Ler
Tolstói sempre é um grande prazer. Por ser racionalista, o grande escritor
russo acredita em demasia no poder da compreensão, no esclarecimento por meio
de idéias elevadas. Acredita que o ser humano pode se deixar convencer por um
bom argumento, muito embora, às vezes se convença também que isso nem sempre
seja o suficiente. De que seja preciso também coração. Os Últimos Dias (Penguin Companhia, 2009), volume contendo uma coletânea
de alguns dos últimos textos do escritor, expressa bem essa esperança de
Tolstói, resumidas em textos breves sobre a essência de todo o seu pensamento: sua
versão moral do cristianismo (trecho de “O Reino de Deus Está Dentro de Vós” e “O
que é religião e em que consiste sua essência?”) sua defesa do vegetarianismo (trecho
de “O Primeiro Degrau”), seu anti-cientificismo (“Ciência Moderna”), sua
aversão ao militarismo e aos governos (“Patriotismo e Governo” e “Carta a um
Oficial de Baixa Patente”), seus debates com o clero ortodoxo vigente (“Apelo
ao Clero” e “Resposta à Determinação do Sínodo de Excomunhão, de 20-22 de
fevereiro, e às Cartas Recebidas Por Mim a esse Respeito”) e sua crítica a
adoração cultural a Shakespeare). Há também dois contos que merecem especial
atenção: “Onde Está o Amor Deus Também Está” e “Três Perguntas”. Ambos emocionantes.
Todavia,
acredito ser o ponto alto do livro a apresentação, no conjunto da obra, de sua
visão particular do cristianismo: a incompatibilidade entre o primeiro e o novo
testamento, a descrição metafórica dos milagres, sua recusa em aceitar a
divindade de Cristo e a trindade, a inutilidade dos ícones e etc; o que o
aproxima do deísmo racionalista e do liberalismo teológico do séc.XIX. O
cristianismo, segundo Tolstói é um conjunto de princípios morais estabelecidos
por Cristo no sermão da montanha, fundamentado na não resistência ao mal.
Princípio esse que o escritor explorou e definiu como a descoberta do sentido
de sua vida. A herança deixada por essa compreensão é impressionante: talvez
você não seja vegetariano ou liberal (teologicamente), talvez você não seja
anarquista e ainda acredite no governo, todavia, é impossível não concordar com
Tolstói de que a única maneira possível a fim de aprendermos o amarmos uns aos
outros é considerarmos que não podemos fazer aos outros o que não queremos que
os outros façam a nós. De que a única forma de acabarmos com a violência é
nós mesmos sermos pacíficos, mesmo quando injustiçados, não resistimos ao mal.
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