políticas eram mulheres sozinhas, isso me levou a conclusão de que uma mulher casada jamais pode vir a ser uma feminista. Feminismo não é para mulher casada, mas sim para a mulher que trata a sua existência com seriedade, logo, que é sozinha. Pensemos também nos homens: todos os grandes intelectuais, cientistas, filósofos e grandes revolucionários políticos, eram pessoas sozinhas, e da mesma maneira como nas mulheres, a revolução estava com eles. Machismo não é para homem casado, mas sim, para um homem que trata a sua existência com seriedade, logo, que é sozinho. A solidão do profeta é a grande responsável pelos grandes acontecimentos de ordem social no mundo, o que precisamos saber é em por que nome o profeta profetiza. O mundo muda cada vez mais rápido à medida que as pessoas se tornam cada vez mais sozinhas. A solidão me dá o poder da revolução, a solidão que Deus me dá e que por ela me faz profetizar, todavia, somente pode revolucionar aquele que ainda não se acostumou com o destino de ser só, aquele que se angustia com o seu destino de revolucionar.

A angústia manifesta em mima seriedade que eu preciso ter diante da minha própria existência, isso porque requer uma escolha: requer que eu permaneça como patinho feio que sou ou que assuma em mim o desconhecido, algo que ainda serei que nega o patinho e o feio que dele é oriundo, me tornando um mistério. Em mim essa angústia tem estreitas relações com o amor, digo o amor a uma mulher: sempre estou as voltas entre o amor e a solidão, não sei até quando e quanto eu posso suportar. O amor é o veneno da solidão. Mas quem pode suportar a solidão? Quem pode suportar não amar? O amor é a solidão que não se pode suportar, sendo assim, para o filósofo ele é um grande dano. Somente o que me cabe é a solidão. Amando, cheguei a deixar de pensar, de escrever, e de ser eu mesmo com a intensidade de antes, uma mulher nega em mim toda a intensidade do que eu sou, o amor a uma mulher falsifica uma parte de mim para tornar a outra parte verdadeira, todavia, somente percebo isso quando não tenho o meu amor correspondido. Para o filósofo a mulher amada é como vinho ou como qualquer bebida forte que inebria, que engana, as outras mulheres são simplesmente mulheres, e como tais, são mais sinceras que o vinho da mulher amada, a mulher amada é a causa de toda a sonolência que me rodeava, por outro lado a minha fé é toda a minha insônia, ela não me deixa dormir, Deus não me deixa dormir.

Descobri em mim a razão de muitos sentimentos que em meu interior estavam timidamente ocultos, escondidos: a minha aversão a crianças se deve ao fato de ter muito pouco de infantil em mim, o que me favorece um inteiro comprometimento com os homens do presente, não do futuro. As vezes acho que o fato de se ter um filho seja cômico para os próprios pais, quantas críticas eu já ouvi contra a juventude, nos acusando de sermos utópicos, sonhadores que sonham um futuro cheio de felicidades e oportunidades, pois bem, o troco contra essa argumento está no nascimento de uma criança: os pais transferem para seus filhos a responsabilidade que outrora era deles de serem úteis para Deus no mundo. E isso não é ser utópico também? A fantasia não somente permeia a juventude que sonha para frente, mas também os mais velhos, que quando não são como os jovens, sonham para trás, como se o passado dessas vítimas de si mesmos fosse o resquício de uma hospedagem no paraíso durante alguns dias. Ter um filhos nos dias de hoje é abster-se do compromisso de enfrentar as mazelas da contemporaneidade, transferindo tal responsabilidade para seus filhos, que por fim estes, a sua maneira não farão coisa alguma pelo mundo onde estão inseridos. Ter um filhos hoje é tanto uma crueldade para com a criança, como também para o mundo, porque é transferida implicitamente para a inocência de uma criança uma responsabilidade que nem mesmo seus pais tiveram. Um filho somente dever ser feito a partir do momento em que um homem inicia a sua caminhada para a morte, e nem sempre nessas circunstâncias, o melhor hoje é não faze-lo porque o mundo também está morrendo. O instinto maternal é no mundo contemporâneo mais um ato de crueldade do que de amor, a mulher hoje que segue o seu instinto maternal (não que o instinto seja ruim, mas que este tenha se tornado ruim) se torna muito próxima da Pandora grega. A cura para a crueldade do materno está no próprio filho , que sendo inocente de toda essa tirania do maternal que se corrompe, deve se entregar à solidão e nessa solidão ele se responsabiliza com o presente. A minha solidão me dá um compromisso com o presente.

