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segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Nova Reforma Protestante?


... e não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que proveis qual é a boa, agradável e perfeita vontade de Deus. 
Romanos 12:2

Ecclesia reformata, semper reformata.
O crescimento numérico de igrejas, ministros e fiéis nos alegram muito mais do que a luta de homens de boa índole (alguns nem mesmo cristãos) contra as injustiças sociais. Nos tornamos muito mais evangélicos e cada vez menos protestantes. Por outro lado, em ocasiões como o dia da reforma , é abundante os textos que evidenciam essa decadência. O problema consiste em saber como tornar possível uma nova reforma, pois a velha já ficou presa no passado, quando é evidente para todos nós essa necessidade. Uma reforma que conteste a exploração econômica da fé, que priorize os mais necessitados e nos ensine de maneira concreta a amar mais. Dogmatizamos o legado de Lutero e ao invés de continuarmos sua obra, que antes de ser dele, é do Espírito Santo, transformamos essa obra numa data festiva quando efetivamente hoje, há muito pouco para se comemorar. Regredimos.  Me entristece saber que o protestantismo histórico se tornou, ao longo dos séculos, mais um movimento conformista e conservador. E não é por acaso que historicamente a reforma e o Haloween compartilham a mesma data. O que presencio hoje é uma cena de horror.

Sola fides, Sola Scriptura, Sola gratia, Solus Christs, Soli Deo glória.
Aos que estão em Cristo.


quarta-feira, 26 de outubro de 2011

O Grande Prêmio


Sonhei uma noite dessas. 

Uma festa num grande teatro. As mulheres, com longos vestidos de gala e jóias nos pescoços e mãos, competiam entre si sobre quem possuía o penteado mais bizarro para a ocasião. Os homens, de smoking e pronunciadas barrigas, entupidos de cigarros nos bolsos, competiam de outro modo. Estavam ali por conta da literatura. 

Sobe ao palco o mestre de cerimônias, que anuncia o prêmio:
- Caríssimas senhoras e senhores, esta é uma noite muito especial. Que ficará para sempre...
Força um pouco os olhos para conseguir enxergar a continuação do pequeno discurso. E continua:
- Que ficará para sempre na história da cultura do nosso país.  Inicio agora, a entrega do prêmio “Os Piores Literatos de 2011”. 

Mais tarde se esclareceu que ele estava bêbado. 

Na categoria ficção ganhou um escritor que a muito tempo havia falecido e praticamente ninguém sabia. O laureado de não-ficção fora desclassificado por ausência. O prêmio na categoria poesia ficou com um poeta que há alguns anos havia abandonado o ofício para fazer funk, pois o lucro era maior. Por fim, na categoria “Autores que Ninguém Lê”, surgiu como laureado o meu nome. Fui à frente emocionado, percebendo nitidamente na platéia o cochichar dos convidados: 

- Quem é esse cara? 

Ninguém me conhecia. 

É. Talvez não tenha sido só um sonho. Será um presságio?

Estação Jugular, de Alan Pitz


E se você subisse num ônibus, e soubesse, durante a viagem, que está indo para a eternidade? Instantaneamente, sua viagem, de trivial e banal, se tornaria, ela mesma, a mais importante da sua vida, por ser justamente a última. Sua visão não seria mais a mesma. Como definir cores e sons de lugares desconhecidos para a maior parte da humanidade (pelo menos, viva)? Parábolas que beiram ao absurdo. É o que propõe Alan Pitz em seu livro “Estação Jugular” lançado este ano pela editora multifoco. 

Franz, tentando fugir do sol, embarca numa viajem que o leva para o seu destino e origem. O seu ponto final. É evidente no texto elementos narrativos que me cabem comparar apenas a nomes como John Bunyan (autor de “O Peregrino”) e Frans Kafla (autor de “O Processo”), pela temática utilizada e a ênfase alegórica presente no livro. Alan consegue explorar esses elementos de uma forma nova, contextualizada e elegante. 

A vida é uma viagem, e a morte também. Todos nós nascemos como peregrinos, como pródigos, regressamos à casa de onde partimos. Para alguns, essa viagem pode ser muito longa, e para outros, curta demais, entretanto, ela não deixa de ser uma aventura fascinante, onde descobrimos onde a estrada está nos levando e que o caminho que estamos indo é apenas um espelho de quem somos. É só olhar para os próprios pés.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

A Vida é uma Causa Perdida?


Chega a hora em que até mesmo o mais fervoroso defensor da ortodoxia cristã secretamente se pergunta em seu coração: “Deus realmente existe?”. Duvidar faz bem. Nossos maiores teólogos possuem biografias marcadas por muitas dúvidas atormentadoras. A dúvida alimentou o legado de cada um deles, e tenho a absoluta certeza que mesmo no leito de morte, deixaram esse mundo com outras tantas interrogações que jamais saberemos. Por outro lado, as respostas que possuíam, mesmo que provisórias, eram fruto dessas interrogações. Sendo assim, teologia nem sempre precisa ser encarada com algo ruim. 

