O amor é mais forte do
que a morte, tanto que chega a zombar dela, assim como de uma infinidade de
sistemas políticos de promoção a essa morte. Mas não sem certa dose de melancolia.
Esse talvez seja o que há de mais intenso em Roberto Benini em seu filme “A Vida é Bela”. Tudo é muito
expressivo: um homem sem valor, encontra o valor que tem com a mulher que ama.
Com o tempo, cultivam um lar e um filho pequeno. Época da guerra e ele e o
menino são judeus. Vão parar no campos de concentração. Ela separada dos dois,
exige ir para o campo também, embora não fosse judia. O final é emocionante.
Devaneios literários de um teólogo sobre o ritmo das Metrópoles; seu mundo e sua gente. E é claro, sobre eternidade...

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sábado, 19 de janeiro de 2013
Cristianismo e Cristandades
Embora
assuste a muita gente, o cristianismo nunca pretendeu ascensão social. Sempre
se aproximou das párias, dos iletrados, infratores, pecadores, injustiçados e
perseguidos. Sempre esteve ao lado deles. E por isso, em sua história, foi
considerado um movimento sem expressão. Com a helenização do mundo antigo, isso
tornou-se evidente: a fé na ressurreição de um judeu não se tratava de um
discurso válido num mundo cada vez mais racional. O cristianismo não se tratava
na defesa de uma ideologia. Sem expressão social o discurso cristão tratava-se
de um discurso sem credibilidade, portanto, ignorado, contraditado, ridicularizado,
esquecido, perseguido, pois reagia violentamente contra a noção cultural que o
mundo antigo tinha de verdade e bondade. Reagia contra aquilo que o mundo
antigo entendia como as coisas são ou deveriam ser. Não se preocupem com isso.
Esse mundo antigo, de tão antigo, continua se repetindo. Pensem bem: você
também não acreditaria se alguém pregasse a ressurreição de um Deus, que ao
invés de Jesus, tivesse outro nome. É o mais racional a se fazer. Acontece que
o cristianismo não se trata de uma doutrina filosófica ou teoria bem construída
sobre Deus. O cristianismo trata-se de uma experiência com esse Deus.
Por
outro lado, oposto ao cristianismo está a cristandade, que consiste no
cristianismo descaracterizado por interesses políticos e econômicos. Ele está
interessado em ascensão social, e para isso, ocupa o lugar dos poderosos, faz
amizade com políticos e assume um discurso de moralidade. O discurso promovido
pela cristandade, tendo em vista os interesses das massas, é capaz de sujeitar
até os poderes do Estado, ou então o seu oposto, de deixar-se submeter aos
interesses do Estado. A cristandade assume o discurso da racionalidade, que não
é universal, mas localizada no tempo, e com ela, nasce a teologia, a
escolástica, a retórica, e sua proposta em sistematizar o cristianismo e
torná-lo culturalmente tolerável. Com o tempo, uma nova racionalidade contesta a
outra, e de tolerável, a cristandade se aproxima hoje, com a racionalidade
científica, de um novo absurdo. Mas confundiram a cristandade com o
cristianismo, sendo assim, o absurdo que é a cristandade, tornou-se a chave hermenêutica
para se interpretar o absurdum que é
o cristianismo. Não espere respeito de um mundo laico. Ele não terá pena de
você. O cristianismo não assume o discurso da moralidade ou da racionalidade,
mas sim da paixão. E alguns cristãos, tentando ainda algo que os convença a
permanecerem de alguma forma justificável em sua fé, enlouquecerão.
Abraão, Um Pagão?
