Devaneios literários de um teólogo sobre o ritmo das Metrópoles; seu mundo e sua gente. E é claro, sobre eternidade...

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domingo, 8 de abril de 2012
Citação "G.K. Chesterton"
"Quando se anunciou a evolução científica, houve quem temesse que ela estimulasse a mera animalidade. Fez pior: estimulou a mera espiritualidade. Ela ensinou os homens a pensar que, se eles estavam ultrapassando o macaco, estavam caminhando para o anjo. Mas você pode ultrapassar o macaco e ir para o diabo" (G.K.Chesterton em Ortodoxia).
quinta-feira, 5 de abril de 2012
"Absinto" - Concepção Filosófica da Ficção
Porque o Reino
de Deus se manifesta justamente com a chegada da vida eterna? Justamente porque
o reino dos homens somente pode subsistir com a permanência da morte, da
violência e da injustiça. O eterno e o temporal são elementos característicos
que distinguem e identificam o humano e o divino, e enquanto essa
heterogeneidade, essa distância persistir, o divino sempre será objeto de
veneração e almejo do homem (seja do ponto de vista ontológico, psicológico,
social, político e etc.). Constituirá portanto, parte de sua história.
Construirá a sua história. Um Deus eterno sempre fará parte da história de um
homem limitado pelo tempo. Constitui-se portanto, de uma mútua carência: o
homem procura Deus através de seu anseio pela eternidade e Deus procura o homem
através de seu anseio pelo tempo, que para o homem é concreto (regulador da
vida e da morte, no desenvolvimento e decadência das sociedades e etc.). Esse é
um dos sentidos fundamentais da encarnação: Deus se torna homem, mergulha no
tempo, afim de que todo homem tenha a oportunidade de mergulhar na eternidade.
Esse é o sinal de inauguração do Reino de Deus em Cristo Jesus.
Todavia, esse é uma ato realizado pelo próprio Deus,
solapando assim todo projeto humano de autonomia. Deus se impõe ao homem, mesmo
em amor.
O que
significaria vida eterna? O cristianismo se destaca de todas as religiões
justamente porque confere à eternidade presente do homem (alcançada mediante a
fé) a consciência de que isto significa uma mudança radical de valores. Em
outra palavras, ensina que a conduta do homem é naturalmente tendenciosa ao
horizonte da finitude. O destino da morte (como aniquilamento total da
existência ou incerteza quanto ao futuro pós-morte) constitui a conduta de
homens irresponsáveis e omissos aos problemas do mundo e de suas comunidades e
mais interessados em sua satisfação pessoal. Conduta típica da maioria. Por
outro lado, o cristianismo oferece a vida eterna e insiste entre seus adeptos a
pensarem como se vivessem eternamente, mesmo tendo em vista a realidade
passageira da morte de sua limitação ao corpo.
Absinto, embora uma ficção, procura
realizar uma reflexão sobre o trajeto de retorno nesse processo, o passo
inverso. Procura entender o secularismo, cujo projeto de autonomia, se
realizaria de maneira plena a partir da conquista humana da imortalidade. Em
sua radicalidade, a “morte de Deus” nietzscheniana é um projeto provisoriamente
fracassado. Uma sociedade onde Deus esteja realmente “morto”, onde os homens
estejam alheios a qualquer espécie de esperança metafísica, somente ganha
sentido com a imortalidade do homem. Dessa maneira, nossa maneira de
compreender a civilização mudaria drasticamente.
Sem a morte a
violência se tornaria uma forma de diversão. Algo não muito diferente dos
nossos dias, mas concerteza, algo bem mais intenso. Declaradamente sarcástico e
masoquista. Sem a morte o sexo de igual modo se destinaria apenas para
diversão, entretanto, não como uma norma cultural, mas jurídica. O crescente
aumento da natalidade extinguiria rapidamente os recursos naturais da terra.
