*Texto antigo, que escrevi para o meu primeiro livro em 2006. Hoje, não carrego muitos dos sentimentos que nutria na época, contudo, esses escritos motivam um profunda saudade de quem um dia eu fui.
A vida é uma dor... a maior de todas as dores,
tão intensa que chega a deixar de doer, é só por isso que muitos homens ainda
conseguem rir. Se eu fosse correspondido pelos sorrisos que dou, pelas palavras
de ânimo que saem da minha boca, mesmo quando em mim não há ânimo algum, e
principalmente pelo que eu sou jamais eu poderia dizer: “a vida é uma
dor..." Tenho tantas dores no meu coração... Nunca cheguei a ser amado por
uma mulher, eu sempre fui tímido no amor e para piorar, nunca correspondi ao
sonho de beleza de nenhuma jovem, me pareço muito com o patinho feio...estou
destinado a viver só...quem conseguiria resistir com as minhas dores? Quem
continuaria a querer viver? Eu já não vivo... Não existe em mim qualquer
ideal de felicidade, já não aspiro nada de hoje ou de amanhã, para mim só me
resta a obrigação de suportar cada dia por vez...e isso é só o começo : tenho
uma fama muito peculiar : eu sou o inútil, o desgraçado, a praga e
etc...eu sempre estive muito próximo da escória, eu sou o enfermo e a doença.
Como é bonito ver os sorrisos das mulheres,
todavia, eles me fazem chorar, porque eu sei que nenhum deles foram
dados a mim.Quem ama o corpo ama a morte porque o corpo morre, quem ama o
mundo ama a morte, porque o mundo morre. Como eu poderia ver então beleza
no mundo? Recentemente algo quase me fez chorar: uma mulher me disse que eu dei
sentido a vida dela, entretanto ela está tão longe de mim... minha relação com
as mulheres é uma ironia.Sei que uma mulher não é tudo, mas inserida nesse
“tudo” existe ums mulher. Se pareço muito trágico em minhas palavras, saibam
que minhas palavras só demonstram o que eu vivo, e do que jamais eu posso
escapar, falo de uma forma trágica porque minha existência é uma tragédia.
Perdi secretamente o gosto pelos elogios, não
os suporto mais, mesmo os que são ditos verdadeiramente por um bom coração. Eu
perdi a esperança em mim mesmo e não sou digno de pena, só espero não viver
para sempre com meus pais. A coisa que eu mais anseio agora é a solidão, porque
a solidão me quer, talvez a minha angústia aumente. Eu não sei o que me espera
daqui a dez minutos, sendo assim, o que seriam dez minutos? Dez minutos seriam
nada... O que será da minha vida daqui a dez anos? Eu nada sei sobre a minha
vida... eu só sei que ela é um nada. O que há então para comemorar?
Absolutamente nada, porque nada é a vida que vocês comemoram hoje...
Sou grato a muitos amigos, meu aniversário de
dezenove anos demonstrou que sou querido por aqueles que na ocasião nem me
conheciam direito, todavia, o difícil é achar alguém que chore comigo... parte
dessa ausência é culpa minha. Com quem eu já chorei? Eu mereço chorar sozinho.
Não acredito mais nos castigos de Deus: a idéia de castigo sempre esteve em mim
vinculada ao conceito de se sofrer uma pena sendo inocente; só Jesus foi
castigado, eu por outro lado sou sempre o culpado. Toda a alegria de mais uma
primavera amanhã vai passar, tudo retornará ao normal, tudo será para
mim, triste como antes. Me censurem os teólogos e todos os que e consideram
cristãos. Quem é capaz de censurar as lamentações de Jeremias? Quem é
capaz de censurar as lamentações de Jó (Jó 30)? Quem é capaz de censurar as
lágrimas angustiantes do cristo no monte das oliveiras? Quem é capaz de
censurar-lhe o seu “... Eloi, Eloi, lama sabactâni?”? Se eu choro e lamento
quem é capaz de me censurar? Não espero compreensão, só Deus é capaz de me
compreender, um Deus que eu e nem ninguém pode ver. Me aproximo então da
loucura. Quem poderia justificar o ato de Abraão em sacrificar o seu
próprio filho Isaque, para um Deus que ele não via? Ninguém podia justificar
Abraão a não ser o próprio Deus, um Deus que nem o próprio Abraão via. Quanta
loucura em Abraão! Uma loucura do tamanho da sua fé.
