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quinta-feira, 29 de julho de 2010

Traduções

Olá amigos leitores do blog,

Está em andamento o projeto de tradução de uma série de textos de Soren Kierkegaard, feitas por mim e alguns amigos. Em destaque cito:

* Escola do Cristianismo (a partir do texto francês)

* Ponto de Vista Explicativo da Minha Obra de Escritor (a partir do texto francês)

* A Era Presente (a partir do texto inglês)

* A Repetição (a partir do texto espanhol)

* Como Cristo Julga o Cristianismo Oficial? (a partir do texto espanhol)

* A Estética do Matrimônio (a partir do texto espanhol)

Aos estudiosos e admiradores do filósofo do paradoxo em breve novidades sobre as publicações dessas obras.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Pobreza e Dignidade

A paisagem urbana me fascina. Ela realmente me fascina. E me vicia. Por conta disso, adotei o costume de andar a pé, às vezes, longas distâncias. Só para olhar, para admirar a beleza que a velocidade nos rouba. Longas caminhas que às vezes são acompanhadas por belas reflexões. Uma irônica excentricidade: um anarquista que ama a cidade?

Quanta incoerência!

Será?

Sou uma bomba lançada contra o seu alvo. No momento certo, essa bomba explodirá.

Nos morros e nos becos pobres, nas ruas da periferia, o som ensurdecedor das massas. Curioso como a pobreza diminui a privacidade. É melhor então não tê-la, e não se envergonhar com a nudez, com a ausência de água tratada e sistema de esgoto. Andando pelos bairros nobres da zona sul a situação é bem diferente: a riqueza cria a privacidade, é o seu maior luxo. Com suas riquezas, criam imensas fortalezas silenciosas. Uma forma de se esconder vicissitudes, obscenidades, depravações e prazeres inconfessáveis. Não há diferença moral entre o rico e o pobre, a grande diferença consiste na oportunidade em que o rico possui de esconder o seu lado grotesco e expor o seu lado sublime, diferente do pobre, cujo lado sublime é ofuscado pelas condições grotescas que lhe são impostas em sua existência – pelos mais ricos.

A subjetividade é a única alternativa para quem perdeu toda a privacidade de seu exterior. Que se tornou nu diante da multidão e se sentiu humilhado e envergonhado por isso (pois existem aqueles que se acostumam com a nudez e fazem dela um instrumento para ganharem a vida, como aqueles que se prostituem ou pedem esmolas nos sinais). A subjetividade é o grande tesouro do pobre, é nela que investe sua religiosidade, particularmente na oração, e na petição do que aos seus olhos é o impossível. Jesus promete a vida eterna. Para o pobre isto significa conservar eternamente nele o que é digno. É tornar eterna a sua dignidade, porém, a dignidade do rico acaba com a sua vida e suas riquezas.

E eu continuo a andar a pé...

sexta-feira, 23 de julho de 2010

"Kierkegaard Escritor"

Eu, um bom escritor?

Passeando na internet encontrei esse texto onde deparei-me com o meu nome, e outros tantos da extinta Editora Corifeu, definidos como "novos talentos" da literatura. Será eu mesmo um talento? Segue o link do texto na íntegra.





Aparecido Raimundo de Souza (O Encantador de sonhos)







(...)



Todavia, apesar dos pesares, nem todos pensam assim. No meio dessa cambada de oportunistas da pior espécie, encontramos alguém que ainda pensa em estar do outro lado da porta, de braços abertos, à espera, para dar as boas vindas ao escrevinhador desconhecido. É o caso de Albert Paul Dahoui que, no intuito de “facilitar a vida de quem sonha em fazer livros e conquistar leitores”, abriu uma editora, no Rio de Janeiro, a Corifeu, que vem publicando, com regularidade, uma gama de novos talentos, como Dilson César Devides – 30 anos de Rock: Raul Seixas e a cultura brasileira de 1970 à contemporaneidade; Mário Alvim – Via Láctea; Gabriel Torres – Conspiração; Jurandir Araguaia – O Homem que não bebia cerveja; José Eduardo Stamato- Tempo de transformação; Angélica Borges – O Monge; Dy Lugon – Momentos; José Cornetta – A Construçao do ser; Julio Silva – Sonhos&Desejos; Antonio Valter Kuntz – Original Dewey; Diogo Santana – Fé e anarquia, Orlando J.D. Corrêa – Urrando no trecho e tantos outros.



