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domingo, 30 de setembro de 2012

O Escritor e Sua Sombra



Navigare necesse, vivere non est necessere (Pompeu – General Romano)
Navegar é preciso,viver não é preciso (Petrarca)

Disseram que era ruim. Que não valia um centavo uma única linha do que escreveu. Que não tinha importância alguma para qualquer pessoa, desse tempo, ou ainda, do futuro. Que não teria um lugar na história. Pelo menos, na boa história.

Obstinado com a idéia fixa de que se tornaria um escritor de renome, senão pela qualidade, o seria pela quantidade. Escreve compulsivamente sobre tudo: desde as nuvens do céu aos homens da terra. Descrevendo, analisando, inventando. Experimentando na métrica, na rima, na melodia de cada frase, no enredo. Nada e suficiente. Precisa trabalhar mais. Deixa de comer para terminar romances. E de dormir também. Com o tempo, começa a definhar. O aspecto esquelético e as profundas olheiras lhe deixam um aspecto medonho, com a cara da morte. Os repentinos bloqueios criativos tornam-se cada vez mais freqüentes, e os acessos de fúria por causa disso também. Não tem amigos. Tem raiva e idealismo.

Agora, ele não é mais um mau escritor. É um escritor sem imagem, e as grandes editoras se recusam a publicá-lo por isso. – Mas escritores não devem ter imagem alguma!  – contestava. Não tem cara de quem escreve, de quem sequer foi adequadamente alfabetizado. É gago, tímido e está ficando velho. Percebe que o tempo está contra ele, lhe pressionando contra a parede. – “Há tantas coisas para se dizer em tão pouco tempo” – Escreve melancolicamente em seu diário.

Obstinado, escreve até mesmo quando não tem vontade, até mesmo sobre a falta de vontade em escrever, pois acredita que talvez apareça alguma coisa boa. Dores de cabeça constantes lhe forçam a procurar um médico. Tem um câncer terminal no cérebro. Começa a escrever um livro autobiográfico sobre a doença e a morte prematura. Não chegou a terminá-lo. Antes de morrer, exigiu a inscrição em seu atestado de óbito: “Causa da Morte: A literatura”[i].  



[i]  Nem só de literatura viverá o homem. Escrever é um prazer desinteressado, de amor. Contudo, qualquer arte, quando reduzida a simples instrumento para fama e dinheiro, pode se tornar letal. E isso não exclui bons literatos. A morte torna a arte indiferente ao artista, fazendo de valores como a fama serem totalmente ilusórios. 

sábado, 15 de setembro de 2012

Mensagem à Cristandade Nº 03




É a salvação um experiência individual ou coletiva?


Sabemos que nosso conhecimento a respeito de Jesus Cristo, nos é manifesto por intermédio de outras pessoas, inseridas numa cultura específica. Por outro lado, a experiência oriunda desse conhecimento, provocando em nós uma transformação interior, é de cunho inteiramente subjetivo, pessoal, de fé. A salvação portanto, constitui um processo dialético entre o subjetivo e o objetivo, entre o público e o privado, entre conhecimento e experiência de fé. Contudo, é comum entre as teologias vigentes, definirem “salvação” ora como um processo individual, ora coletivo[i]. De um lado, teologias de origem reformada, de outro, evangelicais (puritanas).

O puritanismo parte da concepção de que não é possível salvar-se sozinho, isto é, no contexto, de que não é possível salvar-se sem o intermédio de outras pessoas. A salvação é um processo feito em comunidade de maneira que a salvação individual constitui uma conseqüência da salvação coletiva. A salvação do outro constitui portanto uma necessidade, e por isso, uma obrigação. As conseqüências são inevitáveis: proselitismo, influência religiosa na política e na mídia. Enquanto processo comunitário, no âmbito individual a salvação constitui uma transformação do caráter social. É comum portanto, tais comunidades religiosas fazerem alusão entre seus membros a ex-drogados, ex- alcólatras, ex-bandidos e etc. A necessidade de fiscalização da moral alheia torna-se portanto, uma exigência. Mas quem fiscaliza isso? Tenho a certeza de que não é o evangelho e a consciência individual do fiel. E aqui reside todo o problema.

A inibição da consciência individual, constitui a imposição de uma consciência sobre ele e por isso, a anulação de sua responsabilidade. Esse tipo de postura, além de impor uma cultura hierárquico-autoritária, inibe o fiel de uma real aproximação com o texto bíblico. Estimula sua alienação, e por isso, seu anonimato espiritual. Como bem disse Soren Kierkegaard: “E, se tua vida não foi senão desespero, que pode então importar o resto! Vitórias ou derrotas, para ti tudo está perdido, a eternidade não te dá como seu, ela não te conheceu, ou, pior ainda, identificando-te, amarra-te ao teu eu, o teu eu de desespero”. Teu eu de nada.



[i]  Sendo assim, depois da morte, não é possível ir para a eternidade imediatamente. Existiria, nesta perspectiva um tempo de espera correspondente ao fim da história, a fim de possibilitar o julgamento de todos os homens. Possui portanto, uma índole escatológica.