Embora
assuste a muita gente, o cristianismo nunca pretendeu ascensão social. Sempre
se aproximou das párias, dos iletrados, infratores, pecadores, injustiçados e
perseguidos. Sempre esteve ao lado deles. E por isso, em sua história, foi
considerado um movimento sem expressão. Com a helenização do mundo antigo, isso
tornou-se evidente: a fé na ressurreição de um judeu não se tratava de um
discurso válido num mundo cada vez mais racional. O cristianismo não se tratava
na defesa de uma ideologia. Sem expressão social o discurso cristão tratava-se
de um discurso sem credibilidade, portanto, ignorado, contraditado, ridicularizado,
esquecido, perseguido, pois reagia violentamente contra a noção cultural que o
mundo antigo tinha de verdade e bondade. Reagia contra aquilo que o mundo
antigo entendia como as coisas são ou deveriam ser. Não se preocupem com isso.
Esse mundo antigo, de tão antigo, continua se repetindo. Pensem bem: você
também não acreditaria se alguém pregasse a ressurreição de um Deus, que ao
invés de Jesus, tivesse outro nome. É o mais racional a se fazer. Acontece que
o cristianismo não se trata de uma doutrina filosófica ou teoria bem construída
sobre Deus. O cristianismo trata-se de uma experiência com esse Deus.
Por
outro lado, oposto ao cristianismo está a cristandade, que consiste no
cristianismo descaracterizado por interesses políticos e econômicos. Ele está
interessado em ascensão social, e para isso, ocupa o lugar dos poderosos, faz
amizade com políticos e assume um discurso de moralidade. O discurso promovido
pela cristandade, tendo em vista os interesses das massas, é capaz de sujeitar
até os poderes do Estado, ou então o seu oposto, de deixar-se submeter aos
interesses do Estado. A cristandade assume o discurso da racionalidade, que não
é universal, mas localizada no tempo, e com ela, nasce a teologia, a
escolástica, a retórica, e sua proposta em sistematizar o cristianismo e
torná-lo culturalmente tolerável. Com o tempo, uma nova racionalidade contesta a
outra, e de tolerável, a cristandade se aproxima hoje, com a racionalidade
científica, de um novo absurdo. Mas confundiram a cristandade com o
cristianismo, sendo assim, o absurdo que é a cristandade, tornou-se a chave hermenêutica
para se interpretar o absurdum que é
o cristianismo. Não espere respeito de um mundo laico. Ele não terá pena de
você. O cristianismo não assume o discurso da moralidade ou da racionalidade,
mas sim da paixão. E alguns cristãos, tentando ainda algo que os convença a
permanecerem de alguma forma justificável em sua fé, enlouquecerão.
Um comentário:
Rapaz, isso é uma resumo completo, muito bem construído, sobre essa apostasia generalizada e cultural.
Aparou bem as bordas. Mas ficou tão bem explicado, que dá até medo avançar pelo caminho estreito.
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