(...)



Fonte: http://singrandohorizontes.wordpress.com/2010/02/28/

Entre Homens e Formigas

Curioso observar formigas, normalmente despercebidas diante do ritmo intenso que nos impõe o cotidiano. Havidas trabalhadoras e sempre em grupo, possuem uma organização hierárquica e corporativa invejável, tanto que alguns teóricos se inspiraram nelas (como também nas abelhas) a fim de criarem sistemas sociais perfeitos. Infelizmente não sou uma formiga. Infelizmente nenhum homem é. Existe uma enorme diferença entre ambas as naturezas: a identidade de uma formiga é determinada por sua funcionalidade no grupo, tanto que afastadas de seu corpo social, costumam morrer rapidamente. Uma formiga não possui uma alma porque sua alma é todo o formigueiro. Ter uma alma individual significa que não nascemos para o formigueiro, que somos diferentes dele, e até seus opositores naturais. Nisto consiste ser homem: significa seguir o caminho oposto ao da formiga. Um homem ao entrar no formigueiro corre sempre o risco de perder a alma, ganhando uma alma nova, uma alma morta.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

"Kierkegaard Escritor" no Rio de Janeiro


Breve estarei ministrando um curso sobre a vida e a obra de Soren Kierkegaard no Rio de Janeiro. O curso terá um mês de duração (uma aula por semana, num carga horária total de 16h). Para maiores informações e inscrições deixem algum comentário ou entrem em contato direto comigo pelo email: deltavolare@yahoo.com.br. Segue a descrição do curso:




Kierkegaard Escritor



1.0 – Descrição:

Homem de muitas facetas, algumas vezes opostas entre si, Soren Kierkegaard, teólogo e filósofo dinamarquês pode ser considerado como alguém que dedicou todos os seus esforços na compreensão de seus dilemas interiores, sejam eles amorosos, religiosos ou da cultura da sua época. Tornou sua vida, aparentemente simples e monótona, uma odisséia poética e dramática, complexa, dialética, mística. Com Shopenhauer e Nietzche estabeleceu as bases para o que futuramente se tornaria o existencialismo.

Através da análise de seu pensamento e suas obras, o curso terá como objetivo discorrer sobre seu processo criativo, contextualizando-o à uma reflexão da contemporaneidade.

2.0- Ementa:

a) “O homem que foi um enigma: breve biografia de Soren Kierkegaard”.

b) “Teatralidade e autenticidade: seus escritos e pseudônimos”.

c) Algumas características da dimensão literária de Soren Kierkegaard: subjetivismo e lirismo, o uso de pseudônimos como abordagem das dimensões existenciais e a ironia como instrumento de crítica à cultura. Leitura de trechos de alguns de seus escritos.

d) Exercício de criação textual. Comentários.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Venha "deixar-se vencer pelo amor"

Segue o Comentário que meu amigo Silas fez em seu blog "Disturbios Sociais" sobre minha visita a São Paulo e sobre o meu livro "Biografia Anônima".



O meu amigo Diogo Santana, carioca, é bacharel em Filosofia pela Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro e bacharelando em Teologia pelo Seminário Teológico Batista de Duque de Caxias (STBDC). É autor dos livros Fé e anarquia cristã (2007) e O Deus de carne: uma introdução à cristologia (2009a). Ele também escreveu um artigo intitulado O que é anarquismo cristão? – uma leitura de Tiago 4.4 (2010). E ainda edita dois blogs: o Vigília da Noite e o Diálogos.

Ano passado o Diogo esteve aqui em São Paulo lançando o livro O Deus de carne, foi também a oportunidade em que nos conhecemos. E essa semana ele visitou São Paulo novamente e pude apresentar alguns pontos da cidade a ele. Conversamos e caminhamos bastante pelo centro da cidade. Desde a estação da Luz, avenidas Ipiranga e São João, Teatro Municipal, Praça Ramos, Viaduto do Chá, Vale do Anhangabaú, Praça do Patriarca, Largo São Francisco, Praça da Sé, João Mendes, Liberdade, Vergueiro, avenida Paulista e rua Augusta. Ele teve a oportunidade de conhecer a Terra da Garoa com muita garoa e frio, e entre um café e outro colocamos os papos heréticos em dia.

