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sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Casa Grande e Senzala


Quem é o brasileiro? Pergunta-se Gilberto Freyre em seu clássico livro “Casa Grande e Senzala”. A belíssima edição da Global Editores (2006), com imagens do acervo da Fundação Gilberto Freyre e do Instituto de Estudos Brasileiros da USP, e prefácio de Fernando Henrique Cardoso, que durante todo o texto critica muito o livro do ponto de vista acadêmico e metodológico, mas o elogia como uma análise sentimental da sociedade patriarcal brasileira. Em tempos de globalização e expansão de mercados, e por isso, de fluidez cultural, uma pergunta como essa, torna-se difícil de ser respondida hoje, ou pelo menos, propicia algumas sérias dificuldades. É preciso recorrer à história do Brasil colonial (início de nossa formação social) a fim de encontrar nela, elementos que nos permitam definir antropologicamente.

O livro se estabelece como uma reconstrução histórica da vida privada dos primeiros habitantes do nosso país: alimentação, vestuário, educação dos filhos, religião e sexualidade, característica especificadamente a cada grupo racial fundador da colônia: portugueses, índios e negros. Propõe-se também a dissertar sobre como a miscigenação racial irá alterar esses costumes, anteriormente estratificados, determinando a formação de um povo completamente novo, isto é, o povo que somos hoje, que se caracteriza como uma síntese dialética entre povos originalmente antagônicos entre si.

O que mais simpatiza na obra, consiste justamente em que à medida que a lemos, nos encontramos nela, como nossos vícios e virtudes. Freyre não faz da dicotomia explorador x explorado um tipo de polarização moral, tal como o faz Galeano em As Veias Abertas da América Latina, numa luta perpétua entre exploradores maus e explorados inocentes e bons. Fugindo dessa intenção, muito em voga à época de lançamento do livro (década de 30) Freyre torna explícita a ambigüidade moral de cada ser humano. É a análise de tal ambigüidade, do ponto de vista antropológico, que torna a obra polêmica e até vítima de contestação.

Em muitos trechos do livro, Freyre se dedica a contestar o mito de inferioridade racial, inicialmente do índio, sucessivamente do negro e das miscigenações oriundas de tais raças (o mulato, o caboclo e etc.). Entretanto, defende que, o índio, por ser semi-nômade não poderia se adequar ao sedentarismo, economicamente expresso no regime escravocrata e patriarcal, determinando assim, sua impossibilidade física para o trabalho escravo. O negro por outro lado, se adaptou bem a tal economia, por serem (antes da escravidão) bons agricultores e criadores de gado.

A miscigenação é outro fator importante na obra de Freyre. O contingente de mulheres brancas era insuficiente para um ideal eugênico de raças estratificadas no Brasil. Em outras palavras, ainda que uma Portugal de mulheres colonizassem o Brasil, devido às características continentais do nosso país, a miscigenação não apenas havia se tornado inevitável como uma necessidade. Necessidade social e econômica, particularmente de mão de obra escrava. Outro mito contestado por Freyre é o de inferioridade moral do negro. A liberdade sexual nas senzalas, favorecendo a poligamia entre negros e o nascimento de filhos bastardos dos senhores de engenho, era um instrumento para o aumento do capital humano e da mão de obra escrava. Se alguém devia ser acusado de imoralidade, este seria o senhor de engenho!

 Quem é o brasileiro? Gilberto Freyre não apresenta uma definição simples. Não somos. Estamos ainda a nos fazer. Entretanto, é preciso conhecer como essa auto- formação é estabelecida. Em nossa natureza está firmada uma plasticidade, iniciada com a miscigenação racial e agora cultural, que para o autor só tende a ser benéfica. O que dos outros reside em nós, adaptamos de tal forma que se torna algo completamente novo. Nós somos um povo novo.

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