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terça-feira, 6 de julho de 2010

Sobre o Sentido da Secularização

† Mt.27.27-66.

O credo niceno define a identidade de Jesus, tal como atestada no testemunho apostólico, como “verdadeiro Deus e verdadeiro homem”. Em outras palavras, de que Jesus define tanto quem Deus é, como quem é o homem. Sendo assim, a teologia, enquanto diálogo crítico, ora tenso, entre Deus e o homem, não pode se realizar sem a mediação de Jesus Cristo. Sem Cristo, Deus permanece obscurecido e sua identidade fadada ao anonimato, e desse modo, esquecido ou reduzido a uma infinidade de personas. De igual modo, sem Cristo o homem se torna anônimo para Deus.

Ao definir Jesus como verdadeiro Deus e verdadeiro homem, o credo niceno afirma também que existe uma proximidade paradoxal entre o humano e o divino. Enquanto proximidade assume a tarefa de conciliação. Deus enquanto criador do homem é o seu fundamento. Ausente do seu criador, a criatura não tem sentido. Essa proximidade indica a presença de Deus na vida concreta do homem. Da mesma maneira como indica a presença do homem na vida concreta de Deus como participante do seu reino.

A experiência da cruz estabelece uma experiência de morte de tal ambigüidade ensinada pelo credo. A crucificação de Jesus expressa em primeira instância que Deus é crucificado pelo mundo. Que Deus é morto. Inaugura todo o processo de secularização traduzidos por pensadores como Nietzsche e Marx, onde a cultura se torna irreligiosa e avessa a tal natureza. A crucificação de Jesus ao exprimir em gestos uma distância real entre Deus e o mundo, a partir da necessidade deste último de autonomia, sentencia também, a partir da ambigüidade do rosto de Cristo, uma real morte do homem. Morrendo Deus, morre também o homem. Não qualquer homem, mas tal como define o credo, o verdadeiro homem, aquele que Deus criou. Surge um novo homem: aquele que crucifica Deus.

Crucificado, Deus é marginalizado e condenado aos guetos da história, e por isso mesmo, próximo daqueles que foram excluídos pelos mesmos homens que suspenderam o filho de Deus no madeiro. Próximo daqueles que Jesus amava. Crucificado, o verdadeiro homem também é marginalizado e condenado pelo mundo. Falamos do pobre, do doente, do rejeitado e só.

Não devemos nos esquecer de quem crucifica. O mundo crucifica, e quando falamos em mundo, nos referimos a sociedade organizada ao fim de manter-se autônoma diante dos eventos naturais, controlando as forças da natureza e administrando os seus recursos de modo a beneficiar poucos ao custo da força de muitos. O mundo crucifica o divino, porque esta representa uma ameaça ao status quo. A cruz nada mais representa um instrumento de ataque, logo, de defesa de território, onde a sociedade exige a autonomia do material sobre o espiritual, da terra sobre o céu.

Mas porque Cristo é crucificado? Devemos compreender que para uma sociedade que possuía sua cultura enraizada na concepção de um Deus rancoroso e vingativo, fruto de manipulações políticas feitas por líderes religiosos opressores e cruéis, um Deus que perdoa gratuitamente parece uma agressão. O amor de Deus é tão intenso e profundo – daí a expressão joanina em Jo. 3.16: “.. de tal maneira..”-; que é agressivo. De imediato, os homens procuram uma forma de defesa, dentre elas, a cruz. A cruz é uma forma de defesa contra o amor em sua radicalidade.


Tudo retorna ao Édem. A cruz expressa uma vingança: expulso do paraíso divino, com a cruz são os homens quem expulsam o divino de seu "paraíso" humano. Eis o sentido do que hoje chamamos secularização.

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