O Diogo me presenteou com mais um livro de sua autoria: Biografia anônima (2009b). Trata-se de um pequeno romance, uma história fictícia. É a história do Pedro, mas talvez seja a do Diogo, a minha ou a de outras e outros cristãos. E o Diogo contou com a ajuda da obra de Kierkegaard para fazer diversas "reflexões sobre fé, moralidade, loucura e amor sintetizadas num contexto existencial de busca de identidade cristã" (p. 72).

É um convite maravilhoso para

"Deixar-se vencer pelo amor, não resistir a ele. Não o amor transitório das paixões, fundado em benefício próprio e satisfação pessoal, fruto secreto de uma profunda carência emotiva que impulsiona desesperadamente a lançar-se diante de braços estranhos, indiferentes, mas sim o amor que vai ao encontro do outro, lhe identifica diante de Deus, amor que identifica criador e criatura (lhe dá um nome)." (p. 72)


>> Referências bibliográficas:
SANTANA, D. (2007), Fé e anarquia cristã. Rio de Janeiro: Corifeu.
_____. (2009a), O Deus de carne: uma introdução a cristologia. Pará de Minas: Virtualbooks.
_____. (2009b), Biografia anônima. Rio de Janeiro: Corifeu. Veja também o vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=p3tQjk5g4XQ.
_____. (2010), O que é anarquismo cristão? – uma leitura de Tiago 4.4. In: Espiritualidade Libertária, São Paulo, n.1, 1. sem. 2010, pp. 408-437. Disponível na página: http://espiritualidadelibertaria.files.wordpress.com/2010/07/06_n1_santana.pdf.




Link "Distúrbios Sociais" : http://disturbiossociais.blogspot.com/2010/07/venha-deixar-se-vencer-pelo-amor.html.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Perdão, Ética e Economia

† LC 7.36-50

Curioso como a economia tem definido a ética das pessoas. Nossa maneira de se relacionar tem adquirido os contornos de saldos bancários. Tudo gira em torno da relação crédito-débito. A ofensa gratuita promove em nós o direito de ofender também. Compreendemos desse modo que existe um débito a ser pago pelo outro. Sempre com a mesma moeda. Se por outro lado recebemos por um ato desinteressado de benevolência, uma ajuda inesperada, sentimos que somos obrigados a ajudá-la também. Reconhecemos assim a existência de certo tipo de crédito.

Se na economia poder sempre significou crédito, na ética ele será definido como autoridade. O poder é autoridade, e sua ausência, como forma de débito, sempre será entendido como subordinação, obediência. Obediente ao credor é justamente aquele que deve. Curioso é reconhecer nessa ética as bases da formação das instituições, hierarquias e classes dentro do corpo social político. A classe inferior é obediente à classe superior por reconhecer nessa relação uma dívida que nunca é paga. O mesmo acontece com a noção de hierarquia. Obedientes à lei, reconhecemos em nossa relação com ela a existência de uma dívida a ser paga: o direito é o crédito da lei, o dever, o nosso débito com ela. O mesmo acontece em nossa relação com o Estado e a polícia.

Jesus perdoa o débito. Oferece-nos dessa maneira outra maneira de nos relacionarmos:

E respondendo, Jesus disse-lhe: Simão, uma coisa tenho a dizer-te. E ele disse: Dize-a, Mestre.Um certo credor tinha dois devedores: um devia-lhe quinhentos dinheiros, e outro cinqüenta.E, não tendo eles com que pagar, perdoou-lhes a ambos. Dize, pois, qual deles o amará mais?E Simão, respondendo, disse: Tenho para mim que é aquele a quem mais perdoou. E ele lhe disse: Julgaste bem.E, voltando-se para a mulher, disse a Simão: Vês tu esta mulher? Entrei em tua casa, e não me deste água para os pés; mas esta regou-me os pés com lágrimas, e mos enxugou com os seus cabelos.Não me deste ósculo, mas esta, desde que entrou, não tem cessado de me beijar os pés.Não me ungiste a cabeça com óleo, mas esta ungiu-me os pés com ungüento.Por isso te digo que os seus muitos pecados lhe são perdoados, porque muito amou; mas aquele a quem pouco é perdoado pouco ama.E disse-lhe a ela: Os teus pecados te são perdoados.E os que estavam à mesa começaram a dizer entre si: Quem é este, que até perdoa pecados?E disse à mulher: A tua fé te salvou; vai-te em paz (Lc.7.40-49).

A referência da ética de Jesus está no amor.