Rendendo-se ao divertimento, nossos hábitos sexuais também seriam profundamente
alterados, o corpo ganharia uma acentuada valorização, e a busca desenfreada
pela satisfação dos sentidos um motivo para guerras. Nasce a partir daí, um
novo homem, e por isso, uma nova forma de sociedade e civilização.
Entretanto, o
super-homem nietzscheniano não surge apenas da vitória do humano sobre o divino
através do roubo de fogo dos deuses, a imortalidade. Não se trata apenas de
vencer o divino e a morte, mas também de esquece-lo. Se nossa civilização fora
construída a partir da encarnação de Deus na história ocidental, isso produz
uma lembrança histórica que torna o divino uma realidade impossível de ser
aniquilada. Deus não estaria morto, mas seria transformado, ressuscitado,
adaptado às novas circunstâncias. A morte nietzscheniana de Deus se
estabeleceria num segundo momento com a aniquilação da memória metafísica. Um
procedimento complexo, pois nos referimos ao divino como um conceito enraizado
na memória social das civilizações. O grande mentor dessa memória consiste no
nosso conceito linear de tempo. Esse mesmo conceito determina nossa forma de
produzir, de pensar, de viver e de morrer na cultura ocidental. A morte
nietzscheniana de Deus se processaria dessa maneira como um rompimento doloroso
de uma civilização com todo o seu passado. Sem memória, tudo deveria ser
incessantemente re-criado a cada dia, inclusive a consciência dos homens.
Planeta dos Macacos resgata a idéia de
se estar num mundo completamente rompido com o seu passado. Os macacos na
realidade são outra espécie de homens oriundas desse rompimento, dessa
distância. Criando uma nova civilização, eles criaram um novo começo para o
homem, uma nova memória, uma nova história, uma nova forma de contar o tempo. Cidade das Sombras, à sua maneira,
também tenta explorar esse conceito. Apoiará toda a sua narrativa na proposta
de que a memória é uma constante entre causas e efeitos, lineares ou
circulares, determinando assim um conceito específico de temporalidade, logo,
de história. Não há passado sem memória, e isso somente pode ser interrompido
se o tempo (linear ou circular) deixar de ser uma constante – o que é
naturalmente impensável se não alterarmos as leis da lógica e do bom senso.
Dessa maneira, o filme irá reduzir a constante temporal o máximo possível (a
fim de resguardar ao filme certa coerência lógica). Isso é bem expresso no
filme quando os alienígenas apagam a memória dos moradores da cidade a cada
noite e a re-programam para o dia seguinte, ou seja, a memória social (logo, a
história) é mantida durante apenas todo o decurso do dia, sendo quebrada
(perdendo assim sua seqüência lógica) entre um dia e outro. A cada dia uma nova
história é contada, uma nova ordem lógica, uma nova memória.
O onírico
representa bem essa nova maneira de compreender o tempo, sem ordem lógica e não
histórica. O onírico é por si mesmo um mundo sem história, sem passado e sem
futuro, sem memória. O filme Um Cão
Andaluz de Luiz Bruñel e Salvador Dali, expressa bem esse tipo de universo.
Fazendo uma ponte entre Nietzsche e Freud, fica fácil entender que o
super-homem nietzscheniano é o próprio Dionísio, um homem ausente de
repressões, senhor de sua vontade. Isso somente seria possível de maneira plena
com a posse da eternidade. Um homem ausente de repressões é um homem ausente de
culpa, logo, de memória também.
O que seria
entretanto, uma civilização dionisíaca, se levarmos em consideração, diferente
dos gregos, nossa intensa produção tecnológica? Não existem respostas
convincentes para uma questão como essa, entretanto, é possível arriscar.
Arriscar fazendo ficção. É essa a proposta desse livro.