“...
quando o áugere cumpre a sua tarefa e declara que o deus reclama o sacrifício
de uma jovem, o pai deve então, heroicamente, efetuar tal sacrifício. Ocultará
com nobreza a sua dor, apesar do desejo de ser o homem insignificante que ousa
chorar, e não o rei obrigado a agir como tal. E se, na sua solidão, o coração
se lhe enche de dor, não tendo entre o seu povo senão três confidentes, em
breve todos os súditos conhecerão o seu infortúnio e a nobre ação de consentir,
no interesse geral, o sacrifício de sua virgem e amada filha (...). A diferença
que separa o herói trágico de Abraão salta aos olhos. O primeiro continua ainda
na esfera moral (...). Muito diferente é o caso de Abraão. Por meio do seu ato
ultrapassou todo estádio moral (...). Não age para salvar um povo, nem para
defender a idéia de Estado, nem sequer para apaziguar os deuses irritados. Se
pudéssemos evocar a ira da divindade, essa cólera teria unicamente por objeto
Abraão. Assim, enquanto o herói é grande pela sua virtude moral, Abraão é-o por
uma virtude estritamente pessoal. (Soren
Kierkegaard em “Temor e Tremor”).
É difícil deixar-se
convencer por Abraão, pois os deuses de outros povos, cada um à sua maneira,
exigiam jovens em sacrifícios. Sendo assim, torna-se difícil distingui-lo de um
pagão, de um adorador de ídolos, de uma ficção. Em que difere Abraão de um
simples camponês grego que igualmente entrega sua única filha para ser
sacrificada aos deuses? Os deuses exigem virgens, e em troca, garantem a
proteção da cidade contra os desastres naturais e guerras. Garantem boas
colheitas e rebanhos cada vez maiores. O pai, ao entregar sua única filha ao
sacerdote, embora a ame com todas as suas forças, com o seu coração partido,
prefere desistir dela pois sabe para que ela está sendo sacrificada. As colheitas
e os rebanhos, assim como a paz entre os vizinhos precisam continuar. Seu gesto
de desapego será visto como heroísmo e será recompensado por isso. Ele receberá
homenagens e serão escritas dúzias de canções e livros sobre seu feito. Mas ele
ama sua filha, e por isso prefere suportar em silêncio, até o fim de seus dias
a dor em perdê-la. Mas ele sabe porque a perdeu e os efeitos disso.
Abraão não sabe de
coisa alguma. Deus lhe exige de volta o que lhe deu. Seu ato não defenderá o
bem de quem seja, nem mesmo o seu próprio bem. Sendo assim, nada pode
justificá-lo. Ele não será honrado ou terá seu nome louvado entre o povo. Terá
de suportar em silêncio sua dor. Não, Abraão não se iguala aos homens de seu
tempo. Foi-lhe exigido superá-los. Mas não sem dor, sem angústia, sem solidão.
Seu ato de fé o tornava um homem singular, como nenhum outro, em toda a
história.
sexta-feira, 18 de janeiro de 2013
O Preço da Liberdade
Eis o Preço da Liberdade,
Da escuridão da alma,
dos poucos amigos.
De encontrar-se no mundo profundamente só.
Eis o preço da liberdade,
Sem glória alguma,
sem qualquer tipo de honra ou nome.
Ausente dos nomes que estampam os livros de história.
Esquecido no túmulo.
Jamais lembrado.
Para sempre adormecido.
Mas afinal, qual seria a importância disso?
Eis o preço da liberdade,
e esse preço consiste em morrer,
como se não tivesse nascido.
Viver como se jamais morresse.
E não ser, para quem quer que seja, coisa alguma que mereça importância
domingo, 6 de janeiro de 2013
Moriah
Sabemos
bem até onde pode ir a natureza humana: homens maus podem matar e para eles não
há a mínima diferença de quem seja a vítima, contanto que isso os agrade, os
permita algum prazer, mesmo que entre essas vítimas esteja o próprio filho.
