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segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Fundamentos Para Uma Teologia Pessoal



1-      Acredito que tanto ateus quanto cristãos definem suas convicções a fim de que suas vidas de alguma forma tenham algum sentido. Uns através da afirmação e outros através da negação da existência de Deus. Em outras palavras, de que para uns viver só é possível com e outros sem a necessidade de um Deus.

2-      Em termos de conhecimento (epistemológico) é impossível saber. A grande marca de nossa civilização é acreditar na imparcialidade do conhecimento que nós mesmos produzimos. De reificá-lo através da crença numa razão abstrata e universal ( como defendem Kant e Hegel), conferindo-lhe uma autoridade absoluta e totalizante. Uma grande tolice, pois a civilização apenas produz conhecimento útil para si mesma: o que não é útil é descartado como ultrapassado e irracional. Nesse sentido, todo conhecimento é parcial e não determina evolução.

3-      Suspeito que não há uma distância significativa entre nós, homens de civilização, e aqueles que nos antecederam, cercados de mitologias e crenças. Se não temos religião, ou crenças ou qualquer outra espécie de cosmologia que definiríamos explicitamente como mitológicas, é porque evidentemente, mentimos sobre nós mesmos ou concedemos às nossas mitologias o perigoso patamar de uma perfeita descrição da vida. Particularmente, compreendo o homem moderno como o mais mitológico de todos, criando a ilusão de ser aquela entidade especial no universo que superou o mito, que se “esclareceu”, ganhando autonomia e garantindo certa medida de felicidade para a próxima geração. Ou que pelo menos acredita estar a caminho disso. Substituímos (como homens racionais que somos) uma mitologia por outra. E acreditamos que fizemos progresso. E para justificar o progresso, afirmamos que a vida ficou melhor, que substituímos fogueiras por micro-ondas, e a expectativa de vida aumentou. Que a utilidade constitui o valor supremo que define a razão para tudo. Que constitui o sentido. Um homem do paleolítico não pode reclamar de não ter um micro-ondas, e é perfeitamente feliz com isso, tal como nós somos com os nossos micro-ondas. Entregue um micro-ondas a um homem do paleolítico, e ele não verá sentido nele – a menos que aprenda, e isto significa, ser situado num outro tipo de racionalidade, civilização, mitologia, de cosmovisão de mundo. O que a princípio, ele julgará ser a coisa mais absurda do mundo e até objeto de riso. De igual maneira, faça um homem “civilizado” viver entre homens do paleolítico: que aprenda a caçar, a fazer fogo, e a se proteger da chuva, do frio e de animais perigosos. Não haverá sentido numa vida assim, pois ambos (homem antigo e moderno) sempre preferem a vida que tem, como a mais óbvia e racional de todas. Justamente porque é uma vida já estabelecida, e por isso, sempre julgada a mais confortável.
4-      A civilização sempre está em adaptação: antigas formas de se compreender a relação entre homem, natureza e produção de meios de subsistência precisam ser descartados e substituídos constantemente. Origem de todo o poder. Sendo assim, nenhuma forma de conhecimento, logo, justificativa de qualquer racionalidade, pode ser imparcial. Que todo conhecimento procura justificar uma forma de poder.

5-      Crer ou não em Deus estabelece uma forma de poder. Contudo, apenas quando crer ou não crer tornam-se formas de conhecimento sobre a realidade: seja através de teologias (racionalização sobre o sagrado) seja através das ciências (racionalizações sobre o homem).


6-      O estabelecimento de um poder sempre determinará politização, e por isso, opressão de um grupo sobre outro: tanto a idade média (declaradamente cristã) quanto a União Soviética e a China Comunista (declaradamente atéias) constituem fenômenos de um mesmo princípio.

