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domingo, 8 de abril de 2012

Citação "G.K. Chesterton"


"Quando se anunciou a evolução científica, houve quem temesse que ela estimulasse a mera animalidade. Fez pior: estimulou a mera espiritualidade. Ela ensinou os homens a pensar que, se eles estavam ultrapassando o macaco, estavam caminhando para o anjo. Mas você pode ultrapassar o macaco e ir para o diabo" (G.K.Chesterton em Ortodoxia).

quinta-feira, 5 de abril de 2012

"Absinto" - Concepção Filosófica da Ficção


Porque o Reino de Deus se manifesta justamente com a chegada da vida eterna? Justamente porque o reino dos homens somente pode subsistir com a permanência da morte, da violência e da injustiça. O eterno e o temporal são elementos característicos que distinguem e identificam o humano e o divino, e enquanto essa heterogeneidade, essa distância persistir, o divino sempre será objeto de veneração e almejo do homem (seja do ponto de vista ontológico, psicológico, social, político e etc.). Constituirá portanto, parte de sua história. Construirá a sua história. Um Deus eterno sempre fará parte da história de um homem limitado pelo tempo. Constitui-se portanto, de uma mútua carência: o homem procura Deus através de seu anseio pela eternidade e Deus procura o homem através de seu anseio pelo tempo, que para o homem é concreto (regulador da vida e da morte, no desenvolvimento e decadência das sociedades e etc.). Esse é um dos sentidos fundamentais da encarnação: Deus se torna homem, mergulha no tempo, afim de que todo homem tenha a oportunidade de mergulhar na eternidade. Esse é o sinal de inauguração do Reino de Deus em Cristo Jesus. Todavia, esse é uma ato realizado pelo próprio Deus, solapando assim todo projeto humano de autonomia. Deus se impõe ao homem, mesmo em amor.

O que significaria vida eterna? O cristianismo se destaca de todas as religiões justamente porque confere à eternidade presente do homem (alcançada mediante a fé) a consciência de que isto significa uma mudança radical de valores. Em outra palavras, ensina que a conduta do homem é naturalmente tendenciosa ao horizonte da finitude. O destino da morte (como aniquilamento total da existência ou incerteza quanto ao futuro pós-morte) constitui a conduta de homens irresponsáveis e omissos aos problemas do mundo e de suas comunidades e mais interessados em sua satisfação pessoal. Conduta típica da maioria. Por outro lado, o cristianismo oferece a vida eterna e insiste entre seus adeptos a pensarem como se vivessem eternamente, mesmo tendo em vista a realidade passageira da morte de sua limitação ao corpo.    

Absinto, embora uma ficção, procura realizar uma reflexão sobre o trajeto de retorno nesse processo, o passo inverso. Procura entender o secularismo, cujo projeto de autonomia, se realizaria de maneira plena a partir da conquista humana da imortalidade. Em sua radicalidade, a “morte de Deus” nietzscheniana é um projeto provisoriamente fracassado. Uma sociedade onde Deus esteja realmente “morto”, onde os homens estejam alheios a qualquer espécie de esperança metafísica, somente ganha sentido com a imortalidade do homem. Dessa maneira, nossa maneira de compreender a civilização mudaria drasticamente.

Sem a morte a violência se tornaria uma forma de diversão. Algo não muito diferente dos nossos dias, mas concerteza, algo bem mais intenso. Declaradamente sarcástico e masoquista. Sem a morte o sexo de igual modo se destinaria apenas para diversão, entretanto, não como uma norma cultural, mas jurídica. O crescente aumento da natalidade extinguiria rapidamente os recursos naturais da terra. Rendendo-se ao divertimento, nossos hábitos sexuais também seriam profundamente alterados, o corpo ganharia uma acentuada valorização, e a busca desenfreada pela satisfação dos sentidos um motivo para guerras. Nasce a partir daí, um novo homem, e por isso, uma nova forma de sociedade e civilização.