No futuro, os
homens vivos poderão viver para sempre ou planejar quando deseja morrer. A
descoberta da imortalidade alterou nossa maneira de enxergarmos toda a
civilização (o sexo como procriação se tornou um crime, a fim de se evitar a
superpovoamento do planeta, todavia, é aceito como pura diversão, gerando as
maiores bizarrices; sem a morte o homem não tem medo, não possui dilemas
existenciais, todavia, extremamente violento, reinventado o conceito de
violência, o aumento da violência gratuita acaba com a amizade e o amor; não há
mais morte, contudo há dor, muita dor; sem a morte acreditar em Deus se torna
desnecessário). O caso de João é excepcional, pois não se tem notícia, ou
tecnologia para se fazer alguém morto a tanto tempo retornar à vida, a não ser
através de clonagem. Contudo, clones não possuem a mesma memória da matriz.
O grande enigma
do personagem central consiste no fato de que, com o controle de natalidade estagnado, todos
os indivíduos são conhecidos por um sistema global. João aparece do nada.
Acorda e anda errante num mundo totalmente estranho ao mundo que conhecia no
passado. João é reconhecido como um corpo estranho pelo sistema, pois não tem
uma origem, e dessa maneira não se sabe o seu fim. Não tem passado. Seu único
vínculo com o passado é a sua memória.
Ele então passa
a ser ouvido. Sua memória não apenas expressa doces lembranças pessoais, mas o
único registro de uma civilização que fora apagada da história. Interpretar o
caso de nosso personagem como um milagre é constrangedor para o futuro. Nessa nova
civilização, não há fé ou qualquer registro história das religiões e de Deus.
Um mundo onde Deus não existe e por isso mesmo não possui história. O futuro é
um mundo sem Deus, sem morte e sem classes (os políticos pensaram: se o poder
da imortalidade pertencer apenas aos mais ricos, enquanto houver morte haverá
fé em Deus. Alem,
disso haverá por parte de uma classe ou outra a justificativa para se pregar
eugenia). A partir daí ele conta a história de Deus. Ele se torna um profeta,
e por isso mesmo, marginal. E como todo profeta, estabelecerá uma crise no
futuro: a morte e ao colapso social.
terça-feira, 3 de abril de 2012
Segundo Capítulo de "Absinto"
Capítulo Dois
Acho que estou
enlouquecendo ou sonhando. Na melhor das hipóteses, talvez eu esteja morto.
Entretanto, o que de fato me angústia é justamente não ter certeza alguma.
Curioso como as
pessoas se interagem por aqui. Elas não falam. Não se comunicam. Não há
telefones, nem mesmo internet ou livros. Pensei: - O sistema implodiu.
Aparentemente, todas sempre sabem o que fazer. Durante o dia, parecem máquinas,
à noite, demônios. Não se cansam, não sentem fome ou sede. Mas se divertem
intensamente de uma forma que para mim não existe outra maneira de definir do
que repulsiva. É estranho viver num mundo assim, onde o estremo caos reina
pacificamente com o mais absoluto silêncio. Onde a violência contra si mesmo é
uma diversão. Como se a vida não fosse mais suportável, mesmo sendo eterna.
Cada homem só
enxerga a si mesmo, e por isso, comete o equívoco de considerar-se sozinho no
mundo e incompreendido. Por aqui essa realidade é bem mais gritante: as pessoas
passam por mim e não me vêem. Elas não sabem que eu existo e simplesmente não
me conhecem. Parecem estar cegas, tateando, desesperados, a fim de evitar
caírem no abismo. Acontece que irremediavelmente esse abismo já nos encontrou.
O verdadeiro problema consiste em como vamos todos sair dele.
Cada homem só
enxerga a si mesmo: comunicar-se é inútil. Desapareceram os idiomas, as línguas
comuns. Tudo é mais simbólico, e por isso, mais silencioso. O menor dos ruídos
constitui uma agressão a individualidade do outro, é quase um crime. Um mundo
em silêncio! É como viver numa imensa biblioteca ou num cemitério.
Alguns homens
não suportariam.
Ele se jogou de
uma janela do vigésimo andar. Todas as costelas estavam quebradas e alguns
ossos expostos. Teve metade da face esmagada pelo concreto. Talvez, um caso
irrecuperável. Mas estava vivo. Um evento comum, por não ser o único. As ruas
estavam cheias de machas de sangue.
