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sábado, 19 de janeiro de 2013

Abraão, Um Pagão?



“... quando o áugere cumpre a sua tarefa e declara que o deus reclama o sacrifício de uma jovem, o pai deve então, heroicamente, efetuar tal sacrifício. Ocultará com nobreza a sua dor, apesar do desejo de ser o homem insignificante que ousa chorar, e não o rei obrigado a agir como tal. E se, na sua solidão, o coração se lhe enche de dor, não tendo entre o seu povo senão três confidentes, em breve todos os súditos conhecerão o seu infortúnio e a nobre ação de consentir, no interesse geral, o sacrifício de sua virgem e amada filha (...). A diferença que separa o herói trágico de Abraão salta aos olhos. O primeiro continua ainda na esfera moral (...). Muito diferente é o caso de Abraão. Por meio do seu ato ultrapassou todo estádio moral (...). Não age para salvar um povo, nem para defender a idéia de Estado, nem sequer para apaziguar os deuses irritados. Se pudéssemos evocar a ira da divindade, essa cólera teria unicamente por objeto Abraão. Assim, enquanto o herói é grande pela sua virtude moral, Abraão é-o por uma virtude estritamente pessoal.  (Soren Kierkegaard em “Temor e Tremor”).


É difícil deixar-se convencer por Abraão, pois os deuses de outros povos, cada um à sua maneira, exigiam jovens em sacrifícios. Sendo assim, torna-se difícil distingui-lo de um pagão, de um adorador de ídolos, de uma ficção. Em que difere Abraão de um simples camponês grego que igualmente entrega sua única filha para ser sacrificada aos deuses? Os deuses exigem virgens, e em troca, garantem a proteção da cidade contra os desastres naturais e guerras. Garantem boas colheitas e rebanhos cada vez maiores. O pai, ao entregar sua única filha ao sacerdote, embora a ame com todas as suas forças, com o seu coração partido, prefere desistir dela pois sabe para que ela está sendo sacrificada. As colheitas e os rebanhos, assim como a paz entre os vizinhos precisam continuar. Seu gesto de desapego será visto como heroísmo e será recompensado por isso. Ele receberá homenagens e serão escritas dúzias de canções e livros sobre seu feito. Mas ele ama sua filha, e por isso prefere suportar em silêncio, até o fim de seus dias a dor em perdê-la. Mas ele sabe porque a perdeu e os efeitos disso.

Abraão não sabe de coisa alguma. Deus lhe exige de volta o que lhe deu. Seu ato não defenderá o bem de quem seja, nem mesmo o seu próprio bem. Sendo assim, nada pode justificá-lo. Ele não será honrado ou terá seu nome louvado entre o povo. Terá de suportar em silêncio sua dor. Não, Abraão não se iguala aos homens de seu tempo. Foi-lhe exigido superá-los. Mas não sem dor, sem angústia, sem solidão. Seu ato de fé o tornava um homem singular, como nenhum outro, em toda a história. 

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