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sábado, 25 de maio de 2013

Para Fazer Doer o Coração

A chuva me condena a lembranças tristes.
De que estou irremediavelmente destinado a viver sem a boa companhia,
de quem, com um sorriso, tornaria os meus dias,
um pouco mais suportáveis. Dias um pouco mais saudáveis.
Talvez eu viva menos por isso.

A tristeza vem antes da chuva, e não passa com ela.
Eu me pergunto constantemente se a vida seria um pouco mais tolerável,
se não houvesse essa tristeza.
Talvez não seria.

Mas como saber, sem ao menos ter a oportunidade de conhecê-la?
De fazer doê-la no coração.
Queria fazer doer o coração,
mas não para escrever poemas tristes.
Que o coração doa por intensidade.

É a vida, e talvez eu esteja destinado a fracassar.
Talvez amar não seja assim tão importante,
mas se for, pequeno e insignificante,
poderei até, amargamente chorar no meu túmulo.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Dogmatismo Filosófico




1.      Considerando que todos os filósofos, sejam pequenos ou grandes, reconhecidos ou anônimos, eram seres humanos, e como todos os outros, limitados por sua finitude e ignorância (ninguém ainda conseguiu provar o contrário disso).

2.      Considerando que nenhum filósofo morreu deixando à posteridade um pensamento completo, hermeticamente fechado, que encerra em si todas as grandes e pequenas questões da filosofia.

3.      Considerando que Sócrates, o filósofo grego que explodiu as cabeças da Grécia, apenas o fez a partir da explosão da sua própria cabeça. Que as questões que levantou aos atenienses, levantou antes, para si mesmo. Questões, e não conceitos. Questões são universais, conceitos, particulares.

4.      É ridículo, portanto, a um filósofo, assumir a posição de dogmata, isto é, de adorador de sistemas de pensamento, de escolas, pois nesse caso, não se faz filosofia, mas religião. 

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Loucura e Liberdade




"Em tal mundo, submetido aos efeitos mais teatrais e obrigado a cada entardecer a representar um pôr do sol correto, as pessoas ao meu redor pareciam pobres criaturas dignas de pena pela seriedade com que continuamente se ocupavam, acreditando, ingênuas, naquilo que faziam e sentiam. Havia uma única criatura na cidade que compreendia essas coisas e pela qual eu nutria uma admiração plena de respeito: a louca da cidade. Só ela, em meio a pessoas rígidas e recheada até a ponta dos cabelos de preconceitos e convenções, só ela mantivera a liberdade de gritar e de dançar pela rua quando quisesse. Coberta de imundície, ela andava esfarrapada pelas ruas, desdentada, com o cabelo ruivo desgrenhado, segurando nos braços, com ternura materna, um cofrinho velho cheio de cascas de pão e diversos objetos retirados do lixo.

Exibia o sexo aos transeuntes com um gesto que, se fosse utilizado com outro objetivo, seria considerado “pleno de estilo e elegância”. Que esplêndido, que sublime é ser louco!, dizia para mim mesmo, constatando, com um inimaginável desgosto, quantos costumes familiares arraigados e estúpidos e que esmagadora educação racional me separava da liberdade extrema de uma vida de um louco.

Quem nunca foi tomado por esse sentimento está condenado a jamais sentir a verdadeira amplitude do mundo".

Max  Blecher em “ Acontecimentos na Irrealidade Imediata” (Ed. Cosacnaify/ 2013)

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Canibalismo Amoroso




Ele disse que a amava. 

Ela não acreditou. E exigiu, como todas as mulheres, uma prova de amor. 

Ele achou tratar-se de um carro novo, jóias, dinheiro ou viagens pelo mundo. 

Ela queria muito mais do que isso. 

Mais sexo talvez? 

Não. Sangue. O dele. 

- O que?! Enlouqueceu de vez. Não mesmo, sem chance...