O amor nasce num coração perdoado. E por isso esse coração se torna perdoador. Ele não cria débitos. Mas também não cria créditos, pois não espera receber nada em troca. Sua relação é bem outra. Não se trata apenas de ter amor. Se trata de ser perdoado para amar. E é isso que Jesus nos oferece: perdão. Livre da dívida por meio de Cristo nossa maneira de nos relacionarmos muda. Ganhamos liberdade. Não existe seres parcialmente livres. Desse modo, a liberdade em Cristo não pode atingir apenas uma dimensão da existência, mas toda ela.

domingo, 11 de julho de 2010

Sobre Eternidade

Eternidade.

O Novo Testamento fala dela o tempo todo. É a grande promessa feita por Jesus. Contudo, me impressiona o quanto reverberamos essa palavra e a compreendemos tão pouco. Eternidade.Vida eterna. Sem começo e sem fim. Uma vida que simplesmente é, sem origem e destino, precisamente porque sua origem é o destino que encontrou. Retorno ao lar.

De certa forma uma coisa é certa: uma parte de nós irá morrer para sempre. E será ela, a mesma que tentamos descobrir durante toda a nossa vida. Da mesma maneira, uma outra parte de nós será eterna. E essa não sabemos ainda qual é. A vida continua um mistério, e embora pareça que nada tem sentido, o que entendemos em parte, jamais nos dará a verdadeira idéia do que seja o todo. Sendo assim, se torna ridícula toda forma de certeza absoluta sobre o assunto. O que não significa falta de fé. Simplesmente expressa nossa falta de compreensão.

Talvez o que a bíblia esteja nos oferecendo seja uma outra forma de se compreender a eternidade. Ser eterno num mundo mortal é um castigo. Ser eterno num mundo imortal é uma benção. A bíblia nos promete viver para sempre, mas não com o mesmo corpo e com a mesma mente. Seria eu mesmo quem viveria ou um outro? Só em pensar algo assim, alguns homens seriam dominados por tamanho horror, que os motivaria a esquecerem, pelo menos provisoriamente sua condição espiritual. Outros porém, fariam de seu horror o motivo para uma preocupação obsessiva, pois ao prometer o nascimento de um homem novo, inevitavelmente promete também a morte eterna de um homem velho e decadente. O mesmo homem que somos agora.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Amor e Solidão

Sou um incorrigível romântico. Besta mesmo. Um idiota!

Do tipo ridículo e patético de escrever dezenas de músicas e centenas de poesias: todas sem êxito algum. Talvez eu seja um poeta ruim. As dúvidas são inúmeras. Talvez eu superestime a beleza feminina demais: os contornos dos olhos, da boca, das mãos, as curvas do corpo, mas o sorriso... É a maior das obras primas do criador.

Embora eu me veja cercado de amigos pelo fruto das minhas idéias, meu coração se sente abandonado, lançado ao acaso e solitário. Sendo assim, é comum e perfeitamente natural que eu oscile entre estados de euforia e tristeza. As vezes, sentir-se só constitui um bem tão profundo à alma que obsessivamente se torna um vício: do costume de jamais se deixar esvanecer pela vida, de estar em permanente procura de identidade, de sentido. Nesse ponto, a grande beatitude que nos proporciona a solidão é exatamente identidade. A vida em sociedade nos exige sempre que abdiquemos de alguma parte importante de nós, até que enfim não reste absolutamente mais nada. Um outro emerge dessa casca apodrecida e a domina. O grande benefício que reside na solidão é a luta. Quem não abdica de si mesmo jamais se deixará dominar por força alguma. É por isso que todo aquele que escolheu a solidão comumente se torna tão reflexivo e crítico, o que alguns definiriam como distraído e rabugento. É esse o sentido tão profundo contido no mistério do celibato.

Entretanto, de excesso de solidão o corpo também reclama. Isso porque corpos não se dão muito bem com a solidão de certas almas. Uma outra luta começa, e às vezes sinto que não tenho forças suficientes que me permitam vencer, e de fato eu não venço. Uma profunda tristeza e melancolia dominam o meu interior. Nessas circunstâncias é comum que eu me pergunte: Será que realmente o amor existe? Digo, o amor entre dois seres humanos falhos e carentes que desejam preservarem-se mutuamente até a morte? Não é possível que eu tenha sido o único em todo o universo e gerações que me precederam, que tenha experimentado tamanha necessidade. É doloroso demais. E se eu não sou o único, porque em nenhum momento eu pude ser correspondido? Talvez Deus me queira só. E todo aquele que Deus condena com a solidão, condena também com o martírio. Oferta o seu sangue. Como os profetas.