Deus existe? Foi o mundo projetado por uma inteligência superior? Ao nos fazer essa pergunta a vida parece ser cada vez mais absurda e contraditória. Entretanto, se há algo que mereça ser levado a sério nessa questão consiste em saber se Deus é ou não um produto cultural, originário de povos nômades e seminômades do deserto, como também, o real motivo para se cultuar esse Deus. Tudo o mais é secundário e até mesmo desnecessário discutir, tendo em vista o fato de que por via de regra, religiões são, seguramente, um produto cultural. 

Há bons ateus, que apenas estão sendo honestos consigo mesmos ao afirmarem não possuírem fé alguma. Entretanto, alguns deles, como muitos cristãos fundamentalistas, costumam ler a bíblia como lêem os jornais: literalmente, como se a bíblia fosse um livro de história, quando se trata de uma interpretação teológica (de intervenção divina) sobre a história. Ateus dessa espécie são apenas o ranço social gerado entre a crise de uma hermenêutica (ortodoxa - literal) e o nascimento de outra (liberal- metafórica). Ateus e cristãos dessa espécie lêem a bíblia a partir da cultura em que estão situados, o que constitui uma agressão ao texto. É preciso ler o texto a partir do meio cultural que o gerou, sem essa perspectiva, Deus não pode se inserir em nossa cultura, pois sempre será visto como um monstro intolerante que terá adoradores da mesma espécie.
Se há alguma diferença entre Deus e religião (rito, liturgia, e etc), é que esta última é plenamente compreendida como um produto cultural, e por isso transitório, enquanto que a primeira corre o risco de não o ser completamente. 

É preciso se compreender porque se busca esse Deus. Talvez, a iniciativa mais honesta para essa busca seja uma certeza e consolo para a insegurança da morte. Podemos definir a vida como boa ou ruim se a comprarmos com a vida de outras pessoas, todavia, se nossa referência se torna a própria morte, nossa forma de avaliar se torna diferente. A vida se torna um valor fundamental. Pobres querem viver tanto quanto ricos, mesmo que continuem pobres. 

É a vida uma causa perdida? Como costuma indagar aos seus convidados Antônio Abujamra em seu programa “Provocações”. Se for, tudo é uma causa perdida, inclusive o humor, a ironia, a crítica a que muitos bons ateus se propõe a realizar não apenas contra os abusos das instituições religiosas, como das próprias injustiças sociais. Se a vida é uma causa perdida apenas nos resta a apatia. É nesse sentido que acredito que a fé em Deus (ou sua descrença) pode ser algo útil para ateus e cristãos, pois se torna um instrumento de ânimo contra um vida que parece perdida.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

"Jesus te Ama?"


“amai-vos uns aos outros como eu vos amei.” (Jo 15, 12).
“Jesus te ama”
Será?
Talvez este seja o tipo de propaganda que o salvador do mundo se recusaria a ter. Nela, ele é implicitamente responsabilizado por todo o amor do mundo, e do mesmo modo, culpado por todas as manifestações humanas de desafeto e ódio.  Com esse discurso metafísico sobre o amor, nós cristãos, tornamos as pessoas mais descrentes nesse amor, mais descrentes em Jesus. A grande tarefa do evangelho consiste em nos tornar responsáveis para amar. E onde há amor, há o exemplo de Cristo. Há o próprio Deus que é amor.  “Eu te amo”. Isso basta pra mim, e creio que para o próprio Cristo também.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Os Intelectuais e o Púlpito: o exercício pastoral e a formação teológica vigente


Não se pode separar o ofício intelectual de um exercício de transgressão. Mas não uma transgressão gratuita. Produzir conhecimento é muito diferente de apenas reproduzi-lo. É nisto que reside uma pontual distância entre intelectuais e os que julgam sê-lo. Em sua maioria, grandes pensadores nunca foram capazes de reproduzir conhecimento de maneira satisfatória. Limitam-se a aprender e a adaptar o que aprendem até que tenham diante de si algo novo e inusitado. Inserem-se nesta regra nossos atuais estudantes de teologia. Um bom aluno necessariamente não se tornará um bom professor, quanto mais um bom intelectual, isto em qualquer área. 

Formar um teólogo é despertar-lhe o senso crítico aos fenômenos religiosos do nosso tempo, sendo assim, jamais será capaz reproduzir plenamente qualquer tipo de conhecimento, mas fazer dialogar os saberes a fim de se levantar qualquer juízo. Por outro lado, formar um pastor ou clérigo religioso, consiste em adestrá-lo à reprodução de um modelo de espiritualidade comunitária institucionalizada já preexistente e por muitas vezes descontextualizado. Um futuro pastor poderá facilmente ser um bom aluno de teologia, um teólogo, por outro lado, jamais se deixará adequar às ortodoxias institucionais vigentes. Não se trata de capricho, mas vocação.  

