Em ocasião do lançamento do livro “Diálogos” realizado no dia 18 de janeiro de 2011, na sede da editora multifoco.
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Sexta - feira, 03/09/2010.
Eu tive um sonho.
E dessa vez não estou sendo poético com tal afirmação.
Tudo começou com o sermão de um pastor na televisão. Porém, não se tratava de um pastor que eu conhecesse.
Ele inicia sua preleção citando João 3.1-9. Um texto sobre o novo nascimento. E encerra a leitura com a enigmática questão de Nicodemos: Como pode ser isso?
Como Jesus, ele então começa uma estória:
“Certo Pastor, já avançado em idade, por conta do alzheimer é obrigado a afastar-se definitivamente do seu ministério. Os lapsos de memória se tornam cada vez mais freqüentes, e o que antes se restringia a nomes de alguns membros de sua congregação e a endereços, progrediu para parentes e o lugar onde ele mesmo morava. Por fim, deitado numa cama, imobilizado pela doença degenerativa, acabou-se por esquecer quem ele mesmo era, sua trajetória de vida e o seu legado.
Todos choram a sua volta, alguns membros de sua antiga congregação e seus filhos. Sua filha, acariciando os seus cabelos brancos, não consegue conter as lágrimas. Ele balbucia palavras sem parar. Ela se aproxima para ouvir: “Mãe, eu quero ser pastor”. Minutos depois ele está na eternidade.”
Desperto do sono antes mesmo de ouvir a reflexão pastoral. Talvez, não era o mais importante em questão. Acordo emocionado. Choroso e agradecido por tão bela expressão da revelação. Não sei dizer concerteza, mas tenho a sensação de que o pastor da parábola do pregador sou eu mesmo. E por mais que eu lute, na verdade, não posso fugir da minha vocação. Na verdade, ninguém que se disponha a ser guiado pelo Espírito de Deus pode. É por isso que Jesus responde a Nicodemos de uma forma muito inusitada: ele fala de sua missão, de uma missão que ele não pode fugir, justamente porque escolheu obedecer. Todo aquele que é nascido do Espírito é como o vento. Compara Jesus. É livre. Por que como o vento, Deus é livre.
Posso esquecer de tudo. E Deus por sua vontade pode apagar todo o meu passado como se ele simplesmente nunca tivesse existido, fazendo tudo começar novamente. Mesmo no último suspiro e depois disso, na eternidade. Posso perder as boas memórias de infância, dos meus queridos pais, dos meus irmãos e dos amigos que insistentemente resolveram me amar, mesmo eu não sendo um dos melhores amigos do mundo. De todo esforço empenhado para se progredir na vida, ministrando aulas, construindo uma congregação, sendo um razoável pregador e no fim, incapaz de defender uma só linha dos livros que escrevi. Afinal, que livros? E apagada da memória estejam às lembranças da mulher que amei e prometi o mundo, e que aos meus olhos, injustamente apenas pude lhe conceder filhos e um patrimônio risível. E que aos olhos dela, na verdade, era um presente maior que qualquer outro. Posso esquecer meus filhos, embora os amasse intensamente, a ponto de por eles dar a própria vida. Posso esquecer até de mim mesmo, do meu nome, e de tudo o que numa vida breve e efêmera eu construí e que as pessoas ao meu redor diriam se tratar de algo extraordinário.
Posso esquecer de tudo. E ainda sim, no íntimo do meu coração estar agradecido. Quando Deus resolve apagar o nosso passado, é porque ele não é mais importante. Dessa maneira, se pela força das circunstâncias eu me tornar um homem reconhecido pelo meu tempo, a ausência dessas lembranças, mesmo sendo gloriosas, me inibe de uma presunção perigosa. Se por outro lado, eu passar anônimo por essa geração, a grandeza de Deus se mostra em amparo, me ensinado que não há mais necessidade alguma de lembrar-me desse mundo, mesmo das coisas que consideraria preciosas demais para lembrar. Em ambas as circunstâncias, não consigo deixar de olhar os braços do criador em direção a mim. Pura graça!