Penso que a mulher perfeita seria aquela que diante da complexidade da vida, tornaria com um sorriso tudo simples. Que nos meus dias mais tenebrosos, onde a paisagem se torna uma confusa mistura de tons de cinza, seu sorriso iluminaria e daria cor à vida. Posso até estar exagerando um pouco as coisas, mas exagero nunca será o mesmo que dizer uma mentira.

Sobre o Sentido da Secularização

† Mt.27.27-66.

O credo niceno define a identidade de Jesus, tal como atestada no testemunho apostólico, como “verdadeiro Deus e verdadeiro homem”. Em outras palavras, de que Jesus define tanto quem Deus é, como quem é o homem. Sendo assim, a teologia, enquanto diálogo crítico, ora tenso, entre Deus e o homem, não pode se realizar sem a mediação de Jesus Cristo. Sem Cristo, Deus permanece obscurecido e sua identidade fadada ao anonimato, e desse modo, esquecido ou reduzido a uma infinidade de personas. De igual modo, sem Cristo o homem se torna anônimo para Deus.

Ao definir Jesus como verdadeiro Deus e verdadeiro homem, o credo niceno afirma também que existe uma proximidade paradoxal entre o humano e o divino. Enquanto proximidade assume a tarefa de conciliação. Deus enquanto criador do homem é o seu fundamento. Ausente do seu criador, a criatura não tem sentido. Essa proximidade indica a presença de Deus na vida concreta do homem. Da mesma maneira como indica a presença do homem na vida concreta de Deus como participante do seu reino.

A experiência da cruz estabelece uma experiência de morte de tal ambigüidade ensinada pelo credo. A crucificação de Jesus expressa em primeira instância que Deus é crucificado pelo mundo. Que Deus é morto. Inaugura todo o processo de secularização traduzidos por pensadores como Nietzsche e Marx, onde a cultura se torna irreligiosa e avessa a tal natureza. A crucificação de Jesus ao exprimir em gestos uma distância real entre Deus e o mundo, a partir da necessidade deste último de autonomia, sentencia também, a partir da ambigüidade do rosto de Cristo, uma real morte do homem. Morrendo Deus, morre também o homem. Não qualquer homem, mas tal como define o credo, o verdadeiro homem, aquele que Deus criou. Surge um novo homem: aquele que crucifica Deus.

Crucificado, Deus é marginalizado e condenado aos guetos da história, e por isso mesmo, próximo daqueles que foram excluídos pelos mesmos homens que suspenderam o filho de Deus no madeiro. Próximo daqueles que Jesus amava. Crucificado, o verdadeiro homem também é marginalizado e condenado pelo mundo. Falamos do pobre, do doente, do rejeitado e só.

Não devemos nos esquecer de quem crucifica. O mundo crucifica, e quando falamos em mundo, nos referimos a sociedade organizada ao fim de manter-se autônoma diante dos eventos naturais, controlando as forças da natureza e administrando os seus recursos de modo a beneficiar poucos ao custo da força de muitos. O mundo crucifica o divino, porque esta representa uma ameaça ao status quo. A cruz nada mais representa um instrumento de ataque, logo, de defesa de território, onde a sociedade exige a autonomia do material sobre o espiritual, da terra sobre o céu.

Mas porque Cristo é crucificado? Devemos compreender que para uma sociedade que possuía sua cultura enraizada na concepção de um Deus rancoroso e vingativo, fruto de manipulações políticas feitas por líderes religiosos opressores e cruéis, um Deus que perdoa gratuitamente parece uma agressão. O amor de Deus é tão intenso e profundo – daí a expressão joanina em Jo. 3.16: “.. de tal maneira..”-; que é agressivo. De imediato, os homens procuram uma forma de defesa, dentre elas, a cruz. A cruz é uma forma de defesa contra o amor em sua radicalidade.


Tudo retorna ao Édem. A cruz expressa uma vingança: expulso do paraíso divino, com a cruz são os homens quem expulsam o divino de seu "paraíso" humano. Eis o sentido do que hoje chamamos secularização.

domingo, 4 de julho de 2010

Ira, Justiça e Graça.