Não sei o que me espera amanhã, mas que o
amanhã seja algo que me espere que eu possa alcançar, e se eu não puder
alcançar, que minha mensagem tenha o poder de fazê-lo por mim, mas
também para todo aquele que se sente como eu. As pessoas me observam e eu
odeio isso, algumas para ter razões para me censurar, me chamar de pecador, de
condenado ao inferno, outros para me admirar. Quantas mães já me quiseram
apresentar para suas filhas! Quantas mães já me tornaram um modelo ideal para
seus filhos! Cheguei à conclusão de que eu não sou nem um santo nem um
pecador, eu sou ambos, eu sou um paradoxo. Como você me vê? Não há
alternativa para essa pergunta: eu não posso ser definido, só Deus me define,
mas quem já viu o Deus? Definir-me pertence a Deus e a mim, a
mais ninguém. Diante de Deus todos os homens estão sós, e eu também,
só o que me resta nessa vida é a solidão, não só a mim, mas a todos os homens.
O que me resta? Sou um nada que é só, um nada
que é só nada, e assim eu sou eu mesmo. Não posso escapar de ser a mim mesmo,
não posso escapar de condenar toda a futilidade do mundo e das pessoas
reduzidas às coisas.Aos olhos do mundo Deus me fez cair sozinho, para que aos
olhos do mundo eu pudesse sozinho me levantar. Deus me fez cair, como seu vaso
eu fui novamente reduzido a nada, para que do nada Deus pudesse me levantar. Eu
não sou uma coisa, eu não sou um objeto, mas muitos me querem assim, e se eu
faço objeção a isso, tenho a facilidade de magoar. Prefiro então me isolar em
mim mesmo. Quem é Diogo? A língua latina me diz que sou inteligente, gentil
e educado, mas também me diz que é um dos nomes medievais atribuídos
ao diabo. Os gregos com seu didaticus dizem que sou didático, dado ao ensino. A
gentileza, a educação e a inteligência também podem servir como instrumento de
manipulação do mal através do ensino, o mal manipula através do que o
manipulado acredita como bom. A bondade jamais manipula, ela é liberdade, por
isso é sempre considerada pelo manipulado como uma coisa ruim. A dor que
eu sinto diante da vida nada mais é do que o sintoma da minha própria
metamorfose, do demônio que Deus quer reabilitar a anjo de luz. Os demônios do
inferno não sentem essa dor da vida, por isso eles jamais podem ser por Deus
reabilitados. A metamorfose é uma dor necessária a todo homem, e se é
necessária, que os homens me deixem com a minha dor.
A vida é uma dor... mas a dor redime e nos
transforma em algo mais duro, impenetrável. Não sou nenhum sádico ou masoquista
em dizer isso: se a vida é uma dor e a dor redime, a vida é em ultima instância
redenção. Eu vivo e na minha vida eu sofro e me redimo, eu sou redimido
enquanto vivo a minha dor. Só Deus me define, só Deus me justifica, só Deus me
redime. Deus me redime pela dor, uma dor que é minha e que permanece em mim,
permanece porque nela Deus visa em mim algo maior, ser aquilo que nasci para
ser, para qual Deus determinou e que ainda não cheguei a ser. Alcançar a
redenção é superar a dor, é alcançar aquilo que comumente se entende por
felicidade, mas se a vida é uma dor, a felicidade noutro modo não está na vida,
ou no que se entende vulgarmente como tal, a felicidade está na superação da
vida. Não entendo o termo superação como um “estar além”, estar além da
vida significa uma meta da vida. Superação da vida é uma super - ação, é
uma plenitude de vida e plenitude não está no viver aqui e agora, pois o aqui e
o agora é só vida, é dor, a plenitude está em sempre viver, sem aqui
e sem agora, a plenitude da vida é uma vida eterna, a plenitude da vida é a
eternidade, e a eternidade é a redenção, é a felicidade, liberdade do julgo
escravizador do tempo.
