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sábado, 7 de janeiro de 2012

As Veias Abertas da América Latina


Não há como negar: não há história sem sangue. A história da América Latina, do seu descobrimento até os dias de hoje consiste, pois, numa história coberta de sangue, de muito sangue. Todavia, cabe ressaltar, esse sangue pertence a homens e mulheres que entregaram suas vidas em sacrifício, sem ao menos deixarem, na maioria das vezes, o seu nome para as gerações futuras a fim de lhes gerar recordação, memória. A história da América Latina constitui portanto, a história do sacrifício de pessoas que sequer deixaram lembrança. E são eles, os índios na extração de ouro e prata nas jazidas, os negros, no cultivo da cana de açúcar e do café, o nordestino, na extração do látex nos seringais e os emigrantes, japoneses, italianos e etc. Pessoas. Que ontem, sorriam e choravam. Faziam festa e filosofavam. Hoje, são ossos soterrados sobre os nossos pés.

Alguém conta a história. Na maioria das vezes, são eles, os exploradores da mão de obra barata dos índios, dos negros, dos nordestinos, dos emigrantes. A partir dessa perspectiva, a história é sempre laureada de flores. Todavia, existe uma outra maneira de se contar essa história: a partir de quem sofre! Assim nasce a obra “As veias Abertas da América Latina” de Eduardo Galeano (LP&M, 2010). Sua intenção consiste justamente em demonstrar que “... o subdesenvolvimento latino-americano é uma conseqüência do desenvolvimento alheio, que nós latino-americanos somos pobres porque é rico o solo que pisamos e que os lugares privilegiados pela natureza foram amaldiçoados pela história. Nesse nosso mundo, mundo de centros poderosos e subúrbios submetidos, não há riqueza que pelo menos não seja suspeita” (Pag. 349). Em suma, não há riqueza que seja inocente.

O livro merece elogios e críticas. A começar pela edição da LP&M que a princípio não é muito boa. Possui vários erros ortográficos simples e de editoração quando envolve números, muito embora a capa e toda produção do livro tenha ficado excelente como um todo. Galeano não pretende ser um cientista. Não escreve como um cientista social ou acadêmico e chega a afirmar que essa não é sua intenção. Aproxima-se dos novelistas. A partir daí o texto ganha uma profunda ambigüidade. Galeano faz de sua obra uma novela sobre os fundamentos da desigualdade e da exploração na América Latina. Uma novela onde (como em qualquer outra) os personagens se dividem rigidamente em bons e inocentes (os povos latino-americanos) e maus e perversos (os conquistadores espanhóis e portugueses e atualmente os imperialistas americanos). Como nas novelas da TV. Entretanto, na vida real, onde envolvem homens de carne o ossos, e não simples personagens, homens totalmente bons ou maus não existem como também queria Rousseau. Esse paradoxo moral define a nossa natureza. As novelas portanto, não podem definir seres humanos. Essa é a importância da obra de Galeano. Em sua negatividade, a obra parte do conceito de que nós (opressores e oprimidos) não somos humanos, mas apenas personagens. Não possuímos concretamente uma vida real.

Essa forma rígida de nos enxergarmos como moralmente definidos define a exploração de uns sobre outros, e uma infinidade de outros conflitos. Gera um desnível entre os homens que em cada época é defendido pelo opressor como um desnível de cor, de inteligência e culturas e por último, por conta da globalização, um desnível econômico. Galeano se propõe a uma análise desse desnível econômico, e como novelista se utiliza de uma linguagem mais amena do que tantos especialistas no assunto. O que ele lamenta, assim como eu, é que muito embora o livro tenha sido escrito a quarenta anos atrás, ainda não perdeu sua atualidade.

4 comentários:

gabriela martins disse...

"A história da América Latina constitui portanto, a história do sacrifício de pessoas que sequer deixaram lembrança."

O que é "deixar lembrança"? Ter o seu nome gravado na história? Isso, meu caro, menos de 0,1% da humanidade conseguiu realizar. Mas, na perspectiva do coletivo, pode-se dizer que essas pessoas deixaram lembrança sim. Toda a cultura, as tradições, o folclore... Muita coisa que vivemos. Até as palavras que usamos. Tudo isso é lembrança. É história.

Diogo Santana disse...

Acredito na singularidade de cada ser humano. Cada ser humano é único e irrepetível no espaço e no tempo, portanto, na história das gerações. Nunca existiu ou existirá ser idêntico a mim e a você. Essas pessoas, irrepetíveis e únicas, nascem e morrem. Ganham por isso, um valor incalculável pelo simples fato de existirem. Na maioria das vezes passam anônimas pela vidam, mas podem deixar um nome.

Alguns, por esforço ou feito grandioso, inconsequente ou audaz, conseguem deixar seu nome e feitos à memória de seu país e povo. Como você mesmo salientou, poucos conseguem isso. Á sua maneira, essas pessoas foram felizes pois encontraram algo a que se dedicar com tanto fervor que se tornaram fontes de exemplo.

Outros porém, não tiveram a mesma sorte. Não se trata aqui de um tipo de fama, mas sim da grande contradição de que é justamente o nome do conquistador espanhol ou português que vai parar nos livros de história, enquanto os verdadeiros autores dessa obra chamada Brasil e América Latina, que fizeram todo o trabalho duro, com suor e sangue, simplesmente não existem, nem mesmo pelo nome.

Sabemos, como você mesmo salientou, que entrar para a história é para um seleto grupo, os outros, em específico ao texto, os explorados, os que sofreram com toda essa exploração da América Latina, ficam de fora, e vão ficar sempre.

O texto do Galeano é um texto crítico, e como texto crítico, não se pretente dar uma solução a isso, mas servir-se de denúncia a essa questão importantíssima. Me utilizei da poesia para acentuar a questão envolver ainda mais o leitor a proposta crítica do texto.

Unknown disse...

Gostei deste texto, trata bem do livro mostrando seus pontos fortes, assim dá até vontade de ler para entender mais sobre este assunto que acontece em todos os lugares do mundo, mas é bom que isso seja mostrado no lugar onde vivemos, essa história de exploração.
:)

Nahor Lopes de Souza Junior disse...

A América Latina construiu-se no sangue de mártires anônimos cujo chão grita constantemente. E esse sangue hoje se reflete na situação econômica e na mentalidade do povo.
Precisamos de um resgate social e moral no povo da América Latina. Uma identidade que foi assassinada.
Parabéns pelo seu texto, amigo!