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segunda-feira, 4 de abril de 2011

Kairós (Primeira Parte)


Καιρός
Nós afirmamos que a magnificência do mundo enriqueceu-se de uma beleza nova: a beleza da velocidade. (Filippo Tommaso Marinetti no Manifesto do Futurismo).

I

Kairós. 

Tempo de Deus. 

Eternidade. 

Como é difícil para nós se falar em eternidade, quando até mesmo o próprio ato de viver é inseparável do tempo. Não poderia deixar de ser absurdo qualquer tipo de especulação que nos escapa inteiramente da experiência, mesmo pessoal. Nossa época é marcada pela velocidade. Rápidas transformações tecnológicas trazem consigo um desgaste prematuro de idéias e valores. A vida parece ser cada vez mais curta. Se falar em eternidade parece um absurdo cada vez maior a partir de uma experiência cada vez mais intensa e profunda da finitude feita pelo homem contemporâneo. Contudo, essa experiência da velocidade tem o seu próprio lugar no tempo, ela teve um princípio. 

Sendo assim, é preciso reconhecer quando um discurso cedeu lugar ao outro. É preciso reconhecer que diferente de hoje, eternidade nem sempre pareceu um discurso tão absurdo assim. Eternidade absurda para o nosso tempo, mas não para o tempo que a velou. Se o nosso tempo tecnológico, promovido pelas grandes metrópoles se caracteriza pela velocidade, justificado pelo discurso da temporalidade, de maneira inversa, o discurso sobre a eternidade somente poderia ser justificado por condições sociais alheias a tais experiências. Se a tecnologia e a informação fazem acelerar o tempo, características das grandes cidades, a ausência desses elementos, tornam a passagem do tempo bem mais lenta. Característica da vida no campo. 

Se atualmente, essa ambigüidade clássica entre campo e cidade se torna cada vez mais complexa e difícil de ser feita, à medida que nos voltamos ao passado, essa ambigüidade era mais evidente do que é hoje. É evidente que a oposição entre cidade e campo se encontra na crise enfrentada pelo nomadismo patriarcal diante do surgimento das primeiras cidades. Basicamente, tal oposição tem sua origem na dominação da técnica  de cultivo renovável do solo e da criação de animais. Com o cultivo renovável do solo, surge a necessidade em se demarcar território, em decorrência disso, em protegê-lo com muralhas, exército, armas. O dono da cidade se torna o seu líder absoluto, sua palavra, lei inquestionável e seu poder transferido apenas a pessoas de confiança, normalmente familiares. O gêneses irá destacar bem esse conflito. Partindo da expulsão do paraíso, ao relacionamento entre os irmãos Caim (agricultor e criador da primeira cidade) e Abel (pastor nômade) e a vida nômade dos primeiros patriarcas. 

O Éden ou o paraíso constitui a volta do homem ao seu lugar de origem, o campo. Onde a vida campestre encontrou sua plenitude e o homem encontrou o seu lugar na natureza, e por isso, o tempo nunca passa. Constitui portanto, um discurso oriundo de uma crise do nomadismo patriarcal ou sua apologia saudosista, o que é o mais provável, devido a origem da redação dos escritos sobre a criação, que remontam o cativeiro babilônico dos hebreus. 

Em síntese, o Kairós, historicamente falando, constitui um elemento discursivo de resistência cultural contra o desenvolvimento tecnológico presente na formação das primeiras cidades. Significa uma crítica a organização das primeiras cidades, contrapondo-se ao nomadismo em declínio. Existe portanto, presente no discurso sobre o Kairós um forte elemento anti-civilizatório. O homem pertence ao campo, não a cidade. Mais tarde, no novo testamento esse valor será retomado por Jesus (que aliás, era camponês) ao se referir ao inferno. O Geena (inferno) consistia num tipo de lixão onde se depositavam os dejetos da cidade que eram queimados por uma grande fogueira. Lá era comum animais mortos em decomposição e por isso a infestação de vermes. O inferno de Jesus é o lugar de dejetos da cidade, e isso para ele, também incluía o homem. Um homem ausente da natureza e por isso de natureza. O homem da cidade é um homem morto que não morre, em decomposição, todavia eterno.

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