Capítulo Um
Não há homem que consiga enganar a morte. Até mesmo os grandes. Ela não poupa nem mesmo aqueles a quem Deus escolhe para exercer o santo ofício de anunciar a vida eterna.Contudo, mais do que isso, alguns ministros costumam fazer promessas que não podem cumprir, e por isso, afirmam que é Deus quem promete. Diante da frustração, somente Deus ou o fiel são culpados: o ministro escapa ileso. Mas ele também será julgado, afinal, todos nós somos, mas dessa vez o juiz está agora entre nós e se parece conosco.
No princípio.
É equivocado
quando pretendemos dar um início às coisas. E um fim também.
Memória: o
impulso em querer contar e registrar os acontecimentos no tempo, mediante a
consciência da nossa própria finitude.
No princípio
nenhum princípio havia. Não havia coisa alguma. Mas não queira entender, nem
mesmo tente, pois nesse caso, não há coerência algumas nas respostas que virão.
Novas perguntas. Não há lógica. Transgrida a lógica. Há outras partes de você
que pensam. Não as deixe mortas, pois talvez, elas serão esquecidas para
sempre.
Imagine um mundo
onde seria impossível envelhecer e os olhos já não exigissem um belo par de
óculos. Onde não houvesse mais qualquer tipo de doença e a morte
definitivamente houvesse sido vencida. Um lugar onde contar o tempo se tornou
uma brincadeira. Onde não se fazem mais aniversários. Da mesma maneira não se
fazem mais filhos. Herdeiros seriam desnecessários. Reproduzir significaria o
caos para a economia global. Sexo só por divertimento. Onde não existem mais
casamentos. Onde não existe mais amor. Um mundo onde seria impossível morrer, a
maior diversão seria a dor. Esse lugar existe e foi criado pelos homens, só que
eles mesmos se esqueceram disso.
Luz. Uma
profunda dor nos olhos. A imagem embaçada aos poucos ganha contornos definidos.
O absurdo consiste em se estar num lugar sem se ter idéia do motivo e das
circunstâncias. Começo novamente onde tudo terminou. Entretanto, não sei dizer
o por que. Minha última lembrança consiste justamente no céu estrelado, que
pouco a pouco fora sendo tomado pela escuridão. Estava morrendo, e o pavor
diante dessa circunstância me angustiava intensamente, pois mesmo diante da
morte não há homem que não deixe de pensar no futuro. Morrer consiste pois num
salto para o futuro, todavia um salto ausente de qualquer espécie de
perspectiva, deixando assim a sensação de desamparo e insegurança, de profundo
terror.
O futuro? Não
saberia mais dizer. Até estar nele.
Há um futuro
pior do que a morte. Um futuro pior do que não ter futuro algum. O inferno será
um paraíso e os homens bons serão os mais cruéis da terra. Pior do que morrer é
nascer no mesmo e velho, e decadente mundo. Pior do que morrer é não morrer
mais.
Eterno!
O que seria
viver para sempre? Sinceramente não sei. Sinceramente, não sei se há algum
homem que saiba.
Imortalidade!
Por ironia, uma arma nas mãos de uma criança, todavia, mesmo não lhe conduzindo
ao fim, lhe devolve perpetuamente a mesma experiência de dor e sofrimento.
Saindo de um
bar, à luz do dia, um grupo de três amigos, bêbados e eufóricos me chamou a
atenção. Todos banhados de sangue por todo o corpo com um cheiro forte de
álcool. De longe, pensei se tratar de baderneiros assassinos. Mais perto pude
notar que um deles, com um dos olhos vazados, e com a boca cheia de sangue, ria
intensamente. Os outros dois, de igual modo, cheio de cortes profundos pelos
braços e pernas, também riam. Divertiam-se lançando violentamente a cabeça do
companheiro contra uma parede, deixando nela um rastro de sangue e miolos. Divertiam-se
com a dor de si mesmos. Não pude deixar de vomitar ao assistir a cena.
Em outra, cerca
de quinze pessoas, reunidas na praça à noite, festejavam sob o corpo nu de um
ser que não saberia definir o sexo. Estava coberto de sêmen e outros fluídos
corporais da pior espécie. Todos pareciam felizes, inclusive, o objeto de tal
escárnio. A festa encontrou seu ápice numa expressão de canibalismo.
Lentamente: costelas, pernas, estômago. Sendo devorados com a mulher (?) ainda
viva. Ela não morreria, mas naquele momento senti que alguma coisa dentro de
mim morreu.