Não pensam. Não
expressam qualquer tipo de sentimento que consideraria natural. Toda forma de
espontaneidade se assemelha a brutalidade de um psicopata. São ausentes de
sentimento de qualquer espécie: medo ou remorso, nem mesmo alegria, apenas
impulso. Uma espécie de prazer difícil de definir. Não pensam, por aqui não há
pensamentos. Só corpo, impulso, desejo, conflito. Nada mais.
Gritei!
Com toda a força
e ar disponível em meus pulmões. Rapidamente fui cercado por uma multidão de
pessoas. A partir daquele momento eu era visto. E ouvido. O espanto foi
inevitável. Cada rosto, embora mudo, apenas expressava uma única inquietação:
- Vejam, um homem que fala. Mas o que ele
fala? Eram todos incapazes de discernir.
- Quem são
vocês? Onde estou? Eu não cansava de repetir.
Inúteis foram
todas as minhas tentativas. Embora não me respondesse palavra alguma, com um
olhar simpático, uma jovem parece me interpretar como um animal de estimação.
Os lábios da
bela jovem de cabelos cor de cobre abriam-se trêmulos. Ela falou comigo pela
primeira vez. Com lágrimas nos olhos. Não há outro meio de defini-la a não ser
como uma criança. Ela me olhou com estranheza, contudo, sentia que seus olhos
não eram os únicos. Escondidos, havia outros olhares, talvez milhares,
invisíveis, provocando em mim certo desconforto.
Não há
dicionários. Não há livro algum. Excluíram da língua comum palavras como
“sonho”, “onírico”, “abstrato”, assim como “Deus”, “divindade”, “céu”,
“inferno”, “anjo”, “demônio”. Não era uma simples coincidência. Deus não existe
num mundo que não sonha, e que por isso não tem esperança. Como falar sobre
Deus para pedras que pareciam homens? Achei minha tarefa impossível. Por um
segundo havia me esquecido que o lugar onde estava era impossível. Acabei por
mudar de idéia.
Imediatamente
sou imobilizado por dois homens. A última imagem que tenho antes de desmaiar
por conta dos socos e ponta-pés é o sorriso dela. Doce e inocente, contudo, com
um olhar frio e penetrante como se quisesse me matar, embora não pudesse.
Talvez, mesmo não sabendo ela queria.
Acordei. De
maneira estranha, meu primeiro pensamento foi em Deus. Baita ironia. Não sei se
tenho fé. Todavia, não sei se sei que não a tenho também. Lembrei-me de algumas
ponderações religiosas da juventude. Quando costumava conversar sozinho sobre a
possibilidade de existir algum sentido pra tudo, que pelo menos não fosse nada
como átomos ou genes:
“Deus. Que
transcende toda imagem, fala e definição. Deus e ao mesmo tempo o nada. Mas
essa nada inquieta a alma. Porque o nada? Nos faz perguntar “Porque?”. Deus. Um
pergunta ou uma resposta? Uma ferida no coração do homem que o faz gritar de
dor. E enquanto essa ferida continuar aberta, ela terá consciência de que
precisa de uma resposta, mais ainda, de que existe uma resposta, pois caso
contrário, o próprio ato de se procurar é inútil. Enquanto essa ferida
continuar aberta, continuará o homem a crer que é um ser eterno”.
No mundo onde
estou, os homens são eternos por fora, contudo, completamente mortos por
dentro. Não há dor dentro do peito, mas a carne é sensibilíssima. Tudo
constitui uma agressão aos sentidos: o ar, o som, qualquer mínimo toque. Não há
pergunta. Não há resposta. Não vale a pena procurar uma resposta. Não há a
eternidade de uma Deus que possa justificá-la. Não há nada o que justificar.
Tudo é permitido para um homem sem alma. Um homem inconsciente de ter uma alma.