É natural ao folhearmos as páginas do Antigo Testamento, encontrarmos um Deus profundamente irado. Sendo assim, se torna comum encontrarmos em suas histórias uma grande quantidade de sangue. De muito sangue. Tanto que Marcião, um pensador gnóstico cristão, chegou a duvidar se o Deus do Antigo Testamento era o mesmo do Novo. E foi considerado herege por isso.

Porque Deus às vezes parece tão inflexível e indiferente diante das fraquezas e dos vícios dos homens? Por que Deus, diferente de nós, ainda acredita radicalmente no amor. Para alguns, uma grande incoerência, afinal, onde estaria então a sua justiça? É compreensível relacionarmos justiça à ira, particularmente a divina. Contudo, embora compreensível, tal postura está muito longe de ser sensata. A teologia jamais esteve livre das influências culturais de suas origens. Na verdade, o que percebo nos ensinamentos de Jesus é que justiça é bem mais próxima da graça do que da ira. A justiça é um instrumento de amor, às vezes doloroso, pela qual Deus reordena a vida, colocando tudo em seu devido lugar, tal como o barro à mão do oleiro.

A justiça de Deus é um instrumento de sua misericórdia, logo, de seu amor por nós. Dessa forma o inferno jamais deve ser concebido como um lugar destinado ao cumprimento de uma pena, portanto, não é um lugar de justiça. Não há ser humano algum que mereça o inferno, contudo, há pessoas que preferem estar lá por uma razão simples: rejeitam, elas mesmas o amor de Deus. Quem rejeita o amor não pode ser amado. Essa é a causa da ira de Deus, e quem está debaixo dessa ira já está no inferno, porque o inferno é o lugar onde Deus permanece eternamente irado.

Como um Deus que nos ensina a amar o inimigo pode nos lançar no inferno? Cristo ensina a amar o inimigo porque nós mesmos fomos inimigos de Deus, e mesmo assim, ele nos amou. Deus ama os seus inimigos. Deus é amor e jamais deixará de sê-lo. Contudo, quem rejeita o amor de Deus rejeita o próprio Deus. Limita sua presença. E Deus pode estar em todo o lugar, menos no coração de quem não o ama. E onde o seu amor não está, se encontra a sua ira. Isso é o inferno, o lugar onde o amor e a justiça de Deus não estão. O lugar onde Deus mesmo (sua essência, que é o amor) não está.

Talvez o grande motivo pela qual a ira divina se acenda se estabeleça em não querer condenar, quando o próprio homem a si mesmo se condena. Ele se lança no inferno quando Deus mesmo não o quer lá. A grande beleza do Antigo Testamento consiste em exatamente expressar a imagem de um Deus que ama intensamente, a ponto de se enfurecer e até suspender as leis da natureza por amor. Ora, isso é justo? Para defender o mais fraco Deus não se importa com justiça. Exatamente porque o forte não se importa. Todavia, defender o fraco, mesmo quando se tem como aliado um poder infinito não será um ato de justiça também?

sábado, 3 de julho de 2010

"Bem-aventurados os Pobres"

† Lc.6.20-22.



A quem você daria as chaves de sua casa?
Concerteza a alguém de confiança. A alguém de muita confiança. Você confiaria a ele a guarda de todos os seus bens, particularmente os mais valiosos. Sem temer coisa alguma.

A quem Deus daria as chaves de sua casa?
De igual modo, a alguém de confiança. As bem-aventuranças tratam especificadamente disso: Jesus procura descrever aqueles a quem Deus confia, tanto a ponto de entregar a eles as chaves de todo o seu reino: “Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus”. É aos pobres que Deus confia todo o seu Reino. É a eles que Deus confia todos os seus bens. E por causa disso, no Reino de Deus não há faminto que não venha a saciar-se, não há a triste que não venha a alegrar-se, não há perseguido que não se regozije diante da dor.

Curioso ressaltar que o texto não se refere a quatro tipos de pessoas distintas: os pobres, os famintos, os tristes e os perseguidos por causa do nome de Jesus. É certo que Jesus se refere à futura igreja. A igreja é o Reino de Deus. Não uma instituição de pedra. Mas corações: perseguidos e martirizados, alguns, desanimados pelo sofrimento e tristes. Outros, ausentes de qualquer recurso, sem terra ou propriedade, passam fome e mendigam. A eles é chegado o Reino. E quando o Reino de Deus chega, não há mais fome, não há mais tristeza. Há fartura e alegria.

