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sábado, 7 de agosto de 2010

Porque não crer no que crê o ateísmo 1ª Parte

A) O Problema do dogmatismo na religião e nas ciências .

O ateísmo, enquanto instrumento de crítica objetiva (científica) do teísmo institucional, se mostra tão dogmático quanto este, e neste aspecto cristãos e ateus possuem cosmovisões muito similares. A tese de que a objetividade é o meio de conduta para a verdade, é comum a ateus e cristãos dogmáticos.

Lendo Nietzsche e Marx, percebi que a transformação dos meios de produção, que o desenvolvimento da técnica e da investigação científica é a responsável pela transformação de toda a cosmovisão social, religiosa e etc. Em suma, que a ciência transforma a vida e esta, transformada, transforma a ciência, a religião e etc. Em outras palavras, que a objetividade não é o meio de condução para a verdade, mas é o meio de condução para a invenção de uma verdade, exatamente porque a objetividade ao transformar a vida, é responsável por transformar-se a si mesma, perdendo todo o seu caráter absoluto. A ciência não é objetivamente absoluta, assim como não é objetivamente absoluta a religião. (paradoxalmente nem mesmo o que estou escrevendo agora deve ser considerado algo absoluto).

Por fim, minhas reflexões amadureceram neste aspecto na leitura do livro “A Estrutura das Revoluções Científicas” de Thomas kuhn, onde a idéia de verdade científica é questionada. Concluindo, tanto o ateísmo quanto o teísmo dogmático dão muito a desejar naquilo que prometem e que toda a verdade, seja religiosa ou científica somente pode ganhar adesão existencialmente, e para isso, tanto a ciência quanto a religião possuem particularmente um método específico para convencer as massas. Sendo assim, jamais posso criticar um postulado científico ou doutrina religiosa em si mesmo, exatamente porque o que deve ser criticado é exatamente a maneira como cada um independentemente convence as massas de sua veracidade.

O que sustento em minha primeira exposição é que, a afirmação categórica ateísta "Deus não existe" é essencialmente dogmática, e como todo dogmatismo, sempre está procurando justificações para a sua afirmação, e nesse sentido o ateísmo desenvolve estreitas relações com o próprio dogmatismo cristão. (ex: "Deus não existe porque....."; "Deus existe porque...."). É exatamente esse "porque" que define o dogma, e em todo dogma está inserida um conceito de verdade "militante", ou seja, que tenta contradizer a oposição, percebo muito isso entre ateus e cristãos. O conflito ideológico é sempre oriundo de duas posturas ideológicas antagônicas entre si, essencialmente dogmáticas. Mas vamos dar um fim a questão: O que o ateísmo promete? A grande promessa do ateísmo é exatamente, no que se refere a uma deidade pessoal (teísta), negar todas as possibilidades de sua existência de uma maneira categórica, onde as possibilidades, por mínimas que sejam, são sempre viáveis (a teoria do caos reflete bem essa idéia). Se as possibilidades mínimas também são viáveis, nos encontramos então num paradoxo onde não podemos afirmar categoricamente nada, não podemos ser dogmáticos, em suma, acredito que tanto para o ateísmo quanto para o cristianismo, seriam fundamentais uma postura agnóstica de verem o fenômeno religioso, sempre abertos as possibilidades, sem esse "porque"...

Inserida no método científico contemporâneo está implicitamente estabelecido um paradigma de convencimento, que é exatamente a idéia de funcionalidade. Além disso, por participar ativamente na transformação social, no rompimento com antigos paradigmas legais, morais, científicos e religiosos, a ciência também é responsável por 'carregar" a consciência individual para tais rompimentos. E isso já está implícito na dialética social, na formação e transformação da cultura. O método de convencimento implícito na produção científica não é algo consciente, exatamente porque participa na construção da consciência, localizando-a no tempo, historicamente. Isso é constantemente repetido por Marx em sua "Ideologia Alemã", juntamente com Engels. Portanto esse método de convencimento não é criado à parte da ciência em si, mas está em sua própria natureza, na natureza da própria ciência.

