“... o principal interesse
das pessoas de nossa época é a satisfação do paladar, o prazer da comida, da
gula. Das classes sociais mais pobres às mais ricas, a gula, penso eu, é o
objetivo principal, é o principal prazer da nossa vida. O povo pobre trabalhador
constitui uma exceção, mas apenas no sentido de que a miséria o impede de se
entregar a essa paixão. Quando ele tem tempo e meios para isso, à maneira das
classes altas, compra o mais gostoso e o mais doce, come e bebe o quanto pode.
Quanto mais come, mais ele se sente não só feliz, mas também forte e saudável.
E as pessoas instruídas, que vêem o alimento precisamente dessa forma, apóiam-no
em tal convicção. A classe instruída imagina (embora se esforce para ocultá-lo)
que a felicidade e a saúde (e disso a convencem os médicos, afirmando que o
alimento mais caro, a carne, é o mais saudável) estão no alimento saboroso,
nutritivo e facilmente digerível.
Observem a vida dessas
pessoas e escutem suas conversas. Parecem que só se ocupam de temas elevados:
filosofia e ciência, arte e poesia, a distribuição da riqueza, o bem-estar do
povo e a educação da juventude; mas tudo isso, para a imensa maioria, é uma mentira
– eles se ocupam de tudo isso nas horas vagas, entre as verdadeiras ocupações,
entre o café da manhã e o almoço, enquanto o estômago está cheio e não é
possível comer mais. O interesse vivo e verdadeiro da maioria dos homens e das
mulheres é a comida, sobretudo depois da primeira juventude. Como comer, o que
comer,quando e onde?
Nenhuma solenidade,
nenhuma alegria, nenhuma consagração ou abertura do que quer que seja acontece
sem comida.
Observem as pessoas que
viajam. Nelas isso é especialmente evidente. “Museus, bibliotecas,
parlamento... que interessante! Mas onde vamos almoçar? Quem oferece a melhor
comida?” Mas vejam só as pessoas,como elas se reúnem para o almoço, arrumadas,
perfumadas, a uma mesa enfeitada com flores, com que alegria esfregam as mãos e
sorriem”
(Liev Tolstói, Os Últimos Dias, pp.38-39).
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