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domingo, 17 de fevereiro de 2013

Capítulo Sete de Absinto



Havia prometido e hoje cumpriria sua promessa. Decidiu voltar a terra. Como assim entendia, recompensaria os fiéis e puniria os maus. Julgaria a humanidade. Tanto de vivos quanto de mortos, segundo suas ações. Condenaria os pecadores e laurearia os santos com a entrada no paraíso. Sim, eu sabia quem ele era e tudo o que haviam dito a seu respeito. Conhecia as polêmicas que envolverão seu nome, das boas às ruins. Daquelas que mencionam dinheiro, sexo, obediência cega às autoridades religiosas e politicagens, até outras bem diferentes, que falavam da bondade que anônima na história, era feita por gente simples que nunca deixou de evocar seu nome em tudo o que fazia. Gente que se sacrificou por pessoas que simplesmente não conhecia. Que lutaram em seu nome, contra regimes políticos tiranos, que evocaram até o próprio Deus como seus legitimadores. Pessoas que se dedicaram a contestar a miséria de uns e a abundância excessiva de outros.

Jesus voltou, e percebeu que o mundo continuava o mesmo, ou até pior. Não esperava que o mundo mudasse. Não esperava que os homens se tornassem melhores. Sabia que tal como ele, sua doutrina seria ignorada, contraditada, corrompida das mais diversas maneiras ao longo da história. Que sua crucificação ainda continuaria depois dele. De uma outra forma. Jesus voltou e percebeu que não poderia julgar ninguém, ou caso contrário, todos os homens estariam perdidos. Sendo Deus, conhecia tudo o que se passava dentro dessa criatura que apenas agonizava de dor. Que chamavam pecado uma infinidade de carências e que apenas o simples hábito de respirar trazia angústia e sofrimento para muita gente. Era difícil julgar assim.

A liberdade tornou o homem carente de tudo. E quando os homens começaram a acreditar que havia um “tudo”, que superava o medo da natureza e da morte, que havia uma forma adequada de convivência entre os homens, foi inventado o conhecimento e estabelecida a crença de que o conhecimento superava as carências humanas. Ele não superava, apenas a tornava mais evidente. A economia impedia isso. Convencidos de que a morte era a causa da fé em Deus, da moralidade com interesse em recompensa futura, do céu e do inferno, assim como da própria busca de conhecimento, que era em última instância uma luta contra a morte. Venceram a morte, e tudo foi esquecido.

Num segundo, a história da humanidade passou diante dos seus olhos.

Jesus chorou.

Ninguém o conhecia.

Tímido, me aproximei. Reconheci as marcas dos pregos em suas mãos e pés. Brilhava intensamente. Foi emocionante a sensação de conseguir olhar o sol de frente. Aproximei-me um pouco mais:

- Senhor?!

Ele olhou para mim e esboçou um sorriso. Mas os seus olhos estavam marejados e expressavam tristeza. Minha língua travou. Comecei a gaguejar. Respirei fundo para dizer:

- Não fica assim... poderia fazer tudo novamente, não poderia?

Ele olhou novamente para mim e esboçou novamente o mesmo sorriso. Não me disse palavra alguma. Estava preso em seus próprios pensamentos, olhando fixamente o horizonte.

Silenciei. Passei algum tempo ao seu lado sem dizer uma palavra. Pela terceira vez olha pra mim:

- Eu faço novas todas as coisas. Sempre. Começarei tudo novamente. E tentarei todas as vezes em que isso 
for necessário.

Imediatamente a luz que o envolvia desapareceu. Tornou-se novamente um homem comum. Ele sorriu para mim e saiu caminhando, descalço e sem rumo, e eu com lágrimas nos olhos, entendi o que ele pretendia.  

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