Sei que ateísmo e conhecimento científico não são sinônimos, todavia, o que percebo é que muitos ateus sustentam suas posturas filosóficas sobre o fenômeno religioso, através do cientificismo e o fazem em razão da própria idéia de funcionalidade, cujo fundamento é exatamente o de construção e re-construção social (segundo o pensamento de Marx), sendo assim, não posso conceber o cientificismo como realidade distinta do ateísmo, isso porque, o cientificismo, cujo valor coloca a realidade humana como autônoma e independente de qualquer deus ou entidade sobrenatural, não por si mesmas, mas sim na compreensão de que o homem é o ser que conduz o seu destino, torna por um lado a idéia de sobrenatural absurda e por outro, vê com otimismo a autonomia humana em construir o seu mundo e explorar a natureza. (Nietzsche explora muito essa visão).

Segundo as sua próprias colocações: "... o ateísmo tão somente é a opção de um indivíduo que não acredita em deus ou deuses. O ateísmo não é dogmático, não há uma doutrina ateísta, não há um propósito na negação, e também não precisa ser justificada."

É exatamente esse tipo de ateísmo que acho fundamental e importante: o ateísmo como simples opção, todavia, o que percebo é que muitos ateus se agarram ao cientificismo como instrumento de justificação dessa opção, o que acaba por fazer do ateísmo algo dogmático. Compreende? E nesse aspecto, os ateus cientificistas se tornam próximos dos dogmatistas religiosos, que se utilizam de seus livros sagrados e "santos" líderes carismáticos, assim como essa classe de ateus se utiliza do cientificismo e da exaltação aos grandes nomes da investigação científica. É exatamente por isso que possuo uma estreita relação com o agnosticismo e não necessariamente como o ateísmo em si.


O Que vem a ser essa funcionalidade?

A ciência possui em seu âmago, assim como a religião, instrumentos indispensáveis à condução política. Marx enfatiza muito isso em praticamente todo o seu projeto filosófico, enquanto que Nietzsche se preocupa com a idéia de condução política na religião. Sendo assim, a ciência (em suma totalidade, como instrumentalização da lógica e da racionalidade, como história, filosofia, física e etc.) jamais pode contradizer permanentemente o desenvolvimento da sociedade civil (o conceito de contradição no marxismo se estabelece como rompimento com antigos padrões de desenvolvimento para a aquisição de novos paradigmas, em suma, se estabelece então como re-construção), a ciência jamais pode se atrever a querer destruir a sociedade, onde (localização geográfica) participa ativamente na construção (obs: tal postulado seria um ótimo tópico de discussão política, e não necessariamente religiosa), mais ainda, a ciência jamais pode contradizer permanentemente os detentores de poder dessa sociedade, o que é uma minoria elitista. A ciência então se torna também um instrumento de condução das massas pela classe dominante como força de manipulação da consciência coletiva, ou seja, dos padrões sociais normatizados de verdade, beleza, moralidade, identidade, assim como as negações oriundas delas. Se a classe dominante achar por natureza que a religião é um eficiente instrumento de condução, ela será favorável a liberdade religiosa, a democracia é um exemplo disso.
Os processos que conduzem os instrumentos de produção de bens fazem com que a sociedade esteja sempre em processo de re-construção, intermediada por um estado de abandono de antigos paradigmas, por um estado de "destruição", num processo dinâmico que Marx interpretou como história. Em suma, a ciência, como motor responsável pela transformação dos meios de produção, altera os padrões que regulam a vida social e estes alterados, modificam a consciência individual, e este movimento: vida social- consciência individual, sendo intermediados pelos instrumentos e pela força de produção de bens, recebe sua origem na produção científica, na exploração no que há de obscuro no mundo, determinando o andamento da história.