Minhas conclusões podem me favorecer muitos opositores, eu já estou acostumado com isso. Eu sou inimigo do mundo, isso não significa que eu sou inimigo das pessoas, mas sim, das culturas onde elas estão inseridas. Não há uma cultura que seja verdadeira, somente o indivíduo pode se relacionar com a verdade, e ele somente pode se relacionar com a verdade quando rompe com toda a cultura que o envolve. Somente serei levado a sério pelos meus críticos, somente serei considerado cristão por todo aquele que me odeia. Posso parecer cínico, hipócrita e contra a instituição familiar, não o sou, sou apenas contra uma instituição familiar deficiente que um ou mais integrantes desse tipo de círculo é inibido de sua identidade e até mesmo de sua relação com Deus por meio de uma pseudo-hierarquia dentro da família. A minha família me dá portas para entrar e pedras para tombar e cair. Eu sou contra a cultura que me cerca, porque eu sei que para ela eu sempre serei um patinho feio, esse foi todo o meu impulso para o existencialismo, sempre percebi em mim, desde pequeno, uma grande distância com tudo o que me cerca, com o mundo ao meu redor. Sempre fui tímido nas minhas relações sociais, e foi exatamente por causa dessa timidez que desde cedo fui alvo de muitos olhares para aqueles que me consideravam um mistério, motivo de riso e chacota para aqueles que me consideravam ultrapassado e um grande conspirador para aqueles que achavam que por trás da minha aparência, estaria algo maior, pronto para surpreender os outros. A verdade é que a minha timidez me faz, para todo aquele que me observa, ser uma grande incógnita, algo indefinido que não se sabe se é bom ou mal, por isso, um grande paradoxo. A sociedade não gosta de paradoxos pois estes podem destruí-la ou fortalece-la, eu escolhi destruir para fortalecer. A sociedade gosta de conceitos, de bom e mal, de certo e errado, eu às vezes estou acima disso tudo.

Eu sempre estive num combate permanente com o mundo que me rodeia, todavia, não sei explicar o porquê ainda estou de pé, o motivo pelo qual ainda não me deixei vencer, é um paradoxo que eu mesmo não consigo compreender, e não me interessa compreender. Um dia eu verei toda a raça se dobrar diante de Cristo e nesse dia eu irei chorar porque eu também me dobrarei. 

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Citação - Bonhoeffer



“... a essência do cristianismo não é a respeito de religião alguma, mas sobre a pessoa de Cristo. Ele {Bonhoeffer} expandiu o tema aprendido com Karl Barth, a idéia que ocuparia sua mente por anos, de que a religião era algo morto, criado pelo homem, e que o âmago do cristianismo era o seu oposto total – ou seja, o próprio Deus vivo. “Historicamente falando”, disse, “Cristo não deu qualquer descrição ética que já não pudesse ser encontrada na literatura pagã ou com os rabinos judeus de seu tempo”. 

Extraído do livro “Bonhoeffer: pastor, mártir, profeta, espião” da Editora Mundo Cristão.

domingo, 8 de abril de 2012

Citação "G.K. Chesterton"


"Quando se anunciou a evolução científica, houve quem temesse que ela estimulasse a mera animalidade. Fez pior: estimulou a mera espiritualidade. Ela ensinou os homens a pensar que, se eles estavam ultrapassando o macaco, estavam caminhando para o anjo. Mas você pode ultrapassar o macaco e ir para o diabo" (G.K.Chesterton em Ortodoxia).

