O que segue é um texto antigo que escrevi quando completei meus dezoito anos (hoje tenho vinte e quatro. Uma época de ruptura de paradigmas e ilusões. O início do meu amadurecimento como homem e ser humano. Se trata de um texto melâncólico e poético, que sintetizam reflexões que amadurecidas anos depois irão produzir meu livro "Biografia Anônima" e seu discurso predominantemente crítico sobre o conceito contemporâneo de amor. Uma diferença drástica. Se neste texto, a primeira impressão leve a compreender o autor com certa inocência, é correta tal interpretação. Os resultantes deste texto ao longo do tempo produziram reações bem diferentes.
Meus Dezoito Anos
A vida é uma dor, a maior de todas as dores, tão intensa que chega a deixar de doer, é só por isso que muitos homens ainda conseguem rir. Se eu fosse correspondido pelos sorrisos que dou, pelas palavras de ânimo que saem da minha boca, mesmo quando em mim não há ânimo algum, e principalmente pelo que eu sou jamais eu poderia dizer: " a vida é uma dor..." Tenho tantas dores no meu coração. Nunca cheguei a ser amado por uma mulher, eu sempre fui tímido no amor e para piorar, nunca correspondi ao sonho de beleza de nenhuma jovem, me pareço muito com o patinho feio... Estou destinado a viver só. Quem conseguiria resistir com as minhas dores? Quem continuaria a querer viver? Eu já não vivo. Não existe em mim qualquer ideal de felicidade, já não aspiro nada de hoje ou de amanhã, para mim só me resta a obrigação de suportar cada dia por vez. E isso é só o começo: tenho uma fama muito peculiar: eu sou o inútil, o desgraçado, a praga e etc. Eu sempre estive muito próximo da escória, eu sou o enfermo e a doença.
Como é bonito ver os sorrisos das mulheres, todavia, eles me fazem chorar, porque eu sei que nenhum deles foram dados a mim. Como eu poderia ver então beleza no mundo? Recentemente algo quase me fez chorar: uma mulher me disse que eu dei sentido a vida dela, entretanto ela está tão longe de mim...minha relação com as mulheres é uma ironia. Se pareço muito trágico em minhas palavras, saibam que minhas palavras só demonstram o que eu vivo, e do que jamais eu posso escapar, falo de uma forma trágica porque minha existência é uma tragédia.
Perdi secretamente o gosto pelos elogios, não os suporto mais, mesmo os que são ditos verdadeiramente por um bom coração. Eu perdi a esperança em mim mesmo e não sou digno de pena, só espero não viver para sempre com meus pais. A coisa que eu mais anseio agora é a solidão, porque a solidão me quer, talvez a minha angústia aumente. Eu não sei o que me espera daqui a dez minutos, sendo assim, o que seriam dez minutos? Dez minutos seria nada...O que será da minha vida daqui a dez anos? Eu nada sei sobre a minha vida...eu só sei que ela é um nada. O que há então para comemorar? Absolutamente nada, porque nada é a vida que vocês comemoram hoje...
Sou grato a muitos amigos, meu aniversário de dezenove anos demonstrou que sou querido por aqueles que na ocasião nem me conheciam direito, todavia, o difícil é achar alguém que chore comigo. Parte dessa ausência é culpa minha. Com quem eu já chorei? Eu mereço chorar sozinho. Não acredito mais nos castigos de Deus: a idéia de castigo sempre esteve em mim vinculada ao conceito de se sofrer uma pena sendo inocente; só Jesus foi castigado, eu por outro lado sou sempre o culpado. Toda a alegria de mais uma primavera amanhã vai passar, tudo retornará ao normal, tudo será para mim, triste como antes. Me censurem os teólogos e todos os que e consideram cristãos. Quem é capaz de censurar as lamentações de Jeremias? Quem é capaz de censurar as lamentações de Jó ( Jó 30 )? Quem é capaz de censurar as lágrimas angustiantes do cristo no monte das oliveiras? Quem é capaz de censurar-lhe o seu " ...eloi, eloi, lama sabactâni ? " ? Se eu choro e lamento quem é capaz de me censurar? Não espero compreensão, só Deus é capaz de me compreender, um Deus que eu e nem ninguém pode ver. Aproximo-me então da loucura. Quem poderia justificar o ato de Abraão em sacrificar o seu próprio filho Isaque, para um Deus que ele não via? Ninguém podia justificar Abraão a não ser o próprio Deus, um Deus que nem o próprio Abraão via. Quanta loucura em Abraão! Uma loucura do tamanho da sua fé.
Não sei o que me espera amanhã, mas que o amanhã seja algo que me espere, que eu possa alcançar, e se eu não puder alcançar, que minha mensagem tenha o poder de fazê-lo por mim, mas para todo aquele que se sente como eu. As pessoas me observam e eu odeio isso, algumas para ter razões para me censurar, me chamar de pecador, de condenado ao inferno, outros para me admirar. Quantas mães já me quiseram apresentar para suas filhas! Quantas mães já me tornaram um modelo ideal para seus filhos! Cheguei à conclusão de que eu não sou nem um santo nem um pecador, eu sou ambos, eu sou um paradoxo. Como você me vê? Não há alternativa para essa pergunta: eu não posso ser definido, só Deus me define, mas quem já viu a Deus? Definir-me pertence a Deus e a mim, a mais ninguém. Diante de Deus todos os homens estão sós, e eu também, só o que me resta nessa vida é a solidão, não só a mim, mas a todos os homens.