Posso esquecer de tudo, mas o que eu jamais posso esquecer é o motivo pela qual Deus me fez nascer. Sim, o motivo pela qual Deus decidiu escolher aquele ser informe que em apenas seis meses e três semanas de gestação resolveu aparecer no mundo: apático, doente e franzino, e que cresceu covarde e tímido. Com poucos amigos e amores, que por desconfiança do mundo, criou um mundo à parte. Eu jamais posso me esquecer, que o motivo pela qual Deus me fez nascer, é ser pastor.
A memória possibilita o exercício da justiça, porém a ausência dela, o exercício da graça. É disso que trata a parábola das ovelhas e dos bodes:
Então dirá o rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai, possui por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo; porque tive fome e deste-me de comer; tive sede, e deste-me de beber; era estrangeiro, e hospedaste-me; estava nu, e vestistes-me, adoeci e visitastes-me; estava na prisão e fostes ver-me. Então os justos lhes responderão: Senhor, quando te vimos com fome, e te demos de comer? Ou com sede, e te demos de beber? E quando te vimos estrangeiro, e te hospedamos? Ou nu, e te vestimos? E quando te vimos enfermo, ou na prisão e fostes ver-te? E, respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que, quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes (Mt. 25. 34-40).
Não há mérito ou culpa sem memória. Dessa maneira, não há como prevalecer a justiça, seja a dos homens ou até mesmo a divina. Sem memória, há de se prevalecer eternamente a graça. Somos perdoados porque Deus se esquece do nosso passado, isto é, de todo ele. Sejam as nossas ações boas ou não. Homens assim costumam chegar diante de Deus com as mãos vazias, porque até do último suspiro Deus se esquece. E de Deus recebem tudo. No livro da vida não há nomes de condenados, e nele, não há sequer um único registro das ações de qualquer um dos salvos, pois foram todos esquecidos por Deus. Sem memória, há de se prevalecer o perdão. O ato de um Deus perfeito se aproximar de homens moralmente indefinidos, logo, incompletos e carentes. Sem memória, há de se prevalecer apenas o amor.
Tudo acaba um dia, entretanto, somos nós quem escrevemos até o último ponto final da vida. Deus apenas recita a história, e diz se ela ficou boa. Enquanto estamos vivos, nenhum texto é definitivo. Há sempre a possibilidade de corrigirmos nossos erros. Pois é, todos nós somos livros. Alguns, metódicos e analíticos, se parecem com livros técnicos e didáticos, outros, espontâneos e imprevisíveis, são pura poesia, romance, música. Mas todos são obras de arte. Que bela estante tem o criador!
Peço perdão. Não me considero um ser imperfeito, mas sim a própria face da imperfeição. Tenho uma péssima memória, algumas vezes falo alto, ou baixo demais. Frequentemente ignoro amigos esquecendo compromissos. Amo demais a solidão. Sonho um dia em ser mártir, mas não antes de beijar os lábios da mulher que me faça sentir que eu posso mudar o mundo. Talvez esta seja a única finalidade que eu encontre para se estar apaixonado.
Nasci na terra e morrerei nela. Contudo, renascido das profundezas de Deus, eu viverei eternamente. Não sei dizer se o reino dos céus descrito nos evangelhos é literal ou metafórico. Faço do meu coração um trono. E onde há um trono, há um rei que reina soberano. Isso pra mim é o céu. Por ora, eu não estou nele, é ele que está em mim. Portanto, não faço da eternidade uma expectativa, mas sim o que eu vivo hoje.