As palavras eloqüentes permanecem vazias para
aqueles que não as entendem, todavia, não há um homem sequer que não possa
compreender que a vida é uma dor, e que por isso também possa compreender que
sua redenção está nessa dor, superando assim a vida, na eternidade.
Enquanto vivo a vida do aqui e agora com meus fúteis vinte anos, olho para
frente e anseio ardentemente a eternidade, e isso, enquanto vivo, já é uma nova
dor. Cristo com sua morte e ressurreição, com seu sangue sua dor me ofereceu a
eternidade, e para recebê-la aceitei um compromisso: tenho que compartilhar com
cristo o meu sangue e a minha dor também, eu tenho que aprender a compartilhar
uma cruz, os cravos, as lágrimas, só para depois aprender a compartilhar o pão.
É necessário sentirmos as dores do mundo para que possamos cuidar dele
melhor. Essa é a vida que eu quero e se ainda não a tenho ainda, que
minha dor permaneça até que eu alcance a redenção em Cristo Jesus. .
“Já estou crucificado, todavia, ainda não
chegou o meu momento de render o espírito, agonizo então na minha cruz...”...
porque o amor é forte como a morte.." Já dizia Salomão nos seus
cânticos à filha de Faraó, só é capaz de amar aquele que é capaz de
morrer, Deus só nos ama porque morreu por nós, e a intensidade do seu amor está
no tipo de morte que sofreu...o amor está na dor e a intensidade do mesmo está
no tipo de morte que se sofre...Deus me fez morrer para poder amar de uma forma
que eu mesmo não conhecia, Deus me fez morrer para amar até a morte...Amar até
a morte significa amar em todas as circunstâncias, mesmo quando não se é
amado...eu já estou morto, entretanto, Deus requer de mim amor. Amar
é um desafio mortal, se estou pronto para tanto eu não sei, só o que
me cabe em toda a minha solidão e dor diante do mundo e da vida é diante de
Deus dizer : " eis -me aqui..."
Toda a minha indignação contra a minha própria
existência, suscitava em meu interior questões que eu mesmo não podia
responder: Porque eu sofro assim? Porque tudo aquilo que durante anos eu
planejei e construí para mim se desmorona assim tão fácil em
segundos? Quando mais ninguém podia me dar uma resposta, Deus assim o fez,
no silêncio: “No princípio criou Deus os céus e a terra." Assim nos diz o
gênesis. Eu nada crio, só Deus cria, porque só se pode criar do nada. Deus cria
do nada, e eu me pergunto: O que eu me tornei? Tornei-me absolutamente nada...
É a partir desse nada que Deus resolve criar, do nada que sou eu, mas eu nem
sempre fui um nada, eu tive sonhos, projetos para mim mesmo, todos ao longo do
tempo foram destruídos, e sei que o foram pelo próprio Deus, a fim de que pelo
nada que sou, Deus se manifeste como o meu criador. “... Eis que faço novas
todas às coisas..." Assim diz o senhor Jesus no apocalipse, tudo isso me
ensinou que todo grande fim é o sinal de um novo começo, e que toda destruição
é sempre a construção de uma coisa nova, e é isso o que eu sou.