O que me resta? Sou um nada que é só, um nada que é só nada, e assim eu sou eu mesmo. Não posso escapar de ser a mim mesmo, não posso escapar de condenar toda a futilidade do mundo e das pessoas reduzidas às coisas. Eu não sou uma coisa, eu não sou um objeto, mas muitos me querem assim, e se eu faço objeção a isso, tenho a facilidade de magoar. Prefiro então me isolar em mim mesmo. Quem é Diogo? A língua latina me diz que sou inteligente, gentil e educado, mas também me diz que é um dos nomes medievais atribuídos ao diabo. Os gregos com seu didaticus dizem que sou didático, dado ao ensino. A gentileza, a educação e a inteligência também podem servir como instrumento de manipulação do mal através do ensino, o mal manipula através do que o manipulado acredita como bom. A bondade jamais manipula, ela é liberdade, por isso é sempre considerada pelo manipulado como uma coisa ruim. A dor que eu sinto diante da vida nada mais é do que o sintoma da minha própria metamorfose, do demônio que Deus quer reabilitar a anjo de luz. Os demônios do inferno não sentem essa dor da vida, por isso eles jamais podem ser por Deus reabilitados. A metamorfose é uma dor necessária à todo homem, e se é necessária, que os homens me deixem com a minha dor.
A vida é uma dor, mas a dor redime e nos transforma em algo mais duro, impenetrável. Não sou nenhum sádico ou masoquista em dizer isso : se a vida é uma dor e a dor redime, a vida é em ultima instância redenção. Eu vivo e na minha vida eu sofro e me redimo, eu sou redimido enquanto vivo a minha dor. Só Deus me define pois só Deus me justifica, só Deus me redime. Deus me redime pela dor, uma dor que é minha e que permanece em mim, permanece porque nela Deus visa em mim algo maior, ser aquilo que nasci para ser, para qual Deus determinou e que ainda não cheguei a ser. Alcançar a redenção é superar a dor, é alcançar aquilo que comumente se entende por felicidade, mas se a vida é uma dor, a felicidade noutro modo não está na vida, ou no que se entende vulgarmente como tal, a felicidade está na superação da vida. Não entendo o termo superação como um " estar além ", estar além da vida significa uma meta da vida. Superação da vida é uma super - ação, é uma plenitude de vida e plenitude não está no viver aqui e agora, pois o aqui e o agora é só vida, é dor, a plenitude está em sempre viver, sem aqui e sem agora, a plenitude da vida é uma vida eterna, a plenitude da vida é a eternidade, e a eternidade é a redenção, é a felicidade, liberdade do julgo escravizador do tempo.
As palavras eloqüentes permanecem vazias para aqueles que não as entendem, todavia, não há um homem sequer que não possa compreender que a vida é uma dor, e que por isso também possa compreender que sua redenção está nessa dor, superando assim a vida, na eternidade. Enquanto vivo a vida do aqui e agora como meus fúteis vinte anos, olho para a frente e anseio ardentemente a eternidade, e isso, enquanto vivo, já é uma nova dor. Cristo com sua morte e ressurreição, com seu sangue sua dor me ofereceu a eternidade, e para recebe-la aceitei um compromisso : tenho que compartilhar com cristo o meu sangue e aminha dor também, eu tenho que aprender a compartilhar uma cruz, os cravos, as lágrimas, só para depois aprender a compartilhar o pão. É necessário sentirmos as dores do mundo para que possamos cuidar dele melhor. Essa é a vida que eu quero e se ainda não a tenho ainda, que minha dor permaneça até que eu alcance a redenção em Cristo Jesus.
Já estou crucificado, todavia, ainda não chegou o meu momento de render o espírito, agonizo então na minha cruz..." ...porque o amor é forte como a morte.." Já dizia Salomão nos seus cânticos à filha de Faraó, só é capaz de amar aquele que é capaz de morrer, Deus só nos ama porque morreu por nós, e a intensidade do seu amor está no tipo de morte que sofreu...o amor está na dor e a intensidade do mesmo está no tipo de morte que se sofre...Deus me fez morrer para poder amar de uma forma que eu mesmo não conhecia, Deus me fez morrer para amar até a morte...Amar até a morte significa amar em todas as circunstâncias, mesmo quando não se é amado...eu já estou morto, entretanto, Deus requer de mim amor. Amar é um desafio mortal, se estou pronto para tanto eu não sei, só o que me cabe em toda a minha solidão e dor diante do mundo e da vida é diante de Deus dizer : " eis -me aqui..."
Toda a minha indignação contra a minha própria existência, suscitava em meu interior questões que eu mesmo não podia responder: Porque eu sofro assim? Porque tudo aquilo que durante anos eu planejei e construí para mim se desmorona assim tão fácil em segundos? Quando mais ninguém podia me dar uma resposta, Deus assim o fez, no silêncio: " No princípio criou Deus os céus e a terra." Assim nos diz o gênesis. Eu nada crio, só Deus cria, porque só se pode criar do nada. Deus cria do nada, e eu me pergunto: O que eu me tornei? Tornei-me absolutamente nada... é a partir desse nada que Deus resolve criar, do nada que sou eu, mas eu nem sempre fui um nada, eu tive sonhos, projetos para mim mesmo, todos ao longo do tempo foram destruídos, e sei que o foram pelo próprio Deus, a fim de que pelo nada que sou, Deus se manifeste como o meu criador. "...Eis que faço novas todas as coisas..." Assim diz o senhor Jesus no apocalipse, tudo isso me ensinou que todo grande fim é o sinal de um novo começo, e que toda destruição é sempre a construção de uma coisa nova, e é isso o que eu sou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário