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quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Quem é Você?


- Quem é você? Pergunta o rapaz à linda mulher que acabou de conhecer na balada. 

- Eu? Eu sou a morte. 

Os dois sorriem juntos e se beijam. Pouco tempo depois estão na cama. Transam e em algumas horas ele está morto. 

- Quem é você? Pergunta o viciado ao traficante que lhe oferece mais uma dose do seu vício. 

- Eu? Eu sou a morte. 

Alguns minutos, depois de espasmos violentos no chão, seu coração pára e ele também está morto. 

- Quem é você? Pergunta o moribundo, que com os olhos em lágrimas, vê passar diante dos olhos todos os seus pecados, presente a chegada do seu fim eminente. Ao seu lado, um desconhecido com quem resolve compartilhar seus últimos desejos, e confessar-lhe seus maiores segredos. 

- Eu? Eu sou a morte. 

- Prazer. Eu sou Jesus. O desconhecido responde. O doente sorri. 

Mas a morte, depois daqueles dias, demorou a aparecer novamente.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Nova Reforma Protestante?


... e não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que proveis qual é a boa, agradável e perfeita vontade de Deus. 
Romanos 12:2

Ecclesia reformata, semper reformata.
O crescimento numérico de igrejas, ministros e fiéis nos alegram muito mais do que a luta de homens de boa índole (alguns nem mesmo cristãos) contra as injustiças sociais. Nos tornamos muito mais evangélicos e cada vez menos protestantes. Por outro lado, em ocasiões como o dia da reforma , é abundante os textos que evidenciam essa decadência. O problema consiste em saber como tornar possível uma nova reforma, pois a velha já ficou presa no passado, quando é evidente para todos nós essa necessidade. Uma reforma que conteste a exploração econômica da fé, que priorize os mais necessitados e nos ensine de maneira concreta a amar mais. Dogmatizamos o legado de Lutero e ao invés de continuarmos sua obra, que antes de ser dele, é do Espírito Santo, transformamos essa obra numa data festiva quando efetivamente hoje, há muito pouco para se comemorar. Regredimos.  Me entristece saber que o protestantismo histórico se tornou, ao longo dos séculos, mais um movimento conformista e conservador. E não é por acaso que historicamente a reforma e o Haloween compartilham a mesma data. O que presencio hoje é uma cena de horror.

Sola fides, Sola Scriptura, Sola gratia, Solus Christs, Soli Deo glória.
Aos que estão em Cristo.


quarta-feira, 26 de outubro de 2011

O Grande Prêmio


Sonhei uma noite dessas. 

Uma festa num grande teatro. As mulheres, com longos vestidos de gala e jóias nos pescoços e mãos, competiam entre si sobre quem possuía o penteado mais bizarro para a ocasião. Os homens, de smoking e pronunciadas barrigas, entupidos de cigarros nos bolsos, competiam de outro modo. Estavam ali por conta da literatura. 

Sobe ao palco o mestre de cerimônias, que anuncia o prêmio:
- Caríssimas senhoras e senhores, esta é uma noite muito especial. Que ficará para sempre...
Força um pouco os olhos para conseguir enxergar a continuação do pequeno discurso. E continua:
- Que ficará para sempre na história da cultura do nosso país.  Inicio agora, a entrega do prêmio “Os Piores Literatos de 2011”. 

Mais tarde se esclareceu que ele estava bêbado. 

Na categoria ficção ganhou um escritor que a muito tempo havia falecido e praticamente ninguém sabia. O laureado de não-ficção fora desclassificado por ausência. O prêmio na categoria poesia ficou com um poeta que há alguns anos havia abandonado o ofício para fazer funk, pois o lucro era maior. Por fim, na categoria “Autores que Ninguém Lê”, surgiu como laureado o meu nome. Fui à frente emocionado, percebendo nitidamente na platéia o cochichar dos convidados: 

- Quem é esse cara? 

Ninguém me conhecia. 

É. Talvez não tenha sido só um sonho. Será um presságio?

Estação Jugular, de Alan Pitz


E se você subisse num ônibus, e soubesse, durante a viagem, que está indo para a eternidade? Instantaneamente, sua viagem, de trivial e banal, se tornaria, ela mesma, a mais importante da sua vida, por ser justamente a última. Sua visão não seria mais a mesma. Como definir cores e sons de lugares desconhecidos para a maior parte da humanidade (pelo menos, viva)? Parábolas que beiram ao absurdo. É o que propõe Alan Pitz em seu livro “Estação Jugular” lançado este ano pela editora multifoco. 

