É estupidez oferecer algum crédito a debates desnecessários: Porque Deus permite o mal? Porque Deus permite que crianças inocentes morram de fome na África ou em guerras no Oriente Médio? Somos livres ou predestinados? É a bíblia confiável? E por ai vai. Os questionamentos são infinitos. Contudo, a maior parte deles é oriunda de uma certa confusão mental a respeito da história, método e objetivos de uma boa reflexão teológica.
Tentarei ser sucinto. A teologia possui como prerrogativa fundamental responder três questões: “Quem é Deus?”, “O Que ele quer de nós?” e “O que nós queremos dele?”. Ela pode se esforçar em responder essas questões de duas maneiras específicas. Uma, crítica, utilizando-se de elementos de várias ciências, como crítica literária, filosofia, história e etc. Nesse sentido a teologia constitui uma ciência como as demais, pois seu interesse limita-se a investigação cultural, histórica e social da forma como os homens compreenderam o sagrado e tentaram de alguma forma defini-lo. Tratando-se da bíblia, um documento importante nessa investigação, a partir da análise crítico-textual, procura-se entender como seus redatores entenderam a partir de épocas distintas a relação de um povo com seu Deus. O que significa também entender como a idéia de Deus foi evoluindo histórica e sociologicamente.
Nesse sentido, os vários redatores da bíblia não são uníssonos entre si. Um exemplo simples: como pode o mesmo Deus do primeiro testamento, que ordena a morte de pecadores, ser o mesmo do Novo Testamento, que lhes concede o perdão? Uma pergunta que tira o sono de muitos cristãos. Porém tratando-se de crítica textual, fazemos algumas descobertas interessantes sobre isso: 1) Segundo Julius Wellhausen o Pentateuco trata-se de uma construção teológica plural, posteriormente reunida, já tardiamente. Se de fato existe uma contribuição mosaica em sua redação, como atesta a tradição, é mínima, porém nuclear. Há pelo menos três escolas teológicas no Pentateuco: Eloísta, Javista, Sacerdotal e Deuteronomista. Divergências nessas tradições serão inevitáveis. O que acontece é que elas foram reunidas a fim de formarem um único texto, uma única fé e um único povo. 2) Essas teologias evoluem pois expressam a transformação de um povo semi-nômade em sedentários à politicamente organizados. 3) O Pentateuco não fala sobre a vida pós-morte. Sua teologia, é efetivamente da vida cotidiana. Não há, da parte de Deus, promessa de céu ou inferno, mas sim de uma vida próspera e longa. Tanto que os judeus ortodoxos na época de Jesus (saduceus) por terem apenas o Pentateuco como livro de fé religiosa, não acreditavam em vida após a morte.
O que se conclui a partir de tais fatos? De que há uma evolução da idéia de Deus e do homem, e que esta idéia está vinculada a interesses sociais concretos. A morte (judicialmente imposta) é a sentença contra quem se torna uma ameaça ao status quo, que no contexto, é a maior prioridade para uma nação que ainda está em formação, onde o todo acaba sendo mais importante que o indivíduo. Com o esfacelamento do poder político, a prioridade passa a ser o indivíduo. De uma vida próspera e longa, oferecida à nação por Deus, pela obediência às leis político-religiosas, uma vida eterna é oferecida no lugar.
Contudo, há uma segunda maneira de se fazer teologia. Respondendo de maneira diversa suas prerrogativas fundamentais. Embora do ponto de vista crítico a teologia passe por uma evolução histórica, há elementos que ao longo dessa história, de uma forma ou de outra, tornaram-se permanentes. Isso acontece porque tais teologias, embora diversas, são produzidas por um mesmo povo. Esses elementos permanentes constituem objeto de interesse da teologia dogmática, e se limitam a elaborar as afirmações de fé de uma comunidade religiosa. Muito da teologia dogmática que produzimos hoje tem sua origem com a cristianização do império romano por Constantino, na formação definitiva do canôn bíblico e dos primeiros concílios da igreja: de que Deus é perfeitamente bom, pessoal, onipresente, onisciente e onipotente.
É esse o tipo de mentalidade formadora da maioria das comunidades religiosas (cristãs) existentes hoje. Uma mentalidade afirmativa, que anteriormente unida ao Estado, detinha o poder de coação. Sem o Estado, a igreja, diante de um mundo cada vez menos dependente dela e de suas respostas, torna-se a coagida. Sua mentalidade afirmativa não se sustenta por si mesma.
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