Entretanto, o super-homem nietzscheniano não surge apenas da vitória do humano sobre o divino através do roubo de fogo dos deuses, a imortalidade. Não se trata apenas de vencer o divino e a morte, mas também de esquece-lo. Se nossa civilização fora construída a partir da encarnação de Deus na história ocidental, isso produz uma lembrança histórica que torna o divino uma realidade impossível de ser aniquilada. Deus não estaria morto, mas seria transformado, ressuscitado, adaptado às novas circunstâncias. A morte nietzscheniana de Deus se estabeleceria num segundo momento com a aniquilação da memória metafísica. Um procedimento complexo, pois nos referimos ao divino como um conceito enraizado na memória social das civilizações. O grande mentor dessa memória consiste no nosso conceito linear de tempo. Esse mesmo conceito determina nossa forma de produzir, de pensar, de viver e de morrer na cultura ocidental. A morte nietzscheniana de Deus se processaria dessa maneira como um rompimento doloroso de uma civilização com todo o seu passado. Sem memória, tudo deveria ser incessantemente re-criado a cada dia, inclusive a consciência dos homens.

Planeta dos Macacos resgata a idéia de se estar num mundo completamente rompido com o seu passado. Os macacos na realidade são outra espécie de homens oriundas desse rompimento, dessa distância. Criando uma nova civilização, eles criaram um novo começo para o homem, uma nova memória, uma nova história, uma nova forma de contar o tempo. Cidade das Sombras, à sua maneira, também tenta explorar esse conceito. Apoiará toda a sua narrativa na proposta de que a memória é uma constante entre causas e efeitos, lineares ou circulares, determinando assim um conceito específico de temporalidade, logo, de história. Não há passado sem memória, e isso somente pode ser interrompido se o tempo (linear ou circular) deixar de ser uma constante – o que é naturalmente impensável se não alterarmos as leis da lógica e do bom senso. Dessa maneira, o filme irá reduzir a constante temporal o máximo possível (a fim de resguardar ao filme certa coerência lógica). Isso é bem expresso no filme quando os alienígenas apagam a memória dos moradores da cidade a cada noite e a re-programam para o dia seguinte, ou seja, a memória social (logo, a história) é mantida durante apenas todo o decurso do dia, sendo quebrada (perdendo assim sua seqüência lógica) entre um dia e outro. A cada dia uma nova história é contada, uma nova ordem lógica, uma nova memória.

O onírico representa bem essa nova maneira de compreender o tempo, sem ordem lógica e não histórica. O onírico é por si mesmo um mundo sem história, sem passado e sem futuro, sem memória. O filme Um Cão Andaluz de Luiz Bruñel e Salvador Dali, expressa bem esse tipo de universo. Fazendo uma ponte entre Nietzsche e Freud, fica fácil entender que o super-homem nietzscheniano é o próprio Dionísio, um homem ausente de repressões, senhor de sua vontade. Isso somente seria possível de maneira plena com a posse da eternidade. Um homem ausente de repressões é um homem ausente de culpa, logo, de memória também. 

O que seria entretanto, uma civilização dionisíaca, se levarmos em consideração, diferente dos gregos, nossa intensa produção tecnológica? Não existem respostas convincentes para uma questão como essa, entretanto, é possível arriscar. Arriscar fazendo ficção. É essa a proposta desse livro. 

No futuro, os homens vivos poderão viver para sempre ou planejar quando deseja morrer. A descoberta da imortalidade alterou nossa maneira de enxergarmos toda a civilização (o sexo como procriação se tornou um crime, a fim de se evitar a superpovoamento do planeta, todavia, é aceito como pura diversão, gerando as maiores bizarrices; sem a morte o homem não tem medo, não possui dilemas existenciais, todavia, extremamente violento, reinventado o conceito de violência, o aumento da violência gratuita acaba com a amizade e o amor; não há mais morte, contudo há dor, muita dor; sem a morte acreditar em Deus se torna desnecessário). O caso de João é excepcional, pois não se tem notícia, ou tecnologia para se fazer alguém morto a tanto tempo retornar à vida, a não ser através de clonagem. Contudo, clones não possuem a mesma memória da matriz.

O grande enigma do personagem central consiste no fato de que, com o controle de natalidade estagnado, todos os indivíduos são conhecidos por um sistema global. João aparece do nada. Acorda e anda errante num mundo totalmente estranho ao mundo que conhecia no passado. João é reconhecido como um corpo estranho pelo sistema, pois não tem uma origem, e dessa maneira não se sabe o seu fim. Não tem passado. Seu único vínculo com o passado é a sua memória. 