“Era uma vez um patinho feio...”. O que me chama
a atenção nessa pequena história infantil é que ela já começa com um equívoco
do seu narrador, equívoco que no fim acaba sendo corrigido por ele: o patinho
feio não era um patinho, mas um filhote de cisne, coisa que o narrador somente
irá revelar no final da história. O equívoco está quando o narrador começa a
história dizendo: “Era uma vez um patinho feio...”. Isso significa que o
narrador conta a história à medida que participa dela, o narrador está inserido
na história vivendo-a. Tudo gira um torno do patinho feio, todavia, nós que já
conhecemos o final da história sabemos que o patinho não é patinho, é por isso
que ele era feio, a feiúra está em ser visto como algo que não se é. Ver o
filhote de cisne, sem saber que é cisne é julgá-lo como sendo a aberração de
qualquer outra coisa, menos ele mesmo, ou seja, o feio de qualquer outra coisa,
menos de cisne. O patinho era tanto um patinho quanto feio por que era visto
como tal, além disso, o próprio patinho se via como feio e como patinho, daí o
seu sofrimento diante das rejeições que era vítima, pois para que ele fosse
aceito pelo grupo, ele tinha que ser tanto um patinho quanto bonito, como
sempre o Eros é o vínculo. O patinho desconhecia quem de fato ele era, assim
como desconhecia também todos aqueles que o observavam, sendo assim, não havia
por parte do patinho, referência alguma para se interpor ao julgamento dos
outros, logo, somente lhe cabia aceitar e acreditar que era um patinho e que
era feio.
Tal como o patinho da história, me vejo sem
referência alguma sobre mim mesmo, ficando a mercê do julgamento dos outros, da
forma como os outros me vêem, e sei que sou visto por eles como um patinho
feio. A única coisa que tal julgamento do mundo me diz para mim mesmo é que eu
não sou um patinho e muito menos feio, eu ainda não sei o que eu sou, mas sei
que qualquer julgamento sobre mim é falso, seja ele a favor ou contra. O que eu
sou ainda está para ser manifestado pelo tempo, tal como o patinho no final da
história que se revela um cisne, o único problema é que na vida real o final da
vida social é sempre a morte. A minha morte revelará quem eu sou. Sendo assim,
o silêncio seria o melhor, porque o silêncio nega qualquer valor, mesmo aqueles
que causaram profunda alegria no meu coração. Passei a ter medo da alegria, da
espontaneidade, já que minhas tristezas são as que mais estão próximas de mim,
eu já me acostumei as lágrimas, os meus sorrisos me parecem desconfiados, como
se algo de muito ruim estivesse sempre me espreitando, a fim de me surpreender
na minha alegria, sem que eu esteja preparado. Minhas tristezas me preparam
para o mal me dando seriedade suficiente sobre todas as coisas, e nessa
seriedade eu sou sozinho. A solidão é a condição do homem que trata a sua
existência no mundo com a mais profunda seriedade, isso porque nenhum homem,
pelo menos a maioria que conheci, nunca costuma tratar a sua existência com
seriedade suficiente para ser só, se preocupando sempre em casar, ter filhos,
um bom emprego, enfim, estar na sociedade da melhor maneira possível, assim o
homem se perde entre os outros, se tornando uma coisa qualquer, sem nome na
multidão de outros tantos como ele, em suma, ele deixa de existir. Vejo a
solidão como o primeiro passo para a existência, pois nela o homem não pode
fugir de si mesmo, não foi fácil para mim aprender isso, todavia, o importante
é que aprendi, o que me coloca um pouco acima da história do patinho feio, pois
ele ainda acreditava naquilo que os outros diziam sobre ele, eu porém, perdi a
confiança nos outros, e isso me fez compreender coisas em mim que eu nem sequer
pensava que estavam lá, dentro do meu ser, na minha própria existência que é
só.
A solidão que atinge a profetas e anjos esconde
um segredo: Todo anjo é um profeta e todo profeta é só. Mas porque isso?