Homens bons também podem matar, desses que não ousariam agredir um inseto ou
sequer alterar o tom de voz contra alguém. Basta-lhes um acesso descontrolado
de fúria e são capazes de sacudir o mundo. Contudo, quando a tempestade passa, a
ira cede lugar ao remorso e talvez não há mais nada a fazer. Não há o que
concertar. Atos assim podem envolver a morte de quem se ama. Embora o amasse,
ele levou seu filho à Moriah, e em silêncio
seguia o seu caminho. Mas como dizer ao seu único filho que Deus o exigia em
sacrifício? Como dizer ao filho, quem embora seria ele, seu pai, o seu
carrasco, o amava? Como obedecer a Deus e imolar o filho seria o mais correto a
se fazer do que preservá-lo com vida? Isso não coloca o patriarca na tão famosa
lista de homens virtuosos que merecem ser imitados. Isso não coloca o patriarca
entre os santos e piedosos, mas entre os loucos e delinqüentes. Enquanto
prossegue até Moriah nada pode
justificá-lo, pois até mesmo Deus está emudecido e não ousa falar até que ele,
com a faca em punho, a erga aos céus. Que espécie de homem é Abraão? Bom ou
mau? Impossível defini-lo até que tenha realizado seu ato. Mas ele não realiza!
No caminho até Moriah Abraão está
moralmente suspenso. E nesse caminho, todos nós estamos com ele. A vida
constitui o caminho até Moriah. E se
tudo afinal não passar de uma prova? E se no fim de tudo, um anjo nos impeça de
entregarmos a Deus o que mais amamos? Mas e se ele não impedir? Enquanto isso,
prosseguimos até Moriah.
Ecce Homo
Passado algum tempo, Deus pôs Abraão à prova, dizendo-lhe: "Abraão! " Ele respondeu: "Eis-me aqui".
Então disse Deus: "Tome seu filho, seu único filho, Isaque, a quem você ama, e vá para a região de Moriá. Sacrifique-o ali como holocausto num dos montes que lhe indicarei".
Gênesis 22:1-2
Diferente
dos gregos, Abraão não é um filósofo. Não aprendeu lógica ou retórica.
Diferente dos homens do nosso tempo, ele não é um homem de ciência. Não estudou
física, matemática e não teve qualquer noção de biologia ou química. Longe do
passado, cujo domínio era exercido pela filosofia, o pensamento sistemático,
bem planejado e ordenado, assim como também, longe do futuro, cujo domínio
exercido pelas ciências e seu método rigoroso de reprodução em laboratório das
leis da natureza, Abraão consiste num tipo de homem singular: sem passado ou
futuro, o presente é o seu tempo. O presente é o tempo que não o situa em tempo
algum. Ele está na eternidade, e é pela eternidade que ele será engrandecido.
Kierkegaard se propõe a dissertar sobre quem Abraão é, está tão longe do
discurso filosófico e do método científico, que para uma e outra, no mínimo ele
seria objeto de riso, a não ser por um fato: ele leva o seu único filho ao
monte Moriah para sacrificá-lo ao seu
Deus. Nesse momento, seja entre filósofos e cientistas, ou até mesmo, entre os
bondosos pais de família que amam seus filhos e desejam a eles o melhor que o
mundo os pode conceder, Abraão não pode ser visto com bons olhos: trata-se de
um homem sem coração que prevê no futuro possíveis rivalidades ou que no mínimo
enlouqueceu. E disso se trata todo a drama de sua história. A história de um
homem que guarda um segredo e cujo ato não pode justificar, e que será
engrandecido como pai de uma nação, para sempre, depois desse ato, pois afinal,
ele não sabia que tudo não passava de uma prova. Imagine o impacto que seria, a
ousadia de alguém que arriscaria viver como ele?!
sábado, 5 de janeiro de 2013
O Amor é a Porta do Paraíso
Recentemente
terminei de ler o livro de Lisa Miller Paraíso:
nossa eterna fascinação com a pós-vida (Ed. Nossa Cultura/ 2010) onde a
autora procura compreender a evolução histórica da idéia de paraíso nas
religiões monoteístas, desde o contexto por onde essas teologias surgiram, até
os dias atuais onde essas teologias oferecem apenas o ponto de partida para uma
infinidade de insights individuais
sobre o que nos espera depois da morte. O livro deixa evidente a preocupação
que o homem contemporâneo tem com a sua felicidade. Quase uma obsessão. Não
apenas nesta vida, mas, principalmente na próxima. Isso acontece pela
constatação de que a busca pela felicidade individual está por si mesma condenada
ao fracasso diante de tantos impedimentos, principalmente o da competição entre
os homens, onde a felicidade de um, determina a infelicidade do outro. A idéia
do paraíso constituiria, portanto, a vida da plenitude do desejo: cristãos
vagam por entre ruas de ouro e outras pedras preciosas, mulçumanos têm a
disposição dúzias de virgens (embora alguns teólogos do Islã contestem o termo houris, virgem em árabe, como específico
a escravas sexuais) e judeus estarão reunidos ao seu povo.