Ele então passa a ser ouvido. Sua memória não apenas expressa doces lembranças pessoais, mas o único registro de uma civilização que fora apagada da história. Interpretar o caso de nosso personagem como um milagre é constrangedor para o futuro. Nessa nova civilização, não há fé ou qualquer registro história das religiões e de Deus. Um mundo onde Deus não existe e por isso mesmo não possui história. O futuro é um mundo sem Deus, sem morte e sem classes (os políticos pensaram: se o poder da imortalidade pertencer apenas aos mais ricos, enquanto houver morte haverá fé em Deus. Alem, disso haverá por parte de uma classe ou outra a justificativa para se pregar eugenia). A partir daí ele conta a história de Deus. Ele se torna um profeta, e por isso mesmo, marginal. E como todo profeta, estabelecerá uma crise no futuro: a morte e ao colapso social.


terça-feira, 3 de abril de 2012

Segundo Capítulo de "Absinto"


Capítulo Dois

Acho que estou enlouquecendo ou sonhando. Na melhor das hipóteses, talvez eu esteja morto. Entretanto, o que de fato me angústia é justamente não ter certeza alguma.

Curioso como as pessoas se interagem por aqui. Elas não falam. Não se comunicam. Não há telefones, nem mesmo internet ou livros. Pensei: - O sistema implodiu. Aparentemente, todas sempre sabem o que fazer. Durante o dia, parecem máquinas, à noite, demônios. Não se cansam, não sentem fome ou sede. Mas se divertem intensamente de uma forma que para mim não existe outra maneira de definir do que repulsiva. É estranho viver num mundo assim, onde o estremo caos reina pacificamente com o mais absoluto silêncio. Onde a violência contra si mesmo é uma diversão. Como se a vida não fosse mais suportável, mesmo sendo eterna.

Cada homem só enxerga a si mesmo, e por isso, comete o equívoco de considerar-se sozinho no mundo e incompreendido. Por aqui essa realidade é bem mais gritante: as pessoas passam por mim e não me vêem. Elas não sabem que eu existo e simplesmente não me conhecem. Parecem estar cegas, tateando, desesperados, a fim de evitar caírem no abismo. Acontece que irremediavelmente esse abismo já nos encontrou. O verdadeiro problema consiste em como vamos todos sair dele.

Cada homem só enxerga a si mesmo: comunicar-se é inútil. Desapareceram os idiomas, as línguas comuns. Tudo é mais simbólico, e por isso, mais silencioso. O menor dos ruídos constitui uma agressão a individualidade do outro, é quase um crime. Um mundo em silêncio! É como viver numa imensa biblioteca ou num cemitério.

Alguns homens não suportariam.

Ele se jogou de uma janela do vigésimo andar. Todas as costelas estavam quebradas e alguns ossos expostos. Teve metade da face esmagada pelo concreto. Talvez, um caso irrecuperável. Mas estava vivo. Um evento comum, por não ser o único. As ruas estavam cheias de machas de sangue.

Não pensam. Não expressam qualquer tipo de sentimento que consideraria natural. Toda forma de espontaneidade se assemelha a brutalidade de um psicopata. São ausentes de sentimento de qualquer espécie: medo ou remorso, nem mesmo alegria, apenas impulso. Uma espécie de prazer difícil de definir. Não pensam, por aqui não há pensamentos. Só corpo, impulso, desejo, conflito. Nada mais. 

Gritei!
Com toda a força e ar disponível em meus pulmões. Rapidamente fui cercado por uma multidão de pessoas. A partir daquele momento eu era visto. E ouvido. O espanto foi inevitável. Cada rosto, embora mudo, apenas expressava uma única inquietação:

 - Vejam, um homem que fala. Mas o que ele fala? Eram todos incapazes de discernir.
- Quem são vocês? Onde estou? Eu não cansava de repetir.

Inúteis foram todas as minhas tentativas. Embora não me respondesse palavra alguma, com um olhar simpático, uma jovem parece me interpretar como um animal de estimação.

Os lábios da bela jovem de cabelos cor de cobre abriam-se trêmulos. Ela falou comigo pela primeira vez. Com lágrimas nos olhos. Não há outro meio de defini-la a não ser como uma criança. Ela me olhou com estranheza, contudo, sentia que seus olhos não eram os únicos. Escondidos, havia outros olhares, talvez milhares, invisíveis, provocando em mim certo desconforto.


Não há dicionários. Não há livro algum. Excluíram da língua comum palavras como “sonho”, “onírico”, “abstrato”, assim como “Deus”, “divindade”, “céu”, “inferno”, “anjo”, “demônio”. Não era uma simples coincidência. Deus não existe num mundo que não sonha, e que por isso não tem esperança. Como falar sobre Deus para pedras que pareciam homens? Achei minha tarefa impossível. Por um segundo havia me esquecido que o lugar onde estava era impossível. Acabei por mudar de idéia.

