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terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Prefácio de " O Eterno e o Transitório"

Prefácio do meu próximo livro " O Eterno e o Transitório " feito pelo me amigo Nahor:

Prefácio


“Sou reflexão do começo ao fim”. Com essa frase, o filósofo e teólogo dinamarquês Søren Kierkegaard se definiu. A pessoa que se pauta na reflexão vive não no mundo platônico das ideias, mas no mundo ideal que projeta os sonhos do cotidiano e as alegrias do ser vivente!

Principalmente a alegria do ser vivente, mas precisamente, do ser cristão, é que o jovem escritor Diogo Santana consegue perceber e sintetizar em palavras. Mas muitas vezes essa alegria é paradoxal, pois consegue ser vivida mesmo no escândalo e na cruz. Por isso, a escrita de Diogo não coloca apenas as alegrias de vivenciar o modo de viver o Cristianismo, mas as angústias, esperanças, conflitos e sacrifícios.
Na cruz resume-se grande parte da experiência cristã. Mas sua redenção não é completa se não acontece a ressurreição. E essa ressurreição foi a grande lição que o Mestre nos colocou: o poder dar a volta por cima, poder olhar adiante, o olhar da esperança.

Assim o escritor tem sua função: a função de ressuscitar as mentes e tirá-las do sepulcro e da escuridão da ignorância. Desvelar, como diz Heidegger.

E o desvelamento que Diogo fez foi através do seus blog’s Vigília da Noite e Diálogos. De algum tempo acompanho o desvelamento desse brilhante escritos, muitas vezes nos encontrando de fato pelas vigílias da noite nas redes sociais da internet para compartilhar sonhos, angústias, alegrias... enfim, a ressurreição!
Esta obra, intitulada O Eterno e o Transitório remonta ao paradoxo essencial que vivem todos os seres humanos, conscientes de sua existência finita mas que contemplam a projeção infinita. Muitos perceberam isso em sua existência e obra: Kierkegaard, João Paulo II, Hans Küng, Heidegger, e tantos outros que se dedicaram ao estudo do ser, sem de forma alguma esquecerem que a existência abarca uma totalidade na qual nossa consciência jamais compreende. Diogo Santana perfeitamente se encaixa nessa lista: seus textos, condensados em reflexões de fácil leitura, mostram como o paradoxo da eternidade se encaixa na transitoriedade.

Além do mais, Diogo utiliza a internet como sua grande ferramenta de divulgação de textos, dentro do formato do blog. É realmente um escritor contemporâneo, até mesmo pós-moderno. O uso da internet hoje é uma ferramenta indispensável; os livros tornaram-se mais preciosos a medida que nossa juventude busca futilidades e aliena-se facilmente com a rede mundial de computadores. Mas quem consegue romper o véu da obscuridade virtual, torna-se vencedor, por isso digo que Diogo vence todas as vezes que posta em seu blog.

Aos leitores, aproveitem todas as linhas que Diogo lhes presenteia. Em todas elas, coloca a paixão pelo escrever, pelo ser humano e por Deus. Não há grandes distinções nesses pontos para ele. Deus um dia foi humano e deixou belíssimas palavras que seus mais fiéis amigos colocaram nos papiros.
Hoje, Diogo torna-se um fiel amigo do Deus encarnado, Aquele que traz em si o grande paradoxo da eternidade e da transitoriedade. Torna-se também, um fiel amigo da humanidade, aquela que um dia o Eterno quis morar e nascer em um lugar frio e sujo, mas que com isso santificou toda a temporalidade. Hoje, Diogo torna-se nosso amigo, e que suas palavras possam ajudar claramente a desvelar essa grande e perigosa aventura que é a existência!

Nahor Lopes de Souza Junior
Professor
Itajaí, 31 de janeiro de 2012
Memória católica de João Bosco, padroeiro da juventude



sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Casa Grande e Senzala


Quem é o brasileiro? Pergunta-se Gilberto Freyre em seu clássico livro “Casa Grande e Senzala”. A belíssima edição da Global Editores (2006), com imagens do acervo da Fundação Gilberto Freyre e do Instituto de Estudos Brasileiros da USP, e prefácio de Fernando Henrique Cardoso, que durante todo o texto critica muito o livro do ponto de vista acadêmico e metodológico, mas o elogia como uma análise sentimental da sociedade patriarcal brasileira. Em tempos de globalização e expansão de mercados, e por isso, de fluidez cultural, uma pergunta como essa, torna-se difícil de ser respondida hoje, ou pelo menos, propicia algumas sérias dificuldades. É preciso recorrer à história do Brasil colonial (início de nossa formação social) a fim de encontrar nela, elementos que nos permitam definir antropologicamente.

O livro se estabelece como uma reconstrução histórica da vida privada dos primeiros habitantes do nosso país: alimentação, vestuário, educação dos filhos, religião e sexualidade, característica especificadamente a cada grupo racial fundador da colônia: portugueses, índios e negros. Propõe-se também a dissertar sobre como a miscigenação racial irá alterar esses costumes, anteriormente estratificados, determinando a formação de um povo completamente novo, isto é, o povo que somos hoje, que se caracteriza como uma síntese dialética entre povos originalmente antagônicos entre si.

O que mais simpatiza na obra, consiste justamente em que à medida que a lemos, nos encontramos nela, como nossos vícios e virtudes. Freyre não faz da dicotomia explorador x explorado um tipo de polarização moral, tal como o faz Galeano em As Veias Abertas da América Latina, numa luta perpétua entre exploradores maus e explorados inocentes e bons. Fugindo dessa intenção, muito em voga à época de lançamento do livro (década de 30) Freyre torna explícita a ambigüidade moral de cada ser humano. É a análise de tal ambigüidade, do ponto de vista antropológico, que torna a obra polêmica e até vítima de contestação.