quinta-feira, 5 de abril de 2012

"Absinto" - Concepção Filosófica da Ficção


Porque o Reino de Deus se manifesta justamente com a chegada da vida eterna? Justamente porque o reino dos homens somente pode subsistir com a permanência da morte, da violência e da injustiça. O eterno e o temporal são elementos característicos que distinguem e identificam o humano e o divino, e enquanto essa heterogeneidade, essa distância persistir, o divino sempre será objeto de veneração e almejo do homem (seja do ponto de vista ontológico, psicológico, social, político e etc.). Constituirá portanto, parte de sua história. Construirá a sua história. Um Deus eterno sempre fará parte da história de um homem limitado pelo tempo. Constitui-se portanto, de uma mútua carência: o homem procura Deus através de seu anseio pela eternidade e Deus procura o homem através de seu anseio pelo tempo, que para o homem é concreto (regulador da vida e da morte, no desenvolvimento e decadência das sociedades e etc.). Esse é um dos sentidos fundamentais da encarnação: Deus se torna homem, mergulha no tempo, afim de que todo homem tenha a oportunidade de mergulhar na eternidade. Esse é o sinal de inauguração do Reino de Deus em Cristo Jesus. Todavia, esse é uma ato realizado pelo próprio Deus, solapando assim todo projeto humano de autonomia. Deus se impõe ao homem, mesmo em amor.

O que significaria vida eterna? O cristianismo se destaca de todas as religiões justamente porque confere à eternidade presente do homem (alcançada mediante a fé) a consciência de que isto significa uma mudança radical de valores. Em outra palavras, ensina que a conduta do homem é naturalmente tendenciosa ao horizonte da finitude. O destino da morte (como aniquilamento total da existência ou incerteza quanto ao futuro pós-morte) constitui a conduta de homens irresponsáveis e omissos aos problemas do mundo e de suas comunidades e mais interessados em sua satisfação pessoal. Conduta típica da maioria. Por outro lado, o cristianismo oferece a vida eterna e insiste entre seus adeptos a pensarem como se vivessem eternamente, mesmo tendo em vista a realidade passageira da morte de sua limitação ao corpo.    

Absinto, embora uma ficção, procura realizar uma reflexão sobre o trajeto de retorno nesse processo, o passo inverso. Procura entender o secularismo, cujo projeto de autonomia, se realizaria de maneira plena a partir da conquista humana da imortalidade. Em sua radicalidade, a “morte de Deus” nietzscheniana é um projeto provisoriamente fracassado. Uma sociedade onde Deus esteja realmente “morto”, onde os homens estejam alheios a qualquer espécie de esperança metafísica, somente ganha sentido com a imortalidade do homem. Dessa maneira, nossa maneira de compreender a civilização mudaria drasticamente.

Sem a morte a violência se tornaria uma forma de diversão. Algo não muito diferente dos nossos dias, mas concerteza, algo bem mais intenso. Declaradamente sarcástico e masoquista. Sem a morte o sexo de igual modo se destinaria apenas para diversão, entretanto, não como uma norma cultural, mas jurídica. O crescente aumento da natalidade extinguiria rapidamente os recursos naturais da terra. Rendendo-se ao divertimento, nossos hábitos sexuais também seriam profundamente alterados, o corpo ganharia uma acentuada valorização, e a busca desenfreada pela satisfação dos sentidos um motivo para guerras. Nasce a partir daí, um novo homem, e por isso, uma nova forma de sociedade e civilização.

Entretanto, o super-homem nietzscheniano não surge apenas da vitória do humano sobre o divino através do roubo de fogo dos deuses, a imortalidade. Não se trata apenas de vencer o divino e a morte, mas também de esquece-lo. Se nossa civilização fora construída a partir da encarnação de Deus na história ocidental, isso produz uma lembrança histórica que torna o divino uma realidade impossível de ser aniquilada. Deus não estaria morto, mas seria transformado, ressuscitado, adaptado às novas circunstâncias. A morte nietzscheniana de Deus se estabeleceria num segundo momento com a aniquilação da memória metafísica. Um procedimento complexo, pois nos referimos ao divino como um conceito enraizado na memória social das civilizações. O grande mentor dessa memória consiste no nosso conceito linear de tempo. Esse mesmo conceito determina nossa forma de produzir, de pensar, de viver e de morrer na cultura ocidental. A morte nietzscheniana de Deus se processaria dessa maneira como um rompimento doloroso de uma civilização com todo o seu passado. Sem memória, tudo deveria ser incessantemente re-criado a cada dia, inclusive a consciência dos homens.