Imediatamente sou imobilizado por dois homens. A última imagem que tenho antes de desmaiar por conta dos socos e ponta-pés é o sorriso dela. Doce e inocente, contudo, com um olhar frio e penetrante como se quisesse me matar, embora não pudesse. Talvez, mesmo não sabendo ela queria.

Acordei. De maneira estranha, meu primeiro pensamento foi em Deus. Baita ironia. Não sei se tenho fé. Todavia, não sei se sei que não a tenho também. Lembrei-me de algumas ponderações religiosas da juventude. Quando costumava conversar sozinho sobre a possibilidade de existir algum sentido pra tudo, que pelo menos não fosse nada como átomos ou genes:

“Deus. Que transcende toda imagem, fala e definição. Deus e ao mesmo tempo o nada. Mas essa nada inquieta a alma. Porque o nada? Nos faz perguntar “Porque?”. Deus. Um pergunta ou uma resposta? Uma ferida no coração do homem que o faz gritar de dor. E enquanto essa ferida continuar aberta, ela terá consciência de que precisa de uma resposta, mais ainda, de que existe uma resposta, pois caso contrário, o próprio ato de se procurar é inútil. Enquanto essa ferida continuar aberta, continuará o homem a crer que é um ser eterno”.

No mundo onde estou, os homens são eternos por fora, contudo, completamente mortos por dentro. Não há dor dentro do peito, mas a carne é sensibilíssima. Tudo constitui uma agressão aos sentidos: o ar, o som, qualquer mínimo toque. Não há pergunta. Não há resposta. Não vale a pena procurar uma resposta. Não há a eternidade de uma Deus que possa justificá-la. Não há nada o que justificar. Tudo é permitido para um homem sem alma. Um homem inconsciente de ter uma alma.

Primeiro Capítulo Aqui:  http://migre.me/8xq0S

domingo, 1 de abril de 2012

Citação "Slavoj Zizek"


“E se aquilo que, para nós, mortais finitos, parece ser a descida de Deus para junto de nós, fosse, do ponto de vista do próprio Deus, uma ascensão? E se, como deixa supor Schelling, a eternidade fosse menos do que a temporalidade? E se a eternidade fosse um domínio estéril, impotente, privado de vida, um domínio de puras potencialidades quee tivessem que passar pela existência temporal para se realizar plenamente? E se a descida de Deus para junto dos homens, longe de ser um acto de bondade para com a humanidade, fosse a única maneira, para Deus, de aceder a uma actualidade plena e de se libertar dos constrangimentos sufocantes da eternidade? E se Deus só se atualizasse a si mesmo através do reconhecimento dos homens? (Slavoj Zizek em “A Marioneta e o Anão: o cristianismo entre a perversão e a subversão”).  

segunda-feira, 26 de março de 2012

Primeiro Capítulo de "Absinto"


Capítulo Um


  
Não há homem que consiga enganar a morte. Até mesmo os grandes. Ela não poupa nem mesmo aqueles a quem Deus escolhe para exercer o santo ofício de anunciar a vida eterna.Contudo, mais do que isso, alguns ministros costumam fazer promessas que não podem cumprir, e por isso, afirmam que é Deus quem promete. Diante da frustração, somente Deus ou o fiel são culpados: o ministro escapa ileso. Mas ele também será julgado, afinal, todos nós somos, mas dessa vez o juiz está agora entre nós e se parece conosco. 


No princípio.
É equivocado quando pretendemos dar um início às coisas. E um fim também.
Memória: o impulso em querer contar e registrar os acontecimentos no tempo, mediante a consciência da nossa própria finitude.

No princípio nenhum princípio havia. Não havia coisa alguma. Mas não queira entender, nem mesmo tente, pois nesse caso, não há coerência algumas nas respostas que virão. Novas perguntas. Não há lógica. Transgrida a lógica. Há outras partes de você que pensam. Não as deixe mortas, pois talvez, elas serão esquecidas para sempre.