Definitivamente,
embora muito parecido, eu não estava no mesmo mundo que conhecia. E de fato eu
não estava. Pensei tratar-se do inferno. Ora, mas o inferno não seria um abismo
de fogo por onde as almas agonizantes não cessariam de pedir misericórdia e
perdão pelos seus pecados?
Não há mais
terra, ar puro, plantas ou animais. Não há mais chuva ou crianças que brincam
com poças d’água e que se atrevem a jogar futebol na lama. Desconhecem a beleza
da primavera e das outras estações. Desconhecem a beleza das montanhas e do céu
matutino no verão, sendo aos poucos iluminados pelo sol. Não existe mais o sol.
Apenas um mundo feito de aço, concreto e muitos circuitos elétrico-neurais. Não
existe mais homem. Há alguma coisa no lugar dele, uma coisa que eu não sei o
que é, e tenho um profundo medo em tentar descobrir. Sentado no alto de um
prédio, e vendo a multidão sempre apressada, chorei intensamente em compreender
isso. Por aqui ninguém chora. O problema não está em mudar. O problema está em
sempre ser o mesmo.
Quando muito
jovem, andando distraído pela rua, olhando despreocupado vitrines e pessoas,
deparei-me com uma loja de produtos esotéricos, com um cartaz na porta que
dizia: “Lê-se a mão: descubra seu futuro e se prepare para ele”. Por
curiosidade resolvi entrar. Fui atendido por uma senhora idosa, muito simpática
e bem vestida. O interior da loja exalava incenso. Paguei a consulta.
Silenciosamente ela faz uma oração e pediu que eu erguesse a minha mão direita.
Enquanto olhava fixamente para minha mão, percebi que discretamente começava a
contorcer o rosto em sinal de preocupação.
- O que está
vendo? Ansioso perguntei.
- Espere um
pouco. Ela respondeu.
Por um momento
abandona minha mão e abre o tarô que está ao lado. Pede que eu embaralhe e
escolha as cartas. Ela tem um susto. Dessa vez mais evidente.
- O que a
senhora está vendo? Há algo de errado comigo? Novamente perguntei.
- Sinceramente
menino? Ela disse com um suspiro.
- Não se
preocupe, diga. Respondo tentando acalma-la.
- Eu não vejo
nada.
- Nada?
- Nada. Estou
sendo sincera com você. Não vai pedir o dinheiro de volta, vai?
- Não senhora,
reconheço a sua honestidade.
Saio da loja
interiormente contrariado e confuso. Hoje entendo o porquê.
23 comentários:
A partir de 20 comentários eu posto o segundo capítulo. E assim em diante.
Muito bom Diogo!!! Quero ler o próximo!!!
Aguardando ansiosamente o segundo capitulo
Tá muito massa! Vamos ver se você consegue segurar a peteca, kkk
Tenta arriscar colocar um pezinho no universo ciberpunk, que é sucesso na certa!
vamo postar o segundo heim
curto esse cara pq ele falar muuitas verdades.
2º capítulo ansiosamente
O fechamento foi muito legal, deixou uma ponte para diversos caminhos agora, quando o futuro não foi conhecido. Assim, cada caminhante tem a oportunidade de mudar o curso de sua vida através de suas escolhas....Parabéns aguardo o próximo....
Legal! No aguardo do próximo capítulo.
2º capítulo já!
Muito bm!
Quero ler o próximo logo heim!
Muito interessante. Gostaria muito que você continuasse.
Muito bom!
Uma perspectiva de um mundo sem fagulhas, sem respiros, onde as pessoas são inconsequentes, destemidas, a dor não tem limites, já que a vida está garantida. É um poder e tanto a eternidade... Estou curiosa para os próxs capítulos!!! Se anima de gravar??? Acho q pode ficar bem legal! =)
Excelente Diogão... estou ancioso para o próximo capitulo ... RAPAZIADA, vamos comentar, a história é muito boa, eu aprovo !
Phelipe Charada.
Pow muito maneiro
posta o segundo!!
Curiosa e ansiosa pelo próximo capítulo.
Vamos fazer um abaixo-assinado pelo próximo capítulo já. Aí, vem rapidão Hahah
Muito bem escrito,continue!
Interessante, gostei, quero ver os seguintes!!! Parabéns, escritor.
Muito bom mesmo. Aguardo pela continuação!
Muito bom! Esperamos o resto...
Posta logo o próximo capítulo!
Legal a iniciativa!
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