Planeta dos Macacos resgata a idéia de se estar num mundo completamente rompido com o seu passado. Os macacos na realidade são outra espécie de homens oriundas desse rompimento, dessa distância. Criando uma nova civilização, eles criaram um novo começo para o homem, uma nova memória, uma nova história, uma nova forma de contar o tempo. Cidade das Sombras, à sua maneira, também tenta explorar esse conceito. Apoiará toda a sua narrativa na proposta de que a memória é uma constante entre causas e efeitos, lineares ou circulares, determinando assim um conceito específico de temporalidade, logo, de história. Não há passado sem memória, e isso somente pode ser interrompido se o tempo (linear ou circular) deixar de ser uma constante – o que é naturalmente impensável se não alterarmos as leis da lógica e do bom senso. Dessa maneira, o filme irá reduzir a constante temporal o máximo possível (a fim de resguardar ao filme certa coerência lógica). Isso é bem expresso no filme quando os alienígenas apagam a memória dos moradores da cidade a cada noite e a re-programam para o dia seguinte, ou seja, a memória social (logo, a história) é mantida durante apenas todo o decurso do dia, sendo quebrada (perdendo assim sua seqüência lógica) entre um dia e outro. A cada dia uma nova história é contada, uma nova ordem lógica, uma nova memória.

O onírico representa bem essa nova maneira de compreender o tempo, sem ordem lógica e não histórica. O onírico é por si mesmo um mundo sem história, sem passado e sem futuro, sem memória. O filme Um Cão Andaluz de Luiz Bruñel e Salvador Dali, expressa bem esse tipo de universo. Fazendo uma ponte entre Nietzsche e Freud, fica fácil entender que o super-homem nietzscheniano é o próprio Dionísio, um homem ausente de repressões, senhor de sua vontade. Isso somente seria possível de maneira plena com a posse da eternidade. Um homem ausente de repressões é um homem ausente de culpa, logo, de memória também. 

O que seria entretanto, uma civilização dionisíaca, se levarmos em consideração, diferente dos gregos, nossa intensa produção tecnológica? Não existem respostas convincentes para uma questão como essa, entretanto, é possível arriscar. Arriscar fazendo ficção. É essa a proposta desse livro. 

No futuro, os homens vivos poderão viver para sempre ou planejar quando deseja morrer. A descoberta da imortalidade alterou nossa maneira de enxergarmos toda a civilização (o sexo como procriação se tornou um crime, a fim de se evitar a superpovoamento do planeta, todavia, é aceito como pura diversão, gerando as maiores bizarrices; sem a morte o homem não tem medo, não possui dilemas existenciais, todavia, extremamente violento, reinventado o conceito de violência, o aumento da violência gratuita acaba com a amizade e o amor; não há mais morte, contudo há dor, muita dor; sem a morte acreditar em Deus se torna desnecessário). O caso de João é excepcional, pois não se tem notícia, ou tecnologia para se fazer alguém morto a tanto tempo retornar à vida, a não ser através de clonagem. Contudo, clones não possuem a mesma memória da matriz.

O grande enigma do personagem central consiste no fato de que, com o controle de natalidade estagnado, todos os indivíduos são conhecidos por um sistema global. João aparece do nada. Acorda e anda errante num mundo totalmente estranho ao mundo que conhecia no passado. João é reconhecido como um corpo estranho pelo sistema, pois não tem uma origem, e dessa maneira não se sabe o seu fim. Não tem passado. Seu único vínculo com o passado é a sua memória. 

Ele então passa a ser ouvido. Sua memória não apenas expressa doces lembranças pessoais, mas o único registro de uma civilização que fora apagada da história. Interpretar o caso de nosso personagem como um milagre é constrangedor para o futuro. Nessa nova civilização, não há fé ou qualquer registro história das religiões e de Deus. Um mundo onde Deus não existe e por isso mesmo não possui história. O futuro é um mundo sem Deus, sem morte e sem classes (os políticos pensaram: se o poder da imortalidade pertencer apenas aos mais ricos, enquanto houver morte haverá fé em Deus. Alem, disso haverá por parte de uma classe ou outra a justificativa para se pregar eugenia). A partir daí ele conta a história de Deus. Ele se torna um profeta, e por isso mesmo, marginal. E como todo profeta, estabelecerá uma crise no futuro: a morte e ao colapso social.