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quarta-feira, 10 de abril de 2013

Loucura e Liberdade




"Em tal mundo, submetido aos efeitos mais teatrais e obrigado a cada entardecer a representar um pôr do sol correto, as pessoas ao meu redor pareciam pobres criaturas dignas de pena pela seriedade com que continuamente se ocupavam, acreditando, ingênuas, naquilo que faziam e sentiam. Havia uma única criatura na cidade que compreendia essas coisas e pela qual eu nutria uma admiração plena de respeito: a louca da cidade. Só ela, em meio a pessoas rígidas e recheada até a ponta dos cabelos de preconceitos e convenções, só ela mantivera a liberdade de gritar e de dançar pela rua quando quisesse. Coberta de imundície, ela andava esfarrapada pelas ruas, desdentada, com o cabelo ruivo desgrenhado, segurando nos braços, com ternura materna, um cofrinho velho cheio de cascas de pão e diversos objetos retirados do lixo.

Exibia o sexo aos transeuntes com um gesto que, se fosse utilizado com outro objetivo, seria considerado “pleno de estilo e elegância”. Que esplêndido, que sublime é ser louco!, dizia para mim mesmo, constatando, com um inimaginável desgosto, quantos costumes familiares arraigados e estúpidos e que esmagadora educação racional me separava da liberdade extrema de uma vida de um louco.

Quem nunca foi tomado por esse sentimento está condenado a jamais sentir a verdadeira amplitude do mundo".

Max  Blecher em “ Acontecimentos na Irrealidade Imediata” (Ed. Cosacnaify/ 2013)

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