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sábado, 29 de dezembro de 2012

Crítica Mortal


 Não se pode perdoar quem ao invés de Cervantes, James Joyce, Kafka, ou até mesmo Shakespeare, resolve desperdiçar seu tempo de vida lendo um livrinho medíocre daqueles. Nem mesmo se tal leitura fosse motivada por uma boa intenção. Uma crítica por exemplo. Uma pessoa assim sequer merece estar viva!

 Estava decidido. Extinguiria a má literatura do mundo. Seu sucesso como crítico literário havia lhe concedido o direito de julgar os bons e os maus. Separar o joio do trigo. Tanto de escritores quanto de leitores. E é por eles que ele resolve começar. Desses que gastam tempo e dinheiro com cultura inútil, o que inclui ficções regadas a sexo hard para senhoras idosas mau amadas, leitores obcecados pela cor cinza, guia de viagem para pessoas que sequer teriam condições para mudar de estado, quanto mais de país!, auto-ajuda para mulheres confusas quanto ao que vestir, guias do moda parisiense para brasileiras ( será que se esqueceram o calor daqui?). 

  Enviou dúzias de cartas a editores exigindo que fosse interrompida a publicação desse tipo de coisa. Cartas onde constavam pelo menos cem títulos que mereciam, com urgência, sair do mercado. Acompanhava uma extensa argumentação sobre a necessidade de rigor quanto ao exame e seleção de todo material recebido pelas editoras. 

 Nenhuma resposta. 

 Insatisfeito, começou a matar. A espreita de todo aquele com um livro ruim nas mãos: nas saídas do metrô, dos trens, ônibus e bancos. O método era sempre o mesmo: uma rápida conversa com a "vítima" a fim de averiguar sua cultura literária, um beco escuro, um corpo deixado no chão. Para chamar um pouco a atenção, assassinava periodicamente grupos específicos de leitores, de um mesmo livro, de um mesmo autor. 


 Numa tarde chuvosa o grande crítico literário apareceu morto num ponto de ônibus. O assassino descoberto também era um crítico, de críticos literários. 

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

" Coração de Pedra" de João Alexandre




Deus abandonou seus templos, despediu seus sacerdotes, deixou no altar os sacrifícios. Sim, ele se foi, mas não sem deixar aviso: estaria em outra casa, que ele mesmo criou com suas mãos. E diante desse sumiço, muito acreditaram até que ele havia ficado doente e até morrido. Não sabiam mais reconhecê-lo longe de toda pompa, e cerimonialismo. Mas não, confortavelmente estaria escondido, no coração das párias, dos loucos, do que como ele, esquecidos. 

O Deus que fez o mundo e tudo que nele há, sendo Senhor do céu e da terra, não habita em templos feitos por mãos de homens; 
Atos 17:24

Ateísmo e Liberdade



 Particularmente compreendo o ateísmo como camuflagem de um problema moral com a própria idéia de liberdade. A maioria dos ateus compreendem a figura de um Deus pessoal como um legislador moral. Como Dostoievski, entendem que "Se Deus não existisse tudo seria permitido". Acontece que é isso que se deseja, que tudo seja enfim permitido. Sejamos honestos: gostamos da liberdade, e tendemos sempre a reduzirmos ao máximo o número de nossas obrigações morais. Para muitos ateus, Deus constitui uma série de obrigações morais desnecessárias. Esse tipo de ateísmo limita-se a simples negação da idéia de Deus. Algo que precisa ser respeitado e aceito com cordialidade. O ateísmo sartriano é um exemplo disso. Contudo, para alguns ateus não basta apenas negar pessoalmente a crença numa deidade pessoal. É preciso opor-se a ela. Isso acontece por um motivo simples: porque gostamos da liberdade, mas não gostamos de algumas de suas conseqüências. Justificamos as más conseqüências de nossa liberdade como uma prova da impossibilidade da existência de Deus. Isso significa: gostar da liberdade, contudo, sem querer assumir as suas conseqüências. Esse é o perfil típico de qualquer anti-teísta, o que compreendo como desonestidade intelectual, justamente porque Deus é concebido como uma entidade por onde se procura justificar o mal.

Ora, se Deus não existe não há nenhum bem ou nenhum mal a se justificar nele. Toda iniciativa parte do homem, e isso ninguém, dos anti-teístas, deseja assumir, pois isso implica não apenas o conhecimento, a tecnologia, as vacinas, mas também a fome, as guerras, o capitalismo excludente. Alguns ateus necessitam de Deus para culpá-lo e por isso não desejam extirpá-lo do debate público, mas apenas de um tipo de discurso considerado razoável.

Se para muitos ateus, Deus constitui um problema moral, para muitos teístas, Deus constitui um dever para com a vida. É claro que há teístas que podem compreendem isso das mais diversas formas. Por influência de Kierkegaard compreendo que esse dever para com a vida se estabelece pela paixão. O sentido da vida se estabelece ai: aquele que encontrou o seu dever no mundo, encontrou a Deus, o sentido de sua vida. E isso acontece quando se encontra o motivo pelo qual se é capaz não só de se viver, mas também de morrer. Sabemos que para isso não se tem necessidade de ser um teísta confessional, e que por isso ateus podem ter encontrado Deus sem o saberem enquanto muitos cristãos não o encontraram ainda.

domingo, 23 de dezembro de 2012

O Natal é o Seu Avesso




Penso o natal como a manifestação do salvador do mundo na história e na manjedoura. Sim, na manjedoura! Num estábulo sujo e desconfortável. Sem as mínimas condições para um parto decente. Sim, penso que nessas condições, pela ordem natural das coisas, o natalício de Jesus poderia não ter acontecido. Que talvez Jesus não tivesse nascido. Que no máximo, a criança poderia ter chegado a poucos dias de vida. Mas nascendo mostrou-se já vencedor da morte! 

Mas há algo de mais surpreendente no natal: as crianças que hoje nascem nas mesmas condições, ou até piores. Esse é o natal: a lembrança que a história não é feita pelos que nascem em berços de ouro, mas na sarjeta. Sendo assim, não compreendo o natal como uma festa, o que para muitos seria o óbvio, mas um compromisso com a vida. Sabemos bem que o natal não é uma festa ao consumo próprio, mas justamente ao seu oposto, é uma festa á doação. Que o natal consiste justamente no seu avesso.  A maioria não progride nessa relação. Não doa. Não se doa.  

Mas há algo mais: lembrar-se de quem sofre não deve contentar-se a uma simples homenagem. É preciso ir em direção a eles. Como os reis magos que depositam a seus pés suas riquezas. E passando por esse teste, é impossível que eu não tenha vergonha de mim mesmo. Que eu compreenda que deixo a desejar, e muito. Sim, porque ainda não aprendi a ser um homem de benevolência, embora não me faltem exemplos.

Não sei em que você acredita: se em Deus ou no diabo. Se em anjos ou seres do espaço. Ou até mesmo se não acredita em nada disso. Se acredita na política, na revolução proletária, ou simplesmente deixa vida passar sem qualquer ideal. Ame e tudo estará resolvido. E isto significa: olhe menos para você e se importe com aquele que precisa da sua ajuda. Não espere nada em troca. Não cobre nada em troca. A vida é injusta porque as pessoas cobram de mais umas às outras.

Feliz Natal a todos!