7-      Se crer ou não em Deus não determinar uma forma de conhecimento (objetivo e universal), o que determina então?

a)      Que a crença em Deus é anterior ao nascimento da civilização, e até mesmo contrário a ela. Determina talvez sua origem entre povos nômades (A história de Abraão, e antecedentes – descendentes de Noé e etc – exemplificam isso.
b)      Não estabelece, originalmente, algum tipo de racionalização, mas de experiência subjetiva intraduzível em termos de conhecimento: mitologia.
c)       Com o crescimento do número de cidades, povos nômades precisam se sedentarizar: aprender o cultivo renovável do solo, através de novas tecnologias, aprender a lutar e defender o território e por fim, a ler e escrever. A pertencer a uma elite. Nesse sentido, a experiência religiosa de um Deus avesso a civilização, por intermédio de uma elite, começa a se racionalizar, a se politizar, a defender um partido (a história de José no Egito é um exemplo disso). 
d)      A bíblia inteira é portanto, o testemunho de um mal-estar civilizatório: de Deus contra a civilização: ora apaziguado por racionalizações (disputas de poder) ora enfurecido contra a civilização (apocalipses) por intermédio da tradição profética. E nesse sentido, em termos gerais, racionalizado, o próprio Deus não pode ter uma personalidade definida: ora defende a vida, ora autoriza o assassinato, e etc.. É contraditória pois expressa justamente a tentativa da conservação de uma tradição religiosa nômade em épocas de sedentarização, de uma paixão numa época de racionalização.

8-      Compreendo o cristianismo bíblico como uma releitura dessa tradição, feita por intermédio dos profetas apocalípticos. Pois os apocalipses nada mais são do que isso: a vitória de Deus sobre o mundo, do campo sobre a cidade, dos camponeses sobre os nobres. Pois o camponês (que é marginal – e Jesus foi um camponês) é um paradoxo político: está o mais distante da cidade, mas não completamente ausente dela, sendo assim, o mais próximo desse Deus camponês e nômade (que cria o jardim do Éden, é o pastor e faz alusão ao campo o tempo todo). É por isso que a bíblia está cheia de paisagens idílicas o tempo todo. Estabelece uma tradição nômade para o diálogo com camponeses e marginais.


9-      E por isso, para a civilização, tudo isso é mito em seu sentido pejorativo. Porque a própria civilização não pode compreender-se como vencida, derrotada. Contudo, mito é toda experiência vivida que não pode ser racionalizada. Que permanece uma incógnita, e que exige apenas uma decisão: “Escandaliza-te ou crê” nos ensina Kierkegaard. É preciso portanto, compreender o mito de outra forma. 

sábado, 25 de maio de 2013

Para Fazer Doer o Coração

A chuva me condena a lembranças tristes.
De que estou irremediavelmente destinado a viver sem a boa companhia,
de quem, com um sorriso, tornaria os meus dias,
um pouco mais suportáveis. Dias um pouco mais saudáveis.
Talvez eu viva menos por isso.

A tristeza vem antes da chuva, e não passa com ela.
Eu me pergunto constantemente se a vida seria um pouco mais tolerável,
se não houvesse essa tristeza.
Talvez não seria.

Mas como saber, sem ao menos ter a oportunidade de conhecê-la?
De fazer doê-la no coração.
Queria fazer doer o coração,
mas não para escrever poemas tristes.
Que o coração doa por intensidade.

É a vida, e talvez eu esteja destinado a fracassar.
Talvez amar não seja assim tão importante,
mas se for, pequeno e insignificante,
poderei até, amargamente chorar no meu túmulo.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Dogmatismo Filosófico




1.      Considerando que todos os filósofos, sejam pequenos ou grandes, reconhecidos ou anônimos, eram seres humanos, e como todos os outros, limitados por sua finitude e ignorância (ninguém ainda conseguiu provar o contrário disso).

2.      Considerando que nenhum filósofo morreu deixando à posteridade um pensamento completo, hermeticamente fechado, que encerra em si todas as grandes e pequenas questões da filosofia.

3.      Considerando que Sócrates, o filósofo grego que explodiu as cabeças da Grécia, apenas o fez a partir da explosão da sua própria cabeça. Que as questões que levantou aos atenienses, levantou antes, para si mesmo. Questões, e não conceitos. Questões são universais, conceitos, particulares.