Imagine um mundo onde seria impossível envelhecer e os olhos já não exigissem um belo par de óculos. Onde não houvesse mais qualquer tipo de doença e a morte definitivamente houvesse sido vencida. Um lugar onde contar o tempo se tornou uma brincadeira. Onde não se fazem mais aniversários. Da mesma maneira não se fazem mais filhos. Herdeiros seriam desnecessários. Reproduzir significaria o caos para a economia global. Sexo só por divertimento. Onde não existem mais casamentos. Onde não existe mais amor. Um mundo onde seria impossível morrer, a maior diversão seria a dor. Esse lugar existe e foi criado pelos homens, só que eles mesmos se esqueceram disso.

Luz. Uma profunda dor nos olhos. A imagem embaçada aos poucos ganha contornos definidos. O absurdo consiste em se estar num lugar sem se ter idéia do motivo e das circunstâncias. Começo novamente onde tudo terminou. Entretanto, não sei dizer o por que. Minha última lembrança consiste justamente no céu estrelado, que pouco a pouco fora sendo tomado pela escuridão. Estava morrendo, e o pavor diante dessa circunstância me angustiava intensamente, pois mesmo diante da morte não há homem que não deixe de pensar no futuro. Morrer consiste pois num salto para o futuro, todavia um salto ausente de qualquer espécie de perspectiva, deixando assim a sensação de desamparo e insegurança, de profundo terror.

O futuro? Não saberia mais dizer. Até estar nele.

Há um futuro pior do que a morte. Um futuro pior do que não ter futuro algum. O inferno será um paraíso e os homens bons serão os mais cruéis da terra. Pior do que morrer é nascer no mesmo e velho, e decadente mundo. Pior do que morrer é não morrer mais.

Eterno!

O que seria viver para sempre? Sinceramente não sei. Sinceramente, não sei se há algum homem que saiba.

Imortalidade! Por ironia, uma arma nas mãos de uma criança, todavia, mesmo não lhe conduzindo ao fim, lhe devolve perpetuamente a mesma experiência de dor e sofrimento.

Saindo de um bar, à luz do dia, um grupo de três amigos, bêbados e eufóricos me chamou a atenção. Todos banhados de sangue por todo o corpo com um cheiro forte de álcool. De longe, pensei se tratar de baderneiros assassinos. Mais perto pude notar que um deles, com um dos olhos vazados, e com a boca cheia de sangue, ria intensamente. Os outros dois, de igual modo, cheio de cortes profundos pelos braços e pernas, também riam. Divertiam-se lançando violentamente a cabeça do companheiro contra uma parede, deixando nela um rastro de sangue e miolos. Divertiam-se com a dor de si mesmos. Não pude deixar de vomitar ao assistir a cena.

Em outra, cerca de quinze pessoas, reunidas na praça à noite, festejavam sob o corpo nu de um ser que não saberia definir o sexo. Estava coberto de sêmen e outros fluídos corporais da pior espécie. Todos pareciam felizes, inclusive, o objeto de tal escárnio. A festa encontrou seu ápice numa expressão de canibalismo. Lentamente: costelas, pernas, estômago. Sendo devorados com a mulher (?) ainda viva. Ela não morreria, mas naquele momento senti que alguma coisa dentro de mim morreu.

Definitivamente, embora muito parecido, eu não estava no mesmo mundo que conhecia. E de fato eu não estava. Pensei tratar-se do inferno. Ora, mas o inferno não seria um abismo de fogo por onde as almas agonizantes não cessariam de pedir misericórdia e perdão pelos seus pecados?


Não há mais terra, ar puro, plantas ou animais. Não há mais chuva ou crianças que brincam com poças d’água e que se atrevem a jogar futebol na lama. Desconhecem a beleza da primavera e das outras estações. Desconhecem a beleza das montanhas e do céu matutino no verão, sendo aos poucos iluminados pelo sol. Não existe mais o sol. Apenas um mundo feito de aço, concreto e muitos circuitos elétrico-neurais. Não existe mais homem. Há alguma coisa no lugar dele, uma coisa que eu não sei o que é, e tenho um profundo medo em tentar descobrir. Sentado no alto de um prédio, e vendo a multidão sempre apressada, chorei intensamente em compreender isso. Por aqui ninguém chora. O problema não está em mudar. O problema está em sempre ser o mesmo.