Em muitos trechos do livro, Freyre se dedica a contestar o mito de inferioridade racial, inicialmente do índio, sucessivamente do negro e das miscigenações oriundas de tais raças (o mulato, o caboclo e etc.). Entretanto, defende que, o índio, por ser semi-nômade não poderia se adequar ao sedentarismo, economicamente expresso no regime escravocrata e patriarcal, determinando assim, sua impossibilidade física para o trabalho escravo. O negro por outro lado, se adaptou bem a tal economia, por serem (antes da escravidão) bons agricultores e criadores de gado.

A miscigenação é outro fator importante na obra de Freyre. O contingente de mulheres brancas era insuficiente para um ideal eugênico de raças estratificadas no Brasil. Em outras palavras, ainda que uma Portugal de mulheres colonizassem o Brasil, devido às características continentais do nosso país, a miscigenação não apenas havia se tornado inevitável como uma necessidade. Necessidade social e econômica, particularmente de mão de obra escrava. Outro mito contestado por Freyre é o de inferioridade moral do negro. A liberdade sexual nas senzalas, favorecendo a poligamia entre negros e o nascimento de filhos bastardos dos senhores de engenho, era um instrumento para o aumento do capital humano e da mão de obra escrava. Se alguém devia ser acusado de imoralidade, este seria o senhor de engenho!

 Quem é o brasileiro? Gilberto Freyre não apresenta uma definição simples. Não somos. Estamos ainda a nos fazer. Entretanto, é preciso conhecer como essa auto- formação é estabelecida. Em nossa natureza está firmada uma plasticidade, iniciada com a miscigenação racial e agora cultural, que para o autor só tende a ser benéfica. O que dos outros reside em nós, adaptamos de tal forma que se torna algo completamente novo. Nós somos um povo novo.

sábado, 7 de janeiro de 2012

As Veias Abertas da América Latina


Não há como negar: não há história sem sangue. A história da América Latina, do seu descobrimento até os dias de hoje consiste, pois, numa história coberta de sangue, de muito sangue. Todavia, cabe ressaltar, esse sangue pertence a homens e mulheres que entregaram suas vidas em sacrifício, sem ao menos deixarem, na maioria das vezes, o seu nome para as gerações futuras a fim de lhes gerar recordação, memória. A história da América Latina constitui portanto, a história do sacrifício de pessoas que sequer deixaram lembrança. E são eles, os índios na extração de ouro e prata nas jazidas, os negros, no cultivo da cana de açúcar e do café, o nordestino, na extração do látex nos seringais e os emigrantes, japoneses, italianos e etc. Pessoas. Que ontem, sorriam e choravam. Faziam festa e filosofavam. Hoje, são ossos soterrados sobre os nossos pés.

Alguém conta a história. Na maioria das vezes, são eles, os exploradores da mão de obra barata dos índios, dos negros, dos nordestinos, dos emigrantes. A partir dessa perspectiva, a história é sempre laureada de flores. Todavia, existe uma outra maneira de se contar essa história: a partir de quem sofre! Assim nasce a obra “As veias Abertas da América Latina” de Eduardo Galeano (LP&M, 2010). Sua intenção consiste justamente em demonstrar que “... o subdesenvolvimento latino-americano é uma conseqüência do desenvolvimento alheio, que nós latino-americanos somos pobres porque é rico o solo que pisamos e que os lugares privilegiados pela natureza foram amaldiçoados pela história. Nesse nosso mundo, mundo de centros poderosos e subúrbios submetidos, não há riqueza que pelo menos não seja suspeita” (Pag. 349). Em suma, não há riqueza que seja inocente.

O livro merece elogios e críticas. A começar pela edição da LP&M que a princípio não é muito boa. Possui vários erros ortográficos simples e de editoração quando envolve números, muito embora a capa e toda produção do livro tenha ficado excelente como um todo. Galeano não pretende ser um cientista. Não escreve como um cientista social ou acadêmico e chega a afirmar que essa não é sua intenção. Aproxima-se dos novelistas. A partir daí o texto ganha uma profunda ambigüidade. Galeano faz de sua obra uma novela sobre os fundamentos da desigualdade e da exploração na América Latina. Uma novela onde (como em qualquer outra) os personagens se dividem rigidamente em bons e inocentes (os povos latino-americanos) e maus e perversos (os conquistadores espanhóis e portugueses e atualmente os imperialistas americanos). Como nas novelas da TV. Entretanto, na vida real, onde envolvem homens de carne o ossos, e não simples personagens, homens totalmente bons ou maus não existem como também queria Rousseau. Esse paradoxo moral define a nossa natureza. As novelas portanto, não podem definir seres humanos. Essa é a importância da obra de Galeano. Em sua negatividade, a obra parte do conceito de que nós (opressores e oprimidos) não somos humanos, mas apenas personagens. Não possuímos concretamente uma vida real.

Essa forma rígida de nos enxergarmos como moralmente definidos define a exploração de uns sobre outros, e uma infinidade de outros conflitos. Gera um desnível entre os homens que em cada época é defendido pelo opressor como um desnível de cor, de inteligência e culturas e por último, por conta da globalização, um desnível econômico. Galeano se propõe a uma análise desse desnível econômico, e como novelista se utiliza de uma linguagem mais amena do que tantos especialistas no assunto. O que ele lamenta, assim como eu, é que muito embora o livro tenha sido escrito a quarenta anos atrás, ainda não perdeu sua atualidade.