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sábado, 5 de janeiro de 2013

O Amor é a Porta do Paraíso



Recentemente terminei de ler o livro de Lisa Miller Paraíso: nossa eterna fascinação com a pós-vida (Ed. Nossa Cultura/ 2010) onde a autora procura compreender a evolução histórica da idéia de paraíso nas religiões monoteístas, desde o contexto por onde essas teologias surgiram, até os dias atuais onde essas teologias oferecem apenas o ponto de partida para uma infinidade de insights individuais sobre o que nos espera depois da morte. O livro deixa evidente a preocupação que o homem contemporâneo tem com a sua felicidade. Quase uma obsessão. Não apenas nesta vida, mas, principalmente na próxima. Isso acontece pela constatação de que a busca pela felicidade individual está por si mesma condenada ao fracasso diante de tantos impedimentos, principalmente o da competição entre os homens, onde a felicidade de um, determina a infelicidade do outro. A idéia do paraíso constituiria, portanto, a vida da plenitude do desejo: cristãos vagam por entre ruas de ouro e outras pedras preciosas, mulçumanos têm a disposição dúzias de virgens (embora alguns teólogos do Islã contestem o termo houris, virgem em árabe, como específico a escravas sexuais) e judeus estarão reunidos ao seu povo.

Muito embora os textos sagrados dessas religiões contenham imagens desse tipo, particularmente, não compreendo o paraíso como o lugar da plenitude do desejo individual como uma questão central, dogmática. O paraíso não constitui apenas o lugar da plenitude do desejo, pois nesse caso, insistiriam nossos estudiosos em religião, sua causa seria inteiramente material, idealização de um desejo infantil e reprimido por felicidade. O paraíso também é o lugar do trono de Deus, antes, segundo a tradição judaica, inacessível aos homens. O paraíso constitui o lugar daquele que encontrou em Deus a plenitude do seu desejo. É por isso que o martírio é compreendido como acesso direto ao paraíso: o mártir é aquele que faz de Deus a plenitude do seu desejo.
Outra questão que o livro levanta indiretamente é a memória. Atualmente a crença no paraíso está relacionada ao contato permanente com as pessoas que amamos: pai, mãe, irmãos, a família de uma forma geral. Um tipo de teologia bastante defendida pelos mórmons, onde não apenas os laços de sangue são defendidos como perpétuos, mas também a memória. Teremos memória na eternidade?
A memória constitui a individualidade. A teologia bíblica insiste na perpetuidade dessa individualidade, logo, da memória. Jesus ressuscitou com memória, sabia quem era e quem eram seus discípulos (Cf. Lc. 24.36-51). Os mártires exigem justiça diante do trono de Deus a respeito de tudo o que sofreram e do testemunho que deram (Cf. Ap. 6.9-10). Por outro lado, a perpetuidade da memória colabora (e muito) para a crença na perpetuidade dos laços afetivos, o que o próprio Jesus condenou em seu debate com os saduceus (Cf. Mt. 22. 23-33). Como é possível a perpetuidade da memória sem a perpetuidade dos laços afetivos? Uma questão não tão fácil de ser respondida. O rico no hades, segundo uma das parábolas mais conhecidas de Jesus, sabe quem é, quem são seus irmãos e seu pai. Ele tem voz ativa no texto em seu diálogo com Abraão (Cf. Lc. 16.19-31). Lázaro por outro lado é consolado no seio do patriarca (a TEB traduz o texto colocando Lázaro ao lado e não no seio de Abraão). Lázaro não interage com o rico ou se pronuncia sobre o assunto. Abraão é o mediador da conversa e deixa explícito a impossibilidade de interação entre os dois. Lázaro não tem voz no texto.
A ausência de laços afetivos na eternidade também coloca algumas questões importantes: define o amor como o bem que nasce do constante risco da perda. O amor a Deus e ao próximo, ao amigo e ao inimigo nascem do constante risco que temos em perdê-los eternamente. Daí a urgência em amar. Porque a morte irá extinguir eternamente nossas formas convencionais de nos relacionarmos. Embora limitado, o amor concede aos nossos relacionamentos provisórios sua importância na temporalidade. Sendo assim, acredito que uma parte da nossa individualidade, logo, de nossa memória, particularmente, a mesma envolvida na forma como moldamos culturalmente nossos relacionamentos hoje, se extinguirá para sempre. A mesma que nos separa e nos divide. A mesma que nos faz pensar em nossos desejos individuais. Sendo assim, não posso compreender o paraíso como o lugar da plenitude do desejo individual, mas sim, do desejo coletivo. Onde todos querem a mesma coisa. Onde a “pureza de coração é querer uma só coisa” conforme escreveu Soren Kierkegaard num de seus discursos edificantes. E quem descobriu isso, descobriu o segredo do paraíso. 

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