Franz, tentando fugir do sol, embarca numa viajem que o leva para o seu destino e origem. O seu ponto final. É evidente no texto elementos narrativos que me cabem comparar apenas a nomes como John Bunyan (autor de “O Peregrino”) e Frans Kafla (autor de “O Processo”), pela temática utilizada e a ênfase alegórica presente no livro. Alan consegue explorar esses elementos de uma forma nova, contextualizada e elegante. 

A vida é uma viagem, e a morte também. Todos nós nascemos como peregrinos, como pródigos, regressamos à casa de onde partimos. Para alguns, essa viagem pode ser muito longa, e para outros, curta demais, entretanto, ela não deixa de ser uma aventura fascinante, onde descobrimos onde a estrada está nos levando e que o caminho que estamos indo é apenas um espelho de quem somos. É só olhar para os próprios pés.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

A Vida é uma Causa Perdida?


Chega a hora em que até mesmo o mais fervoroso defensor da ortodoxia cristã secretamente se pergunta em seu coração: “Deus realmente existe?”. Duvidar faz bem. Nossos maiores teólogos possuem biografias marcadas por muitas dúvidas atormentadoras. A dúvida alimentou o legado de cada um deles, e tenho a absoluta certeza que mesmo no leito de morte, deixaram esse mundo com outras tantas interrogações que jamais saberemos. Por outro lado, as respostas que possuíam, mesmo que provisórias, eram fruto dessas interrogações. Sendo assim, teologia nem sempre precisa ser encarada com algo ruim. 

Deus existe? Foi o mundo projetado por uma inteligência superior? Ao nos fazer essa pergunta a vida parece ser cada vez mais absurda e contraditória. Entretanto, se há algo que mereça ser levado a sério nessa questão consiste em saber se Deus é ou não um produto cultural, originário de povos nômades e seminômades do deserto, como também, o real motivo para se cultuar esse Deus. Tudo o mais é secundário e até mesmo desnecessário discutir, tendo em vista o fato de que por via de regra, religiões são, seguramente, um produto cultural. 

Há bons ateus, que apenas estão sendo honestos consigo mesmos ao afirmarem não possuírem fé alguma. Entretanto, alguns deles, como muitos cristãos fundamentalistas, costumam ler a bíblia como lêem os jornais: literalmente, como se a bíblia fosse um livro de história, quando se trata de uma interpretação teológica (de intervenção divina) sobre a história. Ateus dessa espécie são apenas o ranço social gerado entre a crise de uma hermenêutica (ortodoxa - literal) e o nascimento de outra (liberal- metafórica). Ateus e cristãos dessa espécie lêem a bíblia a partir da cultura em que estão situados, o que constitui uma agressão ao texto. É preciso ler o texto a partir do meio cultural que o gerou, sem essa perspectiva, Deus não pode se inserir em nossa cultura, pois sempre será visto como um monstro intolerante que terá adoradores da mesma espécie.
Se há alguma diferença entre Deus e religião (rito, liturgia, e etc), é que esta última é plenamente compreendida como um produto cultural, e por isso transitório, enquanto que a primeira corre o risco de não o ser completamente. 

É preciso se compreender porque se busca esse Deus. Talvez, a iniciativa mais honesta para essa busca seja uma certeza e consolo para a insegurança da morte. Podemos definir a vida como boa ou ruim se a comprarmos com a vida de outras pessoas, todavia, se nossa referência se torna a própria morte, nossa forma de avaliar se torna diferente. A vida se torna um valor fundamental. Pobres querem viver tanto quanto ricos, mesmo que continuem pobres. 

É a vida uma causa perdida? Como costuma indagar aos seus convidados Antônio Abujamra em seu programa “Provocações”. Se for, tudo é uma causa perdida, inclusive o humor, a ironia, a crítica a que muitos bons ateus se propõe a realizar não apenas contra os abusos das instituições religiosas, como das próprias injustiças sociais. Se a vida é uma causa perdida apenas nos resta a apatia. É nesse sentido que acredito que a fé em Deus (ou sua descrença) pode ser algo útil para ateus e cristãos, pois se torna um instrumento de ânimo contra um vida que parece perdida.