Ele não a amava. Era a prova que ela tinha. E insistia nisso. 

Pressionado, ele consente. Faz um pequeno furo no dedo indicado para que ela experimente durante horas seu sangue. Tem gosto metálico e é quente. Com o tempo vicia. Com o tempo ela exige mais com a cara mais angelical do mundo. Inesperadamente lhe arranca um dedo com uma dentada. Ele também, com uma dentada lhe arranca uma parte da orelha esquerda. A noite acaba sendo uma festa, regada a muito sangue, pintando toda a sala de vermelho. Espalhando vísceras. Até que os dois tombam exaustos no chão. E mortos. Ele sem o cérebro, e ela sem o coração.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Destino de Um Escritor Apaixonado


Estava apaixonado.

Contudo, incompreendido, resolve resignar-se em meio a uma infinidade de livros.

Escreve durante horas, ininterruptamente. Pausas momentâneas para lágrimas e choro compulsivo.

Quer esquecer. Ele tenta esquecer. O amor é uma chaga que não sara. Incurável.

Ela resolve amar outro. Como sempre...

Já está acostumado a decepções desse tipo. O impacto não foi tão grande assim.

Mas seu desejo, seu maior desejo, é querer aprender a esquecer. A ignorar completamente o amor. Quer aprender a vencê-lo, a ridicularizá-lo, usando todas as suas forças.

Continua a escrever.

Dúzias de poemas tristes. Confissões de amor interrompidas por acessos de fúria.

Um tiro no coração.

Pronto. Está feito.

Não é amado por ninguém, e isso, agora, não lhe incomoda nem um pouco. 

domingo, 31 de março de 2013

Considerações Sobre o Amor Cristão


O amor é uma exigência divina, contudo, o tratam como exigência humana.

É preciso partir de uma experiência concreta de que o amor, esse espírito de abnegação e cuidado, nos ofereça uma resposta às misérias humanas.  Nossa primeira experiência nesse sentido se estabelece com o cuidado dos nossos pais e queremos que essa experiência se perpetue em todas as nossas relações. Criamos utopias para o amor e por isso ele se torna irrealizável. Essas utopias são construídas quando estendemos nossas experiências infantis de amparo familiar às nossas relações sociais, tendo a expectativa de amparo e cuidado, o que inclui, até, certa disciplina. É inegável certa frustração a essas expectativas.
O amor é uma exigência divina.

Sem meias palavras, sou um cristão e creio em Deus. Contudo, caso de fato ele não exista (e estou sendo meramente especulativo nisso) acredito que Deus represente uma contestação a autonomia de um homem completamente falido. Deus é o indicador de que o homem é um projeto falido, daí as intervenções na natureza, os milagres, a encarnação e ressurreição, conforme destacam a literatura bíblica. Se há um Deus que interfere (teísmo) há um homem que é incapaz de agir por conta própria. Mas para a linguagem científica, não há Deus algum que interfira em alguma coisa: o homem continua livre no espaço.

Para alguns Deus não existe por pura impossibilidade. Essa afirmação torna-se necessária para que o homem utópico que queremos tornar-se possível. O amor é uma exigência divina, e isto significa, mesmo que Deus não exista, que o homem é incapaz de amar. Que o homem é um projeto falido no amor.

Mais ainda: que o amor é impossível ao homem. Que o amor não existe por impossibilidade à natureza humana, que é uma utopia, uma invenção, que pode ser desconstruída historicamente e usado como instrumento de poder por séculos. Para alguns, Deus, que é impossível, se insere nessa categoria. Deus e o amor, impossíveis? Só podem estar num outro mundo, este também impossível.