Ao entregar as chaves do seu Reino o criador nos oferece uma prova do seu amor por nós. Se abnega do que é dele e a nós oferece como prova de seu cuidado. Até ao ponto de morrer por nós. Ora, os filhos somente podem receber a herança depois do pai morto. Eis o sinal do seu sacrifício. Se entregando à cruz, Jesus nos oferece tudo o que é dele, toda a sua herança. Todo o seu Reino.

Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus.

Jonas, o Pastor.

Desesperado, Jonas se decidiu pelo suicídio.

Estava cansado da vida, do trabalho, das frustrações amorosas. Estava cansado de si mesmo. Viúvo, seu único filho fora assassino por traficantes, por dívidas. De outro modo, cedo ou tarde, o crack também o mataria.

Jonas era Pastor.

No entanto, desiludido e ausente de expectativas quanto ao futuro, não quer morrer tal como morrem outros que tomam essa iniciativa. Quer subir a favela e enfrentar o dono do morro. Esbravejar palavrões, cuspir-lhe na cara, esmurra-lo na boca do estômago e nos dois lados da face. Morreria feliz enfrentando um ser tão desprezível – pensava consigo mesmo. Desiludido com a fé, não pensava em céu ou inferno. Queria morrer. Queria desesperadamente o fim de sua amarga vida. Apenas isso.

Sobe o morro recitando palavrões como se fossem orações – aos berros. Todos eles dirigidos aos criminosos ali presentes. A adrenalina o fazia suar tão intensamente que mesmo no outono, tinha a camisa totalmente ensopada de suor. Consequentemente, é segurado com força pelos dois braços e amordaçado. Recebe vários socos no rosto. Um chute no estômago o leva ao chão. Agora lhe chutam a cara. Repetidas vezes. Seu sangue começa a verter. Está diante do dono do morro num barracão. Jonas, ensangüentado e com o rosto desfigurado fazendo cara de deboche começa a rir. Seu riso evolui para uma gargalhada interrompida por um inesperado e violento tapa.

- Ficou maluco! Não tem medo de morrer ? Esbraveja Toninho, o dono do morro.

Jonas silencia. Como Jesus na cruz, ele não abre a boca. “Deus meu, Deus meu, porque me desamparaste?”. Passou esse verso do salmista em sua mente.

- Ajoelha. Ordenou um de seus carrascos.

Nessa hora ele sabe que seu momento chegou. Lentamente ele se ajoelha. Uma pistola surge em direção à sua cabeça. Jonas sente medo diante do seu fim eminente. Em seu íntimo ele ora pedindo perdão.
- Será que Deus me entenderia? Entenderia o meu ato de desespero? Pois eu não lhe consigo entender. Por que ele permitiu que minha mulher e depois meu filho morresse tragicamente? Jonas em seu coração pensou.

Ele iria morrer.

- Porque Deus não te ajuda agora pastor? Falou um dos vigias do barracão.

- Pastor?! Falou Toninho.

Quando soube que Jonas era pastor se recusou a matá-lo. Embora traficante Toninho tinha medo. Quando criança, órfão de pai e mãe por conta de uma enchente, fora criado por um tio muito rigoroso, que o levava a uma pequena igreja pentecostal na comunidade. Uma igreja de princípios bem rígidos. O pastor, com seus dons de cura e profecia, atraía em cada culto um número bem expressivo de pessoas, que procuravam alívio para suas dores diárias: não somente pelo número de doentes, mas também por dúzias de mães que procuram um consolo pela morte de seus filhos ou pelo fato de muitos deles estarem no crime organizado. Com Toninho não foi diferente: as ilusões de uma vida fácil no tráfico o fizeram aos dezessete anos sair de casa e abandonar a igreja também.

- Eu não vou matar um pastor. Toninho pensou.

- Amarrem ele. Ordenou aos seus companheiros.

Saindo do barracão, junto com todo o grupo, tentou convence-los que o melhor era que o pastor fosse embora. Afinal, ele não devia nada. Só estava desesperado pela morte do seu filho. O grupo consente. Eles retornam ao barracão.

- Pode ir pastor. Mas você não terá outra chance. Aconselha Toninho.

Jonas é desamarrado e empurrado para fora do barracão. Ensangüentado desce o morro. Em silêncio e em lágrimas. Agora suas dúvidas são outras: - Porque Deus permitiu que eu vivesse e meu filho morresse?

