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terça-feira, 3 de abril de 2012

Segundo Capítulo de "Absinto"


Capítulo Dois

Acho que estou enlouquecendo ou sonhando. Na melhor das hipóteses, talvez eu esteja morto. Entretanto, o que de fato me angústia é justamente não ter certeza alguma.

Curioso como as pessoas se interagem por aqui. Elas não falam. Não se comunicam. Não há telefones, nem mesmo internet ou livros. Pensei: - O sistema implodiu. Aparentemente, todas sempre sabem o que fazer. Durante o dia, parecem máquinas, à noite, demônios. Não se cansam, não sentem fome ou sede. Mas se divertem intensamente de uma forma que para mim não existe outra maneira de definir do que repulsiva. É estranho viver num mundo assim, onde o estremo caos reina pacificamente com o mais absoluto silêncio. Onde a violência contra si mesmo é uma diversão. Como se a vida não fosse mais suportável, mesmo sendo eterna.

Cada homem só enxerga a si mesmo, e por isso, comete o equívoco de considerar-se sozinho no mundo e incompreendido. Por aqui essa realidade é bem mais gritante: as pessoas passam por mim e não me vêem. Elas não sabem que eu existo e simplesmente não me conhecem. Parecem estar cegas, tateando, desesperados, a fim de evitar caírem no abismo. Acontece que irremediavelmente esse abismo já nos encontrou. O verdadeiro problema consiste em como vamos todos sair dele.

Cada homem só enxerga a si mesmo: comunicar-se é inútil. Desapareceram os idiomas, as línguas comuns. Tudo é mais simbólico, e por isso, mais silencioso. O menor dos ruídos constitui uma agressão a individualidade do outro, é quase um crime. Um mundo em silêncio! É como viver numa imensa biblioteca ou num cemitério.

Alguns homens não suportariam.

Ele se jogou de uma janela do vigésimo andar. Todas as costelas estavam quebradas e alguns ossos expostos. Teve metade da face esmagada pelo concreto. Talvez, um caso irrecuperável. Mas estava vivo. Um evento comum, por não ser o único. As ruas estavam cheias de machas de sangue.

Não pensam. Não expressam qualquer tipo de sentimento que consideraria natural. Toda forma de espontaneidade se assemelha a brutalidade de um psicopata. São ausentes de sentimento de qualquer espécie: medo ou remorso, nem mesmo alegria, apenas impulso. Uma espécie de prazer difícil de definir. Não pensam, por aqui não há pensamentos. Só corpo, impulso, desejo, conflito. Nada mais. 

Gritei!
Com toda a força e ar disponível em meus pulmões. Rapidamente fui cercado por uma multidão de pessoas. A partir daquele momento eu era visto. E ouvido. O espanto foi inevitável. Cada rosto, embora mudo, apenas expressava uma única inquietação:

 - Vejam, um homem que fala. Mas o que ele fala? Eram todos incapazes de discernir.
- Quem são vocês? Onde estou? Eu não cansava de repetir.

Inúteis foram todas as minhas tentativas. Embora não me respondesse palavra alguma, com um olhar simpático, uma jovem parece me interpretar como um animal de estimação.

Os lábios da bela jovem de cabelos cor de cobre abriam-se trêmulos. Ela falou comigo pela primeira vez. Com lágrimas nos olhos. Não há outro meio de defini-la a não ser como uma criança. Ela me olhou com estranheza, contudo, sentia que seus olhos não eram os únicos. Escondidos, havia outros olhares, talvez milhares, invisíveis, provocando em mim certo desconforto.


Não há dicionários. Não há livro algum. Excluíram da língua comum palavras como “sonho”, “onírico”, “abstrato”, assim como “Deus”, “divindade”, “céu”, “inferno”, “anjo”, “demônio”. Não era uma simples coincidência. Deus não existe num mundo que não sonha, e que por isso não tem esperança. Como falar sobre Deus para pedras que pareciam homens? Achei minha tarefa impossível. Por um segundo havia me esquecido que o lugar onde estava era impossível. Acabei por mudar de idéia.

Imediatamente sou imobilizado por dois homens. A última imagem que tenho antes de desmaiar por conta dos socos e ponta-pés é o sorriso dela. Doce e inocente, contudo, com um olhar frio e penetrante como se quisesse me matar, embora não pudesse. Talvez, mesmo não sabendo ela queria.

Acordei. De maneira estranha, meu primeiro pensamento foi em Deus. Baita ironia. Não sei se tenho fé. Todavia, não sei se sei que não a tenho também. Lembrei-me de algumas ponderações religiosas da juventude. Quando costumava conversar sozinho sobre a possibilidade de existir algum sentido pra tudo, que pelo menos não fosse nada como átomos ou genes:

“Deus. Que transcende toda imagem, fala e definição. Deus e ao mesmo tempo o nada. Mas essa nada inquieta a alma. Porque o nada? Nos faz perguntar “Porque?”. Deus. Um pergunta ou uma resposta? Uma ferida no coração do homem que o faz gritar de dor. E enquanto essa ferida continuar aberta, ela terá consciência de que precisa de uma resposta, mais ainda, de que existe uma resposta, pois caso contrário, o próprio ato de se procurar é inútil. Enquanto essa ferida continuar aberta, continuará o homem a crer que é um ser eterno”.

No mundo onde estou, os homens são eternos por fora, contudo, completamente mortos por dentro. Não há dor dentro do peito, mas a carne é sensibilíssima. Tudo constitui uma agressão aos sentidos: o ar, o som, qualquer mínimo toque. Não há pergunta. Não há resposta. Não vale a pena procurar uma resposta. Não há a eternidade de uma Deus que possa justificá-la. Não há nada o que justificar. Tudo é permitido para um homem sem alma. Um homem inconsciente de ter uma alma.

Primeiro Capítulo Aqui:  http://migre.me/8xq0S

7 comentários:

Gabi disse...

muito legal, diogo. já começo a campanha pelo 3o capítulo. bjs.

Anônimo disse...

Massa, mas acho que ainda tá muito etéreo. Podia equilibrar mais a ação real com as divagações.

Luis Felipe

Phelipe Charada disse...

Quero logo o 3º capítulo, muito boa história. Você escreve bem parecido com o KAFKA rs. SUCESSO !

Aline Mendes disse...

Quero o 3º capítulo já!!! Parabéns Diogo, ótimo como sempre...

Rubens disse...

3ª capitulo , espero que acabe os desvaneios desse cara ...

Rubens disse...

Diogo , uma idéia para o livro , seria um bom quebra-cabeças , que somaria ao ar de misterio .... e despertaria uma visao atenta nos leitores , abraços

Anônimo disse...

Uma excelente idéia!!!