4.      É ridículo, portanto, a um filósofo, assumir a posição de dogmata, isto é, de adorador de sistemas de pensamento, de escolas, pois nesse caso, não se faz filosofia, mas religião. 

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Loucura e Liberdade




"Em tal mundo, submetido aos efeitos mais teatrais e obrigado a cada entardecer a representar um pôr do sol correto, as pessoas ao meu redor pareciam pobres criaturas dignas de pena pela seriedade com que continuamente se ocupavam, acreditando, ingênuas, naquilo que faziam e sentiam. Havia uma única criatura na cidade que compreendia essas coisas e pela qual eu nutria uma admiração plena de respeito: a louca da cidade. Só ela, em meio a pessoas rígidas e recheada até a ponta dos cabelos de preconceitos e convenções, só ela mantivera a liberdade de gritar e de dançar pela rua quando quisesse. Coberta de imundície, ela andava esfarrapada pelas ruas, desdentada, com o cabelo ruivo desgrenhado, segurando nos braços, com ternura materna, um cofrinho velho cheio de cascas de pão e diversos objetos retirados do lixo.

Exibia o sexo aos transeuntes com um gesto que, se fosse utilizado com outro objetivo, seria considerado “pleno de estilo e elegância”. Que esplêndido, que sublime é ser louco!, dizia para mim mesmo, constatando, com um inimaginável desgosto, quantos costumes familiares arraigados e estúpidos e que esmagadora educação racional me separava da liberdade extrema de uma vida de um louco.

Quem nunca foi tomado por esse sentimento está condenado a jamais sentir a verdadeira amplitude do mundo".

Max  Blecher em “ Acontecimentos na Irrealidade Imediata” (Ed. Cosacnaify/ 2013)

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Canibalismo Amoroso




Ele disse que a amava. 

Ela não acreditou. E exigiu, como todas as mulheres, uma prova de amor. 

Ele achou tratar-se de um carro novo, jóias, dinheiro ou viagens pelo mundo. 

Ela queria muito mais do que isso. 

Mais sexo talvez? 

Não. Sangue. O dele. 

- O que?! Enlouqueceu de vez. Não mesmo, sem chance...

Ele não a amava. Era a prova que ela tinha. E insistia nisso. 

Pressionado, ele consente. Faz um pequeno furo no dedo indicado para que ela experimente durante horas seu sangue. Tem gosto metálico e é quente. Com o tempo vicia. Com o tempo ela exige mais com a cara mais angelical do mundo. Inesperadamente lhe arranca um dedo com uma dentada. Ele também, com uma dentada lhe arranca uma parte da orelha esquerda. A noite acaba sendo uma festa, regada a muito sangue, pintando toda a sala de vermelho. Espalhando vísceras. Até que os dois tombam exaustos no chão. E mortos. Ele sem o cérebro, e ela sem o coração.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Destino de Um Escritor Apaixonado


Estava apaixonado.

Contudo, incompreendido, resolve resignar-se em meio a uma infinidade de livros.

Escreve durante horas, ininterruptamente. Pausas momentâneas para lágrimas e choro compulsivo.

Quer esquecer. Ele tenta esquecer. O amor é uma chaga que não sara. Incurável.

Ela resolve amar outro. Como sempre...

Já está acostumado a decepções desse tipo. O impacto não foi tão grande assim.

Mas seu desejo, seu maior desejo, é querer aprender a esquecer. A ignorar completamente o amor. Quer aprender a vencê-lo, a ridicularizá-lo, usando todas as suas forças.

Continua a escrever.

Dúzias de poemas tristes. Confissões de amor interrompidas por acessos de fúria.

Um tiro no coração.

Pronto. Está feito.

Não é amado por ninguém, e isso, agora, não lhe incomoda nem um pouco. 

domingo, 31 de março de 2013

Considerações Sobre o Amor Cristão


O amor é uma exigência divina, contudo, o tratam como exigência humana.

