Uma lembrança:
Subindo a escada, Simão estende uma
placa na fachada da pequena igreja recém inaugurada: “Igreja Batista em
Jardim Esperança: Uma Igreja Homofóbica”.
- Homo o quê pastor? Um dos membros
perguntou.
- Homofóbica. Significa que não
apoiamos essa tendência das políticas públicas de forçarem as igrejas a
abençoarem e realizarem casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Explicou o
pastor.
- Mas nós não somos homofóbicos de
verdade. Não lutamos contra os homossexuais, pessoas que Deus ama, mas sim
contra o homossexualismo em si e a tentativa de algumas igrejas em legitimar
tal prática nas escrituras, o que é de fato absurdo. Conclui um dos diáconos.
- Pois é meu irmão, mas é assim que
a lei define pessoas que pensam dessa maneira. Resolvi então apelar para o
escracho e o deboche como forma de protesto. Simão justifica.
- Mas fazendo isso o senhor corre o
risco de ser preso pastor!
- Eu sei. Tenho o direito a cela
especial, uma cama confortável e televisão. Vou comer e beber às custas do
Estado, terei tempo de sobra para minhas devocionais, evangelizar outros presos
e escrever. Falou Simão ironizando.
Todos começaram a rir, tendo por
encerrada a discussão.
No dia seguinte duas viaturas da
polícia estavam paradas na porta do templo. Procuram o pastor.
- Pois não, é ele mesmo.
- Recebemos uma denúncia e estamos
aqui para averiguar: ou o senhor retira a placa ou seremos obrigados a
prendê-lo.
O pastor ergue as mãos juntas.
Recebe um tapa na nuca.
- Tá loco! Replica o policial.
- Você me permitiu uma escolha.
Estou fazendo a minha.
Diante da multidão de curiosos e de
algumas mulheres chorosas e alguns membros indignados da pequena igrejinha, o
investigador, vermelho de raiva, estava inquieto e pensativo. Não queria
prender ninguém, mas bem ali, naquele momento, se fazia de Pilatos: ou cumpria
o que a lei o exigia ou corria o risco dele mesmo ser afastado de suas funções
e até ser preso por insubordinação.
Respira fundo e decide:
- Não vamos prender ninguém.
Todos respiram aliviados e começa
uma nova discussão entre o povo.
Mas ele continua e sua voz abaixa
novamente os ânimos:
- Não vou prender ninguém, mas vamos
ter que fechar o templo.
Calmo, o pastor Simão responde:
- Tudo bem.
Todos ficam perplexos com a calma
com que Simão resolve a questão. A polícia vai embora e a multidão se dispersa.
No dia seguinte a congregação se
reúne do lado de fora do templo. Uma nova denúncia. Novamente a polícia aparece
espera até o fim do culto.
O culto se encerra e logo o pastor é
interrogado:
- O que o senhor está fazendo? Ficou
louco?
- Fui impedido de realizar meus
ofícios dentro do templo. Será que fora também? Vocês podem fechar o templo,
mas não a rua.
- O senhor está preso por desacato.
Calado, o pastor é algemado e
conduzido até a delegacia. É julgado e condenado a um ano de reclusão.
Subindo a escada, o diácono retira a
placa e a substitui por uma outra: “Igreja Batista em Jardim Paraíso: Uma
Igreja Inclusiva”. Alguns membros insatisfeitos se desligam, contudo, em apenas
seis meses o número de fiéis triplica e o espaço físico do templo aumenta,
muitos deles, homossexuais e simpatizantes.
Os dois se olham e no final do culto
conversam. Passam a namorar. Quase dois anos depois noivam, e em pouco tempo
estão casados com toda a pompa e as bênçãos da igreja. Passam a lua de mel no
exterior. Passam o primeiro, o segundo e terceiro mês. Aparentemente tudo vai
bem, embora secretamente algo inquiete o marido, pois fazem meses que não se
têm notícia da menstruação da esposa. Pensa se tratar de um problema hormonal
passageiro. Ele quer um filho. Ela afirma ser estéril. Mesmo assim, tendo sido
todos os problemas esclarecidos, tudo está relativamente bem. Planejam então
adotar uma criança.
Certa vez, procurando no armário
alguns papéis relevantes para o processo de adoção, entre alguns documentos
encontra uma carteira de identidade com o nome inscrito: Carlos Henrique Oliveira, tendo ao seu lado uma foto antiga de um
homem moreno e robusto, cujos traços fortes recordam o de sua esposa. A
princípio, pensou tratar-se de algum parente dela que desconhecesse,
entretanto, o que o documento tão importante de outra pessoa estaria fazendo
com ela? Será que ela o estaria traindo? Resolve contratar um detetive
particular para segui-la, contudo, cujos esforços foram sem êxito.
Alguns meses passam e um dia, sem
hesitar, deitados na cama, antes de dormir, diante dela ele expõe a prova do
crime:
- O que é isso? Fala o marido
tranqüilo.
- É um RG. Responde calma a esposa.
Enfurecido o marido berra:
- Sua cínica! O que é isso?
A mulher se desmancha em lágrimas, e
soluçando começar a implorar:
- Desculpa. Por favor, desculpa..
Por favor, desculpa...
Ela conta tudo. De que havia nascido
homem, mas que com o tempo resolveu ser mulher. Tomou hormônios, retirou todos
os pêlos do corpo a laser. Deixou crescer os cabelos castanhos e passou a se
vestir como uma jovem mulher ao redor dos vinte anos. Com o apoio dos pais, se
tornou cabeleireira, juntou algum dinheiro, fez implante de silicone e
realizou a cirurgia de mudança de sexo
no exterior. Mudou de nome, assim como alterou todos os documentos. Para quem
olhasse, não havia dúvidas, era uma mulher!
Contudo, evangelizada, decide
visitar a igreja de Jardim esperança. O comovente sermão do pastor impressiona.
Passa a freqüentar a igreja com freqüência. Numa dessas oportunidades, diante
de um emocionante apelo, se dirige à frente, aceitando a mensagem do evangelho.
Terminado o culto, conversa com o pastor à parte. Conta a sua história e o seu
novo dilema: como se tornar um homem? O pastor fala um pouco sobre como a
bíblia vê a homossexualidade, e lhe aconselha a comportar-se como um eunuco,
dedicando-se exclusivamente a Deus.
De fato, o corpo se tornou um problema. Se parasse de tomar os hormônios, a silhueta
feminina se deformaria, aliada ao silicone e as cirurgias, não seria nem homem
ou mulher, mas um monstro indefinível. Ganharia aspectos grosseiros, teria
vergonha de sair de casa, depressão, morte. Prefere continuar vivendo da mesma
maneira. O pastor entende como uma libertação progressiva, e por isso, não se
opõe.
O tempo passa, e um novo visitante
da congregação lhe chama a atenção. Estando inocente o rapaz, eles se olham,
conversam no final do culto, namoram e noivam. O pastor se interpôs:
- Ou você realiza o nosso casamento,
ou então eu o processo.
Contrariado, o pastor faz a
cerimônia.
Um filme passa na cabeça do esposo.
Longos e profundos beijos, declarações públicas de amor, a lua de mel.
Um comentário:
Tragédias dos anos 10 huahua
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