Primeiro Capítulo Aqui: http://migre.me/8xq0S
Primeiro Capítulo Aqui: http://migre.me/8xq0S
domingo, 1 de abril de 2012
Citação "Slavoj Zizek"
“E
se aquilo que, para nós, mortais finitos, parece ser a descida de Deus para
junto de nós, fosse, do ponto de vista do próprio Deus, uma ascensão? E se,
como deixa supor Schelling, a eternidade fosse menos do que a temporalidade? E se a
eternidade fosse um domínio estéril, impotente, privado de vida, um domínio de
puras potencialidades quee tivessem que passar pela existência temporal para se
realizar plenamente? E se a descida de Deus para junto dos homens, longe de ser
um acto de bondade para com a humanidade, fosse a única maneira, para Deus, de
aceder a uma actualidade plena e de se libertar dos constrangimentos sufocantes
da eternidade? E se Deus só se atualizasse a si mesmo através do reconhecimento
dos homens? (Slavoj Zizek em “A Marioneta e o Anão: o cristianismo entre a
perversão e a subversão”).
segunda-feira, 26 de março de 2012
Primeiro Capítulo de "Absinto"
Capítulo Um
Não há homem que consiga enganar a morte. Até mesmo os grandes. Ela não poupa nem mesmo aqueles a quem Deus escolhe para exercer o santo ofício de anunciar a vida eterna.Contudo, mais do que isso, alguns ministros costumam fazer promessas que não podem cumprir, e por isso, afirmam que é Deus quem promete. Diante da frustração, somente Deus ou o fiel são culpados: o ministro escapa ileso. Mas ele também será julgado, afinal, todos nós somos, mas dessa vez o juiz está agora entre nós e se parece conosco.
No princípio.
É equivocado
quando pretendemos dar um início às coisas. E um fim também.
Memória: o
impulso em querer contar e registrar os acontecimentos no tempo, mediante a
consciência da nossa própria finitude.
No princípio
nenhum princípio havia. Não havia coisa alguma. Mas não queira entender, nem
mesmo tente, pois nesse caso, não há coerência algumas nas respostas que virão.
Novas perguntas. Não há lógica. Transgrida a lógica. Há outras partes de você
que pensam. Não as deixe mortas, pois talvez, elas serão esquecidas para
sempre.
Imagine um mundo
onde seria impossível envelhecer e os olhos já não exigissem um belo par de
óculos. Onde não houvesse mais qualquer tipo de doença e a morte
definitivamente houvesse sido vencida. Um lugar onde contar o tempo se tornou
uma brincadeira. Onde não se fazem mais aniversários. Da mesma maneira não se
fazem mais filhos. Herdeiros seriam desnecessários. Reproduzir significaria o
caos para a economia global. Sexo só por divertimento. Onde não existem mais
casamentos. Onde não existe mais amor. Um mundo onde seria impossível morrer, a
maior diversão seria a dor. Esse lugar existe e foi criado pelos homens, só que
eles mesmos se esqueceram disso.
Luz. Uma
profunda dor nos olhos. A imagem embaçada aos poucos ganha contornos definidos.
O absurdo consiste em se estar num lugar sem se ter idéia do motivo e das
circunstâncias. Começo novamente onde tudo terminou. Entretanto, não sei dizer
o por que. Minha última lembrança consiste justamente no céu estrelado, que
pouco a pouco fora sendo tomado pela escuridão. Estava morrendo, e o pavor
diante dessa circunstância me angustiava intensamente, pois mesmo diante da
morte não há homem que não deixe de pensar no futuro. Morrer consiste pois num
salto para o futuro, todavia um salto ausente de qualquer espécie de
perspectiva, deixando assim a sensação de desamparo e insegurança, de profundo
terror.
O futuro? Não
saberia mais dizer. Até estar nele.
Há um futuro
pior do que a morte. Um futuro pior do que não ter futuro algum. O inferno será
um paraíso e os homens bons serão os mais cruéis da terra. Pior do que morrer é
nascer no mesmo e velho, e decadente mundo. Pior do que morrer é não morrer
mais.
Eterno!
O que seria
viver para sempre? Sinceramente não sei. Sinceramente, não sei se há algum
homem que saiba.