Pensemos nas mulheres: elas são o maior exemplo de solidão em determinadas
circunstâncias. A revolução feminista trouxe uma grande autonomia para a mulher diante do regime machista e
patriarcal a que estavam inseridas. A mulher se tornou livre para trabalhar,
estudar, ter ou não ter filhos, e por fim, as mulheres ficaram livres de nós
homens, pensem nas conseqüências dessa liberdade: as mulheres que conseguiram
se emancipar dos homens e que conseguiram revolucionar a sociedade nessa
emancipação, se tornaram mulheres muito sozinhas na época patriarcal em que
viviam. Que homem iria querer uma mulher como essa em casa? Que homem gostaria
de ser desafiado pela “fragilidade feminina”? Todas as grandes sindicalistas,
grevistas e ativistas políticas eram mulheres sozinhas, isso me levou a
conclusão de que uma mulher casada jamais pode vir a ser uma feminista.
Feminismo não é para mulher casada, mas sim para a mulher que trata a sua
existência com seriedade, logo, que é sozinha. Pensemos também nos homens:
todos os grandes intelectuais, cientistas, filósofos e grandes revolucionários
políticos, eram pessoas sozinhas, e da mesma maneira como nas mulheres, a
revolução estava com eles. Machismo não é para homem casado, mas sim, para um
homem que trata a sua existência com seriedade, logo, que é sozinho. A solidão
do profeta é a grande responsável pelos grandes acontecimentos de ordem social
no mundo, o que precisamos saber é em por que nome o profeta profetiza. O mundo
muda cada vez mais rápido à medida que as pessoas se tornam cada vez mais
sozinhas. A solidão me dá o poder da revolução, a solidão que Deus me dá e que
por ela me faz profetizar, todavia, somente pode revolucionar aquele que ainda
não se acostumou com o destino de ser só, aquele que se angustia com o seu
destino de revolucionar.
A angústia manifesta em mima seriedade que eu
preciso ter diante da minha própria existência, isso porque requer uma escolha:
requer que eu permaneça como patinho feio que sou ou que assuma em mim o
desconhecido, algo que ainda serei que nega o patinho e o feio que dele é
oriundo, me tornando um mistério. Em mim essa angústia tem estreitas relações
com o amor, digo o amor a uma mulher: sempre estou as voltas entre o amor e a
solidão, não sei até quando e quanto eu posso suportar. O amor é o veneno da
solidão. Mas quem pode suportar a solidão? Quem pode suportar não amar? O amor
é a solidão que não se pode suportar, sendo assim, para o filósofo ele é um
grande dano. Somente o que me cabe é a solidão. Amando, cheguei a deixar de
pensar, de escrever, e de ser eu mesmo com a intensidade de antes, uma mulher
nega em mim toda a intensidade do que eu sou, o amor a uma mulher falsifica uma
parte de mim para tornar a outra parte verdadeira, todavia, somente percebo
isso quando não tenho o meu amor correspondido. Para o filósofo a mulher amada
é como vinho ou como qualquer bebida forte que inebria, que engana, as outras
mulheres são simplesmente mulheres, e como tais, são mais sinceras que o vinho
da mulher amada, a mulher amada é a causa de toda a sonolência que me rodeava,
por outro lado a minha fé é toda a minha insônia, ela não me deixa dormir, Deus
não me deixa dormir.
Descobri em mim a razão de muitos sentimentos
que em meu interior estavam timidamente ocultos, escondidos: a minha aversão a
crianças se deve ao fato de ter muito pouco de infantil em mim, o que me
favorece um inteiro comprometimento com os homens do presente, não do futuro.