A aplicação do conceito de funcionalidade está precisamente em todo tipo de verificação causal que tem como efeito a construção (mesmo que não seja permanente) da realidade social, cujo fundamento é o homem. É por tanto um conceito essencialmente pragmático e experimental. Todavia, entre os períodos de construção e re-construção da sociedade, períodos estes onde os paradigmas funcionam tão bem a ponto de se tornarem verdades, quando não absolutas, muito próximas disso, sejam elas religiosas ou laicas, existe um período de destruição. Nesse período a idéia de funcionalidade perde um pouco o seu valor, e com isso, tanto as doutrinas religiosas, quanto laicas tendem a se apoiar não mais num cientificismo, isso acontece exatamente por causa da transformação dos meios de produção e com isso, a progressiva aquisição de novos paradigmas. Essa transformação dos paradigmas se estabelece nesse período de "destruição" e somente nele como uma exaltação a subjetividade, onde tanto o cristianismo quanto o ateísmo são paradigmas oriundos de uma adesão existencial. Um exemplo típico que eu posso dar foi a segunda guerra mundial. Nesse período, a humanidade experimentou um grande desenvolvimento tecnológico e científico, que em sua maioria foi a responsável pela morte de milhares de pessoas, e foi exatamente esse paradoxo entre sentido social (desenvolvimento científico e tecnológico) e sentido individual (convicções pessoais, sejam elas a favor ou contra a idéia da existência de uma deidade), que tornou todas as certezas duvidosas, e a idéia de funcionalidade (nesse período) deixou de ser um padrão. O existencialismo ressuscitado durante e depois da segunda guerra é um produto direto disso, e nele tanto o ateísmo (Heidegger e Sartre) quanto o Cristianismo (Kierkegaard e Jaspers), passaram a ser vistos sem dogmatismos, como pura aceitação existencial.

Muitos ateus acreditam demais no progresso. O desenvolvimento científico e tecnológico visa a constante modernização dos instrumentos dos meios de produção, cujos donos são uma pequena minoria dominante e exploradora. Dessa maneira o desenvolvimento científico e tecnológico é um instrumento de dominação e exploração. Isso é progresso? Se há alguma coisa que estimule a barbárie é o desenvolvimento. Por outro lado, o progresso em si, seria o desenvolvimento proporcionado a todos e não apenas a um grupo limitado de pessoas que possam pagar por ele. Sendo assim, há progresso? O progresso é um mito justamente pela confusão entre desenvolvimento (o que é evidente hoje) e acessibilidade ilimitada a esse desenvolvimento (o que na prática, não existe).



“Quem criou Deus?”. Uma pergunta irônica. Na realidade, uma falácia. Essa pergunta é extremamente problemática, pois nos leva a uma redundância. Se para tudo existe um criador, logo, Deus também foi criado. Entretanto, quem criou o criador de Deus? E este criador de Deus, quem criou? Seria uma constante ad infinitum. Essa é a minha posição. Portanto, Deus somente pode ser o criador de absolutamente tudo ou absolutamente nada.

Entretanto, essa é uma questão que possui uma história que nasceu na idade média. Tomaz de Aquino se destacou por tentar provar a existência de Deus a partir desse questionamento. Aristóteles já dizia que tudo o que se move é movido por alguma coisa, dessa forma, ele deduziu que todo o movimento somente pode ser produzido por um ser imóvel. Aqui, Aristóteles estava falando de mecânica e física. Para a Biologia ele aplica o mesmo argumento. Tomaz de Aquino identifica esse motor imóvel a Deus. Para Aquino Deus para criar não pode ter sido criado. (essa é uma posição que já foi abandonada a muito tempo, apenas aceita por uma ala conservadora da igreja católica).

Por fim, existe um terceiro argumento que também compartilho: o teológico. Não podemos definir um criador para Deus porque não existimos antes dele. Como criador de tudo, ele também criou o tempo. Um Deus que existe ante do tempo não pode ter início e nem fim (esse último argumento é apenas lógico, não conceitual).