Entretanto, tinha a absoluta certeza de que estava vivo por ser Pastor. Estava convencido que mesmo diante do desespero e da intensa dor, Deus o amava, e ainda o via como seu filho.

Depois desse dia Jonas nunca mais pensou em querer morrer.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Prefácio de "Diálogos"

Segue o prefácio do meu livro “Diálogos” (que será lançado em breve pela editora multifoco) feito pelo meu grande amigo e professor de novo testamento no STBDC, Márcio Simão.




PREFÁCIO

Logo que comecei a ler Diálogos, percebi que estava diante de um texto peculiarmente familiar. Não porque fosse algo rotineiro ou comum, mas sim porque os temas abordados em suas linhas lidam com questões humanas, enxergadas a partir de um ponto de vista bem humano também. As argumentações expostas neste livro não são fruto de uma intelectualidade vazia, mas sim de um olhar apaixonado pela vida, por Deus e pelo próximo. A partir deste olhar, Diogo consegue unir discursos filosóficos e teológicos à questões do cotidiano, que envolvem todos os seres humanos. Realiza, então, tarefa essencial a qualquer teólogo: encarnar sua teologia na vida. Nas palavras de Lutero, “não a compreensão, a leitura ou a especulação, mas o viver, ou melhor, o morrer e o ser condenado fazem um teólogo” .

Não é uma leitura simplória. Os textos são carregados de uma visão integral da vida, e, por isso mesmo, são humanos até o seu mais alto grau. Algumas palavras contidas nessas páginas podem incomodar, ou, até mesmo, machucar alguns ouvidos mais sensíveis. Mas não é essa a razão das palavras? Não se escreve para expor, através da letra, aquilo que está no fundo da alma? Para capturar, pela tinta no papel, imagens que não se pode descrever de outra forma? Para personificar sensações e sentimentos, sonhos e loucuras,anseios e dores?

Talvez, o grande mérito deste livro seja justamente sua honestidade, que se recusa a silenciar-se diante de quaisquer afirmações dogmáticas preconcebidas. Diogo faz do seu texto uma coletânea de pensamentos que insistem em não permanecer quietinhos, dentro da alma. Antes, se revelam claramente, como um caleidoscópio de imagens, uma cacofonia – curiosamente harmoniosa – de sons que gritam querendo ser ouvidos; de anseios secretos, choro escondido, alegria indizível que só pode ser sentida, mas que, ainda sim, insiste em ser chamada à existência pela beleza das palavras.

Quem desejar ler este livro não encontrará aqui respostas fáceis (mesmo porque, estas não respondem satisfatoriamente a nada nem a ninguém). Encontrará, ao contrário, novas perguntas. Questões que certamente o conduzirão a uma autocrítica, capaz de gerar bem e vida. E durante o processo de ouvir e fazer esses questionamentos, o leitor será convidado – de forma poderosamente sutil – a repensar sua vida, inclusive sua fé. Por essa capacidade de pensar e fazer pensar, Diogo merece elogios. Em nossa sociedade pós-moderna, de forças midiáticas massificadoras e imbecilizantes, são poucos os livros – e ainda menos, os autores – que seguem esta linha. Raros são os autores que, nas palavras de Arthur Schopenhauer, “pensaram antes de se pôr a escrever e escrevem apenas porque pensaram” .

E, em meio a tudo isso (e também no início e no fim de tudo), está Deus. O mesmo Deus que, nas palavras do autor, “se tornou homem para ensinar o homem a ser homem”. O mesmo Deus que chora com suas criaturas, que se alegra quando aos pequenos são revelados os segredos do Reino, e que grita, na cruz, seu binômio humano-divino: “Deus meu, por que me abandonaste? Está consumado!”.

Convido-o a ler estas linhas a partir de sua humanidade. Escrever é um processo humanizador, pois abrem-se as janelas da alma para se aproximar do próximo. Ao transformar pensamentos em palavras, o autor percebe que não é um solitário. E seus leitores, de repente, notam que não são os únicos, seja em suas alegrias, seja em seus sofrimentos. Palavras – ditas ou escritas, tanto faz – se encontram e se abraçam mutuamente. Esta é a força deste livro.

Boa leitura!

Márcio Simão de Vasconcelos.
Professor de Novo Testamento no Seminário Teológico Batista em Duque de Caxias.