Se é Deus que exige o amor, e Deus é impossível, o amor torna-se impossível, e da mesma forma, torna-se uma exigência que o homem fracasse amando. Se é o homem que exige o amor, o amor nada implica de divino e impossível. Ele é humano e possível e o homem deixa de ser um fracasso total e afirma sua autonomia. Acredito ser essa uma utopia equivalente a concepção de muitos céticos de que Deus não existe. Podemos apelar e evocar a imagem de indivíduos abnegados como Gandhi, Luther King e Madre Tereza. Todos eles amaram o que convinham amar: os indianos, os negros, os pobres. Isso é algo completamente possível e humano. A luta pelos mais necessitados pode até conceder direitos, mas a concessão de direitos nunca é uma prova de amor. Como se costuma dizer, o amor é uma condição universal, e isso, para muita gente não existe. Porque não existe? Porque o amor universal é um conceito cristão, e o Deus cristão, que ama o mundo inteiro, para a mentalidade contemporânea, simplesmente é impossível.

Contudo, se Deus criou o homem, e o homem é um projeto falido, Deus criou um projeto falido? Um questionamento apelativo. O amor é impossível, tanto para teístas, quando para céticos, cada um ao seu modo. Um, pela ausência de Deus, outro, por causa dele. A confiança que se tem na autonomia confere em mim uma desconfiança, da mesma forma como muitos céticos desconfiam da religião e da crença em Deus. Não, não acredito que o homem pode tudo, de alguma maneira ele sempre se sentirá fraco e impotente, apelando para a religião ou se negando a ela. Negar isso é viver numa mentira! Claro, religiões também conferem suas mentiras, e podem usá-las para explorar e corromper qualquer um. A conclusão é simples: não se pode afirmar que a vida sem religião e alguma fé é melhor que uma vida onde esses elementos estão presentes delas. Não se pode comparar essas realidades como qualitativas. Por outro lado, o abuso de poder, o autoritarismo próprio das instituições, religiosas ou não, não naturalmente passíveis de contestação. Com Deus ou sem ele. 

sábado, 9 de março de 2013

Provocações Filosóficas lll - O Caso " Feliciano"



Houve uma época em que o campo e a cidade representavam valores antagônicos. Esse tipo de antagonismo está presente até mesmo na bíblia. No Brasil isso começou a mudar com a modernização das capitais (do Rio de Janeiro na década de 30 e criação de Brasília, na década de 60). De lá pra cá, o Brasil passa por uma crescente modernização. As cidadezinhas do interior têm acesso a luz, rede de esgoto, televisão e internet. Isso altera e muito a imagem e a mentalidade do homem do campo. Mas esse homem do campo que pensa como o homem da cidade, de maneira que ambos são indicerníveis, tal como são indicerníveis o urbano do rural,  em muitas regiões de Brasil atualmente, não encontram seu maior exemplo na geração de nossos pais, mas sim nos filhos deles. Nossos pais são homens do campo que vivem na cidade. Claro que afirmo isso de forma metafórica para alguns e literal para outros. Analisando a biografia do deputado Marco Feliciano, de origem humilde no interior de São Paulo, e de como transformou sua fé cristã pentencostal  em trampolim político e deste para a presidência da comissão de direitos humanos da câmera dos deputados, é possível, pelo menos em parte, definir como se formou sua mentalidade. Isso não significa justificá-la. Significa compreender como se formou sua mentalidade. O que faz Feliciano objeto de horror para muitos cidadãos brasileiros, incluindo cristãos, se estabelece numa diferença de mentalidade, em tempo e lugar. Pior ainda quando essa diferença torna-se explícita diante de um cargo político, pois as mentalidades, sejam elas quais forem, particularmente de políticos, colaboram para a criação de projetos de leis que se destinam a uma infinidade de outras pessoas. Pelo menos em teoria, não se pode usar a própria mentalidade para a criação de leis: isso é tirania. O embate está ai: uma mentalidade contra a outra, mais do que isso, o que uma mentalidade pode fazer com a outra, já que está no poder, e isto não tem nada a ver com fé religiosa, mas sim com valores culturais engessados pelo literalismo da cultura, da religião, da vida.