Muito
embora os textos sagrados dessas religiões contenham imagens desse tipo,
particularmente, não compreendo o paraíso como o lugar da plenitude do desejo
individual como uma questão central, dogmática. O paraíso não constitui apenas
o lugar da plenitude do desejo, pois nesse caso, insistiriam nossos estudiosos
em religião, sua causa seria inteiramente material, idealização de um desejo infantil
e reprimido por felicidade. O paraíso também é o lugar do trono de Deus, antes,
segundo a tradição judaica, inacessível aos homens. O paraíso constitui o lugar
daquele que encontrou em Deus a plenitude do seu desejo. É por isso que o
martírio é compreendido como acesso direto ao paraíso: o mártir é aquele que
faz de Deus a plenitude do seu desejo.
Outra
questão que o livro levanta indiretamente é a memória. Atualmente a crença no
paraíso está relacionada ao contato permanente com as pessoas que amamos: pai,
mãe, irmãos, a família de uma forma geral. Um tipo de teologia bastante
defendida pelos mórmons, onde não apenas os laços de sangue são defendidos como
perpétuos, mas também a memória. Teremos memória na eternidade?
A
memória constitui a individualidade. A teologia bíblica insiste na perpetuidade
dessa individualidade, logo, da memória. Jesus ressuscitou com memória, sabia
quem era e quem eram seus discípulos (Cf. Lc. 24.36-51). Os mártires exigem
justiça diante do trono de Deus a respeito de tudo o que sofreram e do
testemunho que deram (Cf. Ap. 6.9-10). Por outro lado, a perpetuidade da
memória colabora (e muito) para a crença na perpetuidade dos laços afetivos, o
que o próprio Jesus condenou em seu debate com os saduceus (Cf. Mt. 22. 23-33).
Como é possível a perpetuidade da memória sem a perpetuidade dos laços
afetivos? Uma questão não tão fácil de ser respondida. O rico no hades, segundo
uma das parábolas mais conhecidas de Jesus, sabe quem é, quem são seus irmãos e
seu pai. Ele tem voz ativa no texto em seu diálogo com Abraão (Cf. Lc.
16.19-31). Lázaro por outro lado é consolado no seio do patriarca (a TEB traduz
o texto colocando Lázaro ao lado e não no seio de Abraão). Lázaro não interage
com o rico ou se pronuncia sobre o assunto. Abraão é o mediador da conversa e
deixa explícito a impossibilidade de interação entre os dois. Lázaro não tem
voz no texto.
A
ausência de laços afetivos na eternidade também coloca algumas questões importantes:
define o amor como o bem que nasce do constante risco da perda. O amor a Deus e
ao próximo, ao amigo e ao inimigo nascem do constante risco que temos em
perdê-los eternamente. Daí a urgência em amar. Porque a morte irá extinguir
eternamente nossas formas convencionais de nos relacionarmos. Embora limitado,
o amor concede aos nossos relacionamentos provisórios sua importância na
temporalidade. Sendo assim, acredito que uma parte da nossa individualidade,
logo, de nossa memória, particularmente, a mesma envolvida na forma como
moldamos culturalmente nossos relacionamentos hoje, se extinguirá para sempre.
A mesma que nos separa e nos divide. A mesma que nos faz pensar em nossos
desejos individuais. Sendo assim, não posso compreender o paraíso como o lugar
da plenitude do desejo individual, mas sim, do desejo coletivo. Onde todos
querem a mesma coisa. Onde a “pureza de coração é querer uma só coisa” conforme
escreveu Soren Kierkegaard num de seus discursos edificantes. E quem descobriu
isso, descobriu o segredo do paraíso.
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