As vezes acho que o fato de se ter um filho seja cômico para os próprios pais,
quantas críticas eu já ouvi contra a juventude, nos acusando de sermos
utópicos, sonhadores que sonham um futuro cheio de felicidades e oportunidades,
pois bem, o troco contra essa argumento está no nascimento de uma criança: os
pais transferem para seus filhos a responsabilidade que outrora era deles de
serem úteis para Deus no mundo. E isso não é ser utópico também? A fantasia não
somente permeia a juventude que sonha para frente, mas também os mais velhos,
que quando não são como os jovens, sonham para trás, como se o passado dessas vítimas
de si mesmos fosse o resquício de uma hospedagem no paraíso durante alguns
dias. Ter um filhos nos dias de hoje é abster-se do compromisso de enfrentar as
mazelas da contemporaneidade, transferindo tal responsabilidade para seus
filhos, que por fim estes, a sua maneira não farão coisa alguma pelo mundo onde
estão inseridos. Ter um filhos hoje é tanto uma crueldade para com a criança,
como também para o mundo, porque é transferida implicitamente para a inocência
de uma criança uma responsabilidade que nem mesmo seus pais tiveram. Um filho
somente dever ser feito a partir do momento em que um homem inicia a sua
caminhada para a morte, e nem sempre nessas circunstâncias, o melhor hoje é não
faze-lo porque o mundo também está morrendo. O instinto maternal é no mundo
contemporâneo mais um ato de crueldade do que de amor, a mulher hoje que segue
o seu instinto maternal (não que o instinto seja ruim, mas que este tenha se
tornado ruim) se torna muito próxima da Pandora grega. A cura para a crueldade
do materno está no próprio filho , que sendo inocente de toda essa tirania do
maternal que se corrompe, deve se entregar à solidão e nessa solidão ele se
responsabiliza com o presente. A minha solidão me dá um compromisso com o
presente.
Minhas conclusões podem me favorecer muitos
opositores, eu já estou acostumado com isso. Eu sou inimigo do mundo, isso não
significa que eu sou inimigo das pessoas, mas sim, das culturas onde elas estão
inseridas. Não há uma cultura que seja verdadeira, somente o indivíduo pode se relacionar
com a verdade, e ele somente pode se relacionar com a verdade quando rompe com
toda a cultura que o envolve. Somente serei levado a sério pelos meus críticos,
somente serei considerado cristão por todo aquele que me odeia. Posso parecer
cínico, hipócrita e contra a instituição familiar, não o sou, sou apenas contra
uma instituição familiar deficiente que um ou mais integrantes desse tipo de
círculo é inibido de sua identidade e até mesmo de sua relação com Deus por
meio de uma pseudo-hierarquia dentro da família. A minha família me dá portas
para entrar e pedras para tombar e cair. Eu sou contra a cultura que me cerca,
porque eu sei que para ela eu sempre serei um patinho feio, esse foi todo o meu
impulso para o existencialismo, sempre percebi em mim, desde pequeno, uma
grande distância com tudo o que me cerca, com o mundo ao meu redor. Sempre fui
tímido nas minhas relações sociais, e foi exatamente por causa dessa timidez
que desde cedo fui alvo de muitos olhares para aqueles que me consideravam um
mistério, motivo de riso e chacota para aqueles que me consideravam
ultrapassado e um grande conspirador para aqueles que achavam que por trás da
minha aparência, estaria algo maior, pronto para surpreender os outros. A
verdade é que a minha timidez me faz, para todo aquele que me observa, ser uma
grande incógnita, algo indefinido que não se sabe se é bom ou mal, por isso, um
grande paradoxo. A sociedade não gosta de paradoxos pois estes podem destruí-la
ou fortalece-la, eu escolhi destruir para fortalecer. A sociedade gosta de
conceitos, de bom e mal, de certo e errado, eu às vezes estou acima disso tudo.
Eu sempre estive num combate permanente com o
mundo que me rodeia, todavia, não sei explicar o porquê ainda estou de pé, o
motivo pelo qual ainda não me deixei vencer, é um paradoxo que eu mesmo não
consigo compreender, e não me interessa compreender. Um dia eu verei toda a
raça se dobrar diante de Cristo e nesse dia eu irei chorar porque eu também me
dobrarei.
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