Chega a hora em que até
mesmo o mais fervoroso defensor da ortodoxia cristã secretamente se pergunta em
seu coração: “Deus realmente existe?”. Duvidar faz bem. Nossos maiores teólogos
possuem biografias marcadas por muitas dúvidas atormentadoras. A dúvida
alimentou o legado de cada um deles, e tenho a absoluta certeza que mesmo no
leito de morte, deixaram esse mundo com outras tantas interrogações que jamais
saberemos. Por outro lado, as respostas que possuíam, mesmo que provisórias,
eram fruto dessas interrogações. Sendo assim, teologia nem sempre precisa ser
encarada com algo ruim.
Deus existe? Foi o
mundo projetado por uma inteligência superior? Ao nos fazer essa pergunta a
vida parece ser cada vez mais absurda e contraditória. Entretanto, se há algo
que mereça ser levado a sério nessa questão consiste em saber se Deus é ou não
um produto cultural, originário de povos nômades e seminômades do deserto, como
também, o real motivo para se cultuar esse Deus. Tudo o mais é secundário e até
mesmo desnecessário discutir, tendo em vista o fato de que por via de regra,
religiões são, seguramente, um produto cultural.
Há bons ateus, que
apenas estão sendo honestos consigo mesmos ao afirmarem não possuírem fé
alguma. Entretanto, alguns deles, como muitos cristãos fundamentalistas,
costumam ler a bíblia como lêem os jornais: literalmente, como se a bíblia
fosse um livro de história, quando se trata de uma interpretação teológica (de
intervenção divina) sobre a história. Ateus dessa espécie são apenas o ranço
social gerado entre a crise de uma hermenêutica (ortodoxa - literal) e o
nascimento de outra (liberal- metafórica). Ateus e cristãos dessa espécie lêem
a bíblia a partir da cultura em que estão situados, o que constitui uma
agressão ao texto. É preciso ler o texto a partir do meio cultural que o gerou,
sem essa perspectiva, Deus não pode se inserir em nossa cultura, pois sempre
será visto como um monstro intolerante que terá adoradores da mesma espécie.
Se há alguma diferença
entre Deus e religião (rito, liturgia, e etc), é que esta última é plenamente
compreendida como um produto cultural, e por isso transitório, enquanto que a
primeira corre o risco de não o ser completamente.
É preciso se
compreender porque se busca esse Deus. Talvez, a iniciativa mais honesta para
essa busca seja uma certeza e consolo para a insegurança da morte. Podemos
definir a vida como boa ou ruim se a comprarmos com a vida de outras pessoas,
todavia, se nossa referência se torna a própria morte, nossa forma de avaliar
se torna diferente. A vida se torna um valor fundamental. Pobres querem viver
tanto quanto ricos, mesmo que continuem pobres.
É a vida uma causa
perdida? Como costuma indagar aos seus convidados Antônio Abujamra em seu
programa “Provocações”. Se for, tudo é uma causa perdida, inclusive o humor, a
ironia, a crítica a que muitos bons ateus se propõe a realizar não apenas
contra os abusos das instituições religiosas, como das próprias injustiças
sociais. Se a vida é uma causa perdida apenas nos resta a apatia. É nesse
sentido que acredito que a fé em Deus (ou sua descrença) pode ser algo útil para
ateus e cristãos, pois se torna um instrumento de ânimo contra um vida que
parece perdida.
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