“Vê-se agora que
extraordinária tolice se comete defendendo o cristianismo, como se trai assim o
restrito conhecimento do homem, e com essa tática, ainda que inconsciente, tem,
sub-recipticamente, partida ligada com o escândalo, fazendo do cristianismo uma
coisa tão lamentável, que por fim é necessário advogar a sua causa para o
salvar. Tanto isto é assim que o primeiro inventor na cristandade duma defesa
do cristianismo é de fato um outro Judas; também ele trai com um beijo, mas é o
beijo da estupidez. Advogar desacredita sempre. Suponhamos alguém que possui um
armazém cheio de ouro e que queira dar todos os seus ducados aos pobres – mas se
cai ao mesmo tempo na estupidez de começar a sua caridosa empresa com um
discurso, demonstrando em três pontos tudo o que ele tem de defensável, nada
mais é preciso para que seja posta em dúvida a caridade do seu gesto. Mas então
o cristianismo? Declaro incrédulo aquele que o defenda. Se crê, o entusiasmo de
suas fé nunca é uma defesa, é sempre um ataque, uma vitória; um crente é um
vencedor” (Soren Kierkegaard, em “O Desespero Humano”. Pg.388).
Digamos que você tenha uma razão – o melhor argumento de
todos, talvez de toda a história, que afirme a existência de um Deus bondoso
diante de um mundo mau e injusto. Que o seu argumento seja a melhor defesa do
cristianismo já inventada desde os escolásticos. Que esse argumento, enfim,
traga a paz de espírito necessária aos incrédulos e dúbios na fé. Encontrar a
paz de espírito num argumento consiste em pacificar-se ao ponto de entregar-se
ao comodismo e estagnação que esse mesmo argumento visa promover, pois
convencer é pacificar, e pacificar é alienar. Esse é o interesse de qualquer
dogmática, religiosa ou não. De ser no final das contas, instrumento de
conservadorismo. De que se o mundo é mau, que ele continue mau, contudo sem um
Deus cuja existência torne esse mal injustificável. Contudo, se o problema é
justamente o mal, se é ele o injustificável, Deus deixa de ser um problema, até
mesmo para ateus, pois se Deus não existe ele não pode ser culpado pelo mal,
nem sequer levado em consideração num argumento sério. Pessoas preocupadas com
o mal não se interessam por argumentos. Se interessam sim, por ações. De ateus,
de cristãos, de qualquer pessoa. Argumentos não podem mudar a realidade, podem
sim endossá-la. A melhor defesa de um cristianismo puramente teórico (Teo-lógico)
não suporta o choque com a realidade. Não há defesas racionais para o
cristianismo. Negar o cristianismo torna-se portanto um exercício de racionalidade,
afirmá-lo porém, um compromisso de fé, e isto não significa a aceitação
irrefletida de um dogma, mas sim na proposta que o dogma faz à ação. Fé é uma
ação e não uma teoria.
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