Há quem diga que o púlpito não se adequa a intelectuais, por outro lado, há quem diga também que é no púlpito o verdadeiro lugar da intelectualidade cristã, a fim de promover a formação de uma nova geração de cristãos que contestem e por isso mesmo pensem e amadureçam. Isto não significar estar isento a riscos, mas assumir a responsabilidade pela própria espiritualidade. O exercício pastoral ao firmar-se sobre o primado da segurança das ovelhas, e por isso, da autoridade do pastor,  privou essas mesmas ovelhas da liberdade e por isso do amadurecimento, esquecendo que é preciso tratar seres humanos como seres humanos, com nossos desvios de caráter e de temperamento, com nossos conflitos interiores e contradições, conforme nos ensinou o próprio Jesus. 

domingo, 9 de outubro de 2011

A Mulher Adúltera


Jo. 8.1-11.

 Deixar-se vencer pelo amor, não resistir a ele. Não o amor transitório de paixões, fundado em benefício próprio e satisfação pessoal, fruto secreto de uma profunda carência emotiva que impulsiona desesperadamente a lançar-se diante de braços estranhos, indiferentes, mas sim, o amor que vai ao encontro do outro, lhe reconhece, lhe identifica diante de Deus, amor que identifica criador e criatura. Que promove um encontro. E assim foi entre Jesus e uma mulher apanhada em adultério.

 Tal relato se encontra precisamente entre dois grandes discursos de Jesus: um sobre sua pessoa (Jo. 7.10-53) e outro sobre sua missão (Jo. 8.12- 59). Jesus participa da festa dos tabernáculos, uma festa cerimonial judaica de uma semana cujo fim era lembrar ao povo o tempo em que seus ancestrais ainda viviam em tendas quando peregrinavam no deserto depois do êxodo. Nessa festa Jesus discursa sobre sua identidade. Contudo, inserido neste discurso estão severas críticas ao modo de administração da lei feita pelos sacerdotes, assim como, o modo como interpretam a lei e os procedimentos utilizados sobre ela para exercerem qualquer tipo de julgamento, dentre eles, sobre quem era Jesus. Isso é interpretado pelos escribas e fariseus como um tipo de provocação, procurando por isso a todo custo, matá-lo.

 Terminada a festa Jesus resolve passar a noite no monte das oliveiras em oração. Antes do nascer do sol se dirige ao templo e começa a ensinar. É exatamente nesse momento de cansaço físico e mental que os principais da sinagoga lhe resolvem testar – uma clara resposta ao discurso de Jesus feito um dia antes. Baseados nas afirmações de Jesus sobre como interpretam a lei, trazem em sua presença uma mulher apanhada em adultério. Alheia a tais embates entre Jesus e os principais da Sinagoga, ela é simplesmente usada como um meio para condenar Jesus à morte. Morrendo Jesus ela também morreria. Entretanto, conseguindo livrar-se da armadilha, a mulher também seria preservada com vida. Ironicamente a vida dela estava nas mãos de Jesus, não dos seus algozes. Nesses momentos de tensão, onde Deus, incompreendido, parece ser um tirano cruel, onde não conseguimos enxergar tão longe a fim de compreender seus desígnos, Isaías nos ensina que quando nossa cegueira espiritual (que pode ou não ser oriunda de um pecado) nos impede de enxergar o mesmo que Deus, devemos apenas estender as mãos e deixar-nos guiar por ele (Is.45. 1-5).

E, pondo-a no meio, disseram-lhe: Mestre, esta mulher foi apanhada, no próprio ato adulterando, e na lei nos mandou Moisés que as tais sejam apedrejadas. Tu pois que dizes?. Isto diziam eles, tentando-o, para que tivessem de que o acusar ... (vv.5-6).  

 Por um momento Jesus se calou. Escrevia na terra. Depois de uma pausa, Cristo responde a provocação com a já clássica afirmação:

 ... Aquele que dentre vós está sem pecado seja o primeiro que atire pedra contra ela (v.7).

 Todos são iguais à mulher adúltera. Condená-la seria reconhecer em si mesmo a necessidade de punição, e por isso mesmo, de morte. Todos se retiram, maculados pelos seus próprios pecados e consciências, e por isso, continuam pecadores, condenados pela justiça de Deus, mortos. Estão conformados com as suas vidas. Só a mulher permanece com Jesus. E por isso ela é perdoada. Um pecador quando diante de Cristo possui apenas a escolha de renunciar a Cristo ou os seus pecados. Por isso a recomendação de Jesus à mulher: Vai-te, e não peques mais (v.11).

Como julgar uma pessoa livre? Nem mesmo Cristo Julga. Martin Heidegger certa vez escreveu que apenas nos definimos quando morremos. É por essa razão que o julgamento de Jesus é escatológico, onde separará bodes de ovelhas. Para o Judaísmo do primeiro século a lei definia moralmente os indivíduos em bons ou maus, em santos e pecadores, em salvos e condenados. Com a corrupção da lei feita pelos sacerdotes, a lei somente poderia ter uma aplicação válida quando administrada pelo seu próprio autor: Cristo julga! E perdoa. Renuncia a lei? Apenas ensina a sua função: humanizar o homem, isto é, coloca-lo diante de seu criador.