É comum a muitos ateus lançarem ácidas críticas à história do cristianismo. Primeiro porque questionam a existência real do homem Jesus. Entretanto, devemos considerar que a história, como instrumento objetivo de investigação, não pode expressar qualquer verdade. Não existe uma verdade histórica em si mesma. Até mesmo o próprio Marx irá justificar esse argumento na compreensão de que com a sociedade dividida em classes que estão em conflito, há sempre a história contada pelos que ganham e pelos que perdem.

Lucien Henry foi um escritor marxista do século dezenove. Ele escreveu um livro chamado “As Origens da Religião”. Sua proposta consiste lá para o meio do livro em provar que Jesus foi um mito, resultante da fusão de uma série de religiões de mistério. Ele chega a essa conclusão porque percebe que alguns elementos centrais da fé cristã também fazem parte de outras religiões. Sobre isso acredito não estar falando nenhuma novidade. Entretanto, o ponto mais forte de seu argumento está na comparação com outras culturas de um deus que morre e ressuscita. Sabemos que as culturas de onde se originaram tais religiões utilizavam tal estória como arquétipo, um mito cujo fim expressa apenas passar um conteúdo moral. O cristianismo por sua vez se destaca dessas culturas por fazer do mito um fato histórico: é isso que assusta (no sentido de surpreender) ou fascina as pessoas. É por isso que Henry tenta contesta-lo a todo custo, chegando ao ponto de afirmar que nem mesmo o homem Jesus existiu.

Hoje em dia não há um pensador sensato que concorde com isso. O homem Jesus existiu. Isso é um fato. Outro grande questão se trata das marcas que ele deixou em seu tempo: marcas profundas. Influenciados por essa questão alguns pensadores (como Kierkegaard) o comparam a Sócrates. Jesus foi um revolucionário e um visionário. Outro grande fato. A grande questão se encontra justamente me entender o que ele fez a ponto de ser igualado a Deus. Acredito que seja o seu amor. Já leu “O Anticristo” de Nietzsche? Curioso este livro porque ele basicamente não tem a pretensão de criticar a figura de Jesus de Nazaré que para o filósofo morreu por sua inocência e por ter um coração bom demais.

É ai que a o acontecimento de sua morte e ressurreição entra em cena. Outros messias de sua época também curavam pessoas e expelia demônios, algo comum a um povo miserável, contudo nenhum deles ressuscitou. Outro grande argumento ateísta contra o cristianismo se estabelece na ressurreição como fato histórico. Como entender então o crescimento da primeira comunidade cristã no primeiro século, mesmo diante de intensa perseguição e martírio com o seu líder morto? É obviamente impossível.

Contudo muitos ateus se mostram sensatos quando denunciam o abuso de relações entre o Estado e a religião. E é a partir dessa relação desastrosa que muitos descrentes costumam fundar seus argumentos contra o Deus judaico-cristão, definindo-o como vingativo e sanguinário. Não há deus verdadeiro que se estabeleça a partir de uma intervenção política. Foi o caso de Constantino, com a oficialização do cristianismo e posterior a ele com a institucionalização da fé, cedendo à igreja uma série de benefícios. Ambos sabemos que isso não é uma novidade, e que antes da oficialização feita por Constantino o cristianismo já existia. Nesse aspecto devemos notar algo que para você talvez pareça sutil: o modo como a comunidade cristã vê Jesus como Deus antes de Constantino é bem diferente do modo como a mesma irá vê-lo como Deus depois de Constantino. Tudo por causa da política. Antes, a comunidade cristã era perseguida pelas elites romanas por justamente se recusar a seguir a religião de Estado. Esse “antes” se aproxima bem mais do discurso de Jesus, e a pureza do cristianismo se estabelece ai. Depois, unida ao estado, a igreja de perseguida passou a ser aquela que persegue e mata. Algo bem estranho ao discurso de Jesus. Dessa forma fica subentendido que o cristianismo em sua natureza é estranho ao Estado, logo, que o Deus cristão também o é.

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