Nesse vaso de barro, sem qualquer valor, se esconde um tesouro que mesmo depois de velho e crescido, ainda não aprendi a contar. Tu me amaste Senhor, e essa é toda a minha riqueza. Uma carta de despedida? Talvez. Sinto - me realizado de maneira plena. Sinto-me como um homem que está cumprindo o seu dever. Talvez entre hoje e amanhã não exista mais nada a fazer e eu morra. Extremamente feliz.
Arriscaria definir-me como um apaixonado.
Alguns vivem apaixonados por música, literatura ou qualquer outra expressão artística. Outros, por belos corpos ou pessoas cuja personalidade os inspira. Paixões que podem ser provisórias. Todavia, poucos, são os homens cujas paixões os arrebatam por completo. Costumam ostentar o estigma de desequilibrados, psicóticos, compulsivos.
Arriscaria dizer que nosso tempo não sofre de excessiva paixão, mas de sua falta. Entendo por paixão, tudo o que preenche a vida de significado, de maneira plena, vocação. Aristóteles dizia que vocação é quando as necessidades do mundo convergem com as nossas habilidades. Sem paixão, a maioria dos homens ganha um enorme espaço de tempo livre, preenchido por banalidades, distrações, a fim de esquecermos que vivemos. O tédio é inevitável. A fim de esquecermos do tédio diante da vida, nossa época inventou a contínua necessidade de produção, ou seja, do trabalho regulado pelo tempo, e com isso, de lucro.
Um homem apaixonado encontrou o sentido de sua vida, e por isso, não possui mais tempo para nada, a não ser sua paixão. Um homem sem paixão, possui tanto tempo livre que o preenche com tanta coisa, que para ele mesmo é uma exigência, que acaba não restando tempo algum para mais nada. A grande diferença entre um e outro consiste no fato de que o primeiro mesmo não tendo nada (pois não produz o que lhe exigem, mas apenas o que lhe satisfaz), sem dinheiro, prestígio ou reconhecimento, ele está realizado, e isso basta. O segundo, por outro lado, pode ter tudo (pois apenas produz o que lhe exige o mundo), e mesmo assim, vive consumido pelo tédio e a falta de perspectiva.
Uma vida sem paixão não tem sentido. E é justamente quando não temos sentido, é que perguntamos por ele. E por isso criamos teorias e conjecturas sobre os propósitos da criação, do universo e como chegamos a este mundo, quando na realidade o cerne de toda a questão seria, o motivo de se existir aqui e agora. Não tenho a pretensão de defender o que acredito ser o correto, o mais lógico, o que é verdadeiro e bom. Quero apenas cantar sobre o que me apaixona, o que acredito ser o sentido de toda a minha vida. Eu tenho paixão pela eternidade. O apaixonado vive já na eternidade, pois para sua paixão tem todo o tempo. Por isso, para ele, eternidade se vive agora e não depois.
Interiormente, sinto-me intensamente motivado a deixar-me levar pela força da correnteza do meu coração. Exteriormente, estou situado num mundo que me exige tudo, minha carne, meu sangue, meus ossos, e todos os meus sonhos mortos. Um mundo que exige que interiormente eu morra com valores que não são os meus: que eu tenha muito dinheiro, tenha fama e muitos bens. Isso pra mim não é felicidade, pois não me apaixona. Dinheiro, fama e bens são valores que podem tangenciar a minha vida, todavia, não fazem parte dela.
Não sou alguém que sonha demais, mas sim, alguém que andando distraído pelo campo, sabe do tesouro que inesperadamente encontrou, e que por isso, resolveu vender tudo o que tinha para adquirir esse campo.
Sinceramente agradecido,
Diogo Santana.
2 comentários:
Seguindo...
segue o meu tbm:
antoniojamerson.blogspot.com
obrigado.
Parabéns! o teor de suas sábias palavras motivaram não só o meu coração mas a minha alma com a grandeza dos valores proposto pelo criador, que por infelicidade muitas vezes esquecemos. Que seus textos possam percorrer o mundo, atravessar a velocidade da luz e alcançar a toda criatura.
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