É preciso partir de uma experiência concreta de que o amor, esse espírito de abnegação e cuidado, nos ofereça uma resposta às misérias humanas.  Nossa primeira experiência nesse sentido se estabelece com o cuidado dos nossos pais e queremos que essa experiência se perpetue em todas as nossas relações. Criamos utopias para o amor e por isso ele se torna irrealizável. Essas utopias são construídas quando estendemos nossas experiências infantis de amparo familiar às nossas relações sociais, tendo a expectativa de amparo e cuidado, o que inclui, até, certa disciplina. É inegável certa frustração a essas expectativas.
O amor é uma exigência divina.

Sem meias palavras, sou um cristão e creio em Deus. Contudo, caso de fato ele não exista (e estou sendo meramente especulativo nisso) acredito que Deus represente uma contestação a autonomia de um homem completamente falido. Deus é o indicador de que o homem é um projeto falido, daí as intervenções na natureza, os milagres, a encarnação e ressurreição, conforme destacam a literatura bíblica. Se há um Deus que interfere (teísmo) há um homem que é incapaz de agir por conta própria. Mas para a linguagem científica, não há Deus algum que interfira em alguma coisa: o homem continua livre no espaço.

Para alguns Deus não existe por pura impossibilidade. Essa afirmação torna-se necessária para que o homem utópico que queremos tornar-se possível. O amor é uma exigência divina, e isto significa, mesmo que Deus não exista, que o homem é incapaz de amar. Que o homem é um projeto falido no amor.

Mais ainda: que o amor é impossível ao homem. Que o amor não existe por impossibilidade à natureza humana, que é uma utopia, uma invenção, que pode ser desconstruída historicamente e usado como instrumento de poder por séculos. Para alguns, Deus, que é impossível, se insere nessa categoria. Deus e o amor, impossíveis? Só podem estar num outro mundo, este também impossível.

Se é Deus que exige o amor, e Deus é impossível, o amor torna-se impossível, e da mesma forma, torna-se uma exigência que o homem fracasse amando. Se é o homem que exige o amor, o amor nada implica de divino e impossível. Ele é humano e possível e o homem deixa de ser um fracasso total e afirma sua autonomia. Acredito ser essa uma utopia equivalente a concepção de muitos céticos de que Deus não existe. Podemos apelar e evocar a imagem de indivíduos abnegados como Gandhi, Luther King e Madre Tereza. Todos eles amaram o que convinham amar: os indianos, os negros, os pobres. Isso é algo completamente possível e humano. A luta pelos mais necessitados pode até conceder direitos, mas a concessão de direitos nunca é uma prova de amor. Como se costuma dizer, o amor é uma condição universal, e isso, para muita gente não existe. Porque não existe? Porque o amor universal é um conceito cristão, e o Deus cristão, que ama o mundo inteiro, para a mentalidade contemporânea, simplesmente é impossível.

Contudo, se Deus criou o homem, e o homem é um projeto falido, Deus criou um projeto falido? Um questionamento apelativo. O amor é impossível, tanto para teístas, quando para céticos, cada um ao seu modo. Um, pela ausência de Deus, outro, por causa dele. A confiança que se tem na autonomia confere em mim uma desconfiança, da mesma forma como muitos céticos desconfiam da religião e da crença em Deus. Não, não acredito que o homem pode tudo, de alguma maneira ele sempre se sentirá fraco e impotente, apelando para a religião ou se negando a ela. Negar isso é viver numa mentira! Claro, religiões também conferem suas mentiras, e podem usá-las para explorar e corromper qualquer um. A conclusão é simples: não se pode afirmar que a vida sem religião e alguma fé é melhor que uma vida onde esses elementos estão presentes delas. Não se pode comparar essas realidades como qualitativas. Por outro lado, o abuso de poder, o autoritarismo próprio das instituições, religiosas ou não, não naturalmente passíveis de contestação. Com Deus ou sem ele.