"Em tal mundo, submetido
aos efeitos mais teatrais e obrigado a cada entardecer a representar um pôr do
sol correto, as pessoas ao meu redor pareciam pobres criaturas dignas de pena
pela seriedade com que continuamente se ocupavam, acreditando, ingênuas,
naquilo que faziam e sentiam. Havia uma única criatura na cidade que
compreendia essas coisas e pela qual eu nutria uma admiração plena de respeito:
a louca da cidade. Só ela, em meio a pessoas rígidas e recheada até a ponta dos
cabelos de preconceitos e convenções, só ela mantivera a liberdade de gritar e
de dançar pela rua quando quisesse. Coberta de imundície, ela andava
esfarrapada pelas ruas, desdentada, com o cabelo ruivo desgrenhado, segurando
nos braços, com ternura materna, um cofrinho velho cheio de cascas de pão e
diversos objetos retirados do lixo.
Exibia o sexo aos
transeuntes com um gesto que, se fosse utilizado com outro objetivo, seria
considerado “pleno de estilo e elegância”. Que esplêndido, que sublime é ser
louco!, dizia para mim mesmo, constatando, com um inimaginável desgosto,
quantos costumes familiares arraigados e estúpidos e que esmagadora educação
racional me separava da liberdade extrema de uma vida de um louco.
Quem nunca foi tomado
por esse sentimento está condenado a jamais sentir a verdadeira amplitude do
mundo".
Max Blecher em “ Acontecimentos na Irrealidade
Imediata” (Ed. Cosacnaify/ 2013)
Nenhum comentário:
Postar um comentário