Quando muito jovem, andando distraído pela rua, olhando despreocupado vitrines e pessoas, deparei-me com uma loja de produtos esotéricos, com um cartaz na porta que dizia: “Lê-se a mão: descubra seu futuro e se prepare para ele”. Por curiosidade resolvi entrar. Fui atendido por uma senhora idosa, muito simpática e bem vestida. O interior da loja exalava incenso. Paguei a consulta. Silenciosamente ela faz uma oração e pediu que eu erguesse a minha mão direita. Enquanto olhava fixamente para minha mão, percebi que discretamente começava a contorcer o rosto em sinal de preocupação.

- O que está vendo? Ansioso perguntei.
- Espere um pouco. Ela respondeu.
Por um momento abandona minha mão e abre o tarô que está ao lado. Pede que eu embaralhe e escolha as cartas. Ela tem um susto. Dessa vez mais evidente.
- O que a senhora está vendo? Há algo de errado comigo? Novamente perguntei.
- Sinceramente menino? Ela disse com um suspiro.
- Não se preocupe, diga. Respondo tentando acalma-la.
- Eu não vejo nada.
- Nada?
- Nada. Estou sendo sincera com você. Não vai pedir o dinheiro de volta, vai?
- Não senhora, reconheço a sua honestidade. 
Saio da loja interiormente contrariado e confuso. Hoje entendo o porquê.

domingo, 11 de março de 2012

Quanto Vale Um Intelectual?


Para que serve os intelectuais hoje em dia?

Para que serve um intelectual cristão hoje em dia? Homens que gastam tempo, dinheiro e dedicação ao estudo; e que acima de tudo estão em busca de respostas sinceras. Para que serve um intelectual cristão hoje em dia? Para servir como instrumento de justificativa à insuportável rotina religiosa de cristãos mentalmente preguiçosos e satisfeitos de terem uma consciência tranqüila por estarem certos de serem salvos e amados por cristo e de irem para o céu, justamente porque o pastor disse? Será o intelectualismo algum tipo de serviço benéfico à humanidade? Se sim, porque desvalorizar o trabalho de tantos escritores, filósofos, artistas em geral cuja arte estimula o senso crítico e poético da humanidade? Será o intelectualismo algum tipo de serviço benéfico ao cristianismo? Se sim, porque desvalorizar o esforço de teólogos no desenvolvimento reflexivo (definindo-o mais como um hobby), por intermédio de livros e palestras? Autoritarismo e senso crítico se excluem reciprocamente: intelectuais não são bem vindos em ambientes centralizadores. Seja ele o governo ou qualquer outra instituição, dentre os quais a igreja, quando esta se propõe a ser centralizada num tipo de autoridade.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Dia Internacional da Mulher


Para quem não sabe ainda: o dia internacional da mulher é apenas uma data simbólica, cujo objetivo é conscientizar o respeito à mulher (tanto pelos homens, quanto pelas próprias mulheres) todos os dias! Por outro lado, devo acrescentar: que a "mulher" está em evidência social isto é inegável. O que me dá medo é o que elas podem fazer com essa evidência toda. Algumas, assumindo um ideal de justiça, fazem da mulher uma classe à parte e superior (em sua maioria feministas). Esse tipo de ideologia apenas reproduz o discurso patriarcal de duas gerações passadas. Não se trata dessa forma de uma evolução, mas de um retrocesso, baseado numa idéia abstrata de vingança familiar (de classe). A mulher hoje está menos "sensível", porque percebeu-se não tão frágil quanto lhe contaram que ela era. Algumas, perversas, até esqueceram que tinham um coração batendo no peito. Outras, inocentes, são capazes de entregar seus corações sem exigir nada em troca. Como distinguir uma heroína de ambas as mulheres? A grande luta de qualquer sexismo (machista ou feminista) consiste em lutar para que homens e mulheres deixem de ser, em qualquer grau, dependentes um do outro. Assim acontece na economia, com a autonomia financeira de ambos, todavia, esse tipo de mecanismo tende a se desenvolver e se expandir em outras direções: é evidente a perda gradativa de comunicação e entendimento mútuo. Em breve, receio que ambos não se reconhecerão entre si como simples seres humanos e darão início a um guerra! Espero estar morto antes que isso aconteça. Sendo assim, me cabe à pergunta: Cabe homenagear mulheres que não fazem Justiça a todo legado em prol direitos sociais, conquistados às lágrimas e sofrimentos por suas antecessoras? Cabe a nós homenagearmos até mesmo essas mulheres que antecederam nossas esposas e filhas, tendo em vista o curso tomado pela cultura, cada vez mais feminista em direção a uma “ditadura da mulher”?