Imortalidade!
Por ironia, uma arma nas mãos de uma criança, todavia, mesmo não lhe conduzindo
ao fim, lhe devolve perpetuamente a mesma experiência de dor e sofrimento.
Saindo de um
bar, à luz do dia, um grupo de três amigos, bêbados e eufóricos me chamou a
atenção. Todos banhados de sangue por todo o corpo com um cheiro forte de
álcool. De longe, pensei se tratar de baderneiros assassinos. Mais perto pude
notar que um deles, com um dos olhos vazados, e com a boca cheia de sangue, ria
intensamente. Os outros dois, de igual modo, cheio de cortes profundos pelos
braços e pernas, também riam. Divertiam-se lançando violentamente a cabeça do
companheiro contra uma parede, deixando nela um rastro de sangue e miolos. Divertiam-se
com a dor de si mesmos. Não pude deixar de vomitar ao assistir a cena.
Em outra, cerca
de quinze pessoas, reunidas na praça à noite, festejavam sob o corpo nu de um
ser que não saberia definir o sexo. Estava coberto de sêmen e outros fluídos
corporais da pior espécie. Todos pareciam felizes, inclusive, o objeto de tal
escárnio. A festa encontrou seu ápice numa expressão de canibalismo.
Lentamente: costelas, pernas, estômago. Sendo devorados com a mulher (?) ainda
viva. Ela não morreria, mas naquele momento senti que alguma coisa dentro de
mim morreu.
Definitivamente,
embora muito parecido, eu não estava no mesmo mundo que conhecia. E de fato eu
não estava. Pensei tratar-se do inferno. Ora, mas o inferno não seria um abismo
de fogo por onde as almas agonizantes não cessariam de pedir misericórdia e
perdão pelos seus pecados?
Não há mais
terra, ar puro, plantas ou animais. Não há mais chuva ou crianças que brincam
com poças d’água e que se atrevem a jogar futebol na lama. Desconhecem a beleza
da primavera e das outras estações. Desconhecem a beleza das montanhas e do céu
matutino no verão, sendo aos poucos iluminados pelo sol. Não existe mais o sol.
Apenas um mundo feito de aço, concreto e muitos circuitos elétrico-neurais. Não
existe mais homem. Há alguma coisa no lugar dele, uma coisa que eu não sei o
que é, e tenho um profundo medo em tentar descobrir. Sentado no alto de um
prédio, e vendo a multidão sempre apressada, chorei intensamente em compreender
isso. Por aqui ninguém chora. O problema não está em mudar. O problema está em
sempre ser o mesmo.
Quando muito
jovem, andando distraído pela rua, olhando despreocupado vitrines e pessoas,
deparei-me com uma loja de produtos esotéricos, com um cartaz na porta que
dizia: “Lê-se a mão: descubra seu futuro e se prepare para ele”. Por
curiosidade resolvi entrar. Fui atendido por uma senhora idosa, muito simpática
e bem vestida. O interior da loja exalava incenso. Paguei a consulta.
Silenciosamente ela faz uma oração e pediu que eu erguesse a minha mão direita.
Enquanto olhava fixamente para minha mão, percebi que discretamente começava a
contorcer o rosto em sinal de preocupação.
- O que está
vendo? Ansioso perguntei.
- Espere um
pouco. Ela respondeu.
Por um momento
abandona minha mão e abre o tarô que está ao lado. Pede que eu embaralhe e
escolha as cartas. Ela tem um susto. Dessa vez mais evidente.
- O que a
senhora está vendo? Há algo de errado comigo? Novamente perguntei.
- Sinceramente
menino? Ela disse com um suspiro.
- Não se
preocupe, diga. Respondo tentando acalma-la.
- Eu não vejo
nada.
- Nada?
- Nada. Estou
sendo sincera com você. Não vai pedir o dinheiro de volta, vai?
- Não senhora,
reconheço a sua honestidade.
Saio da loja
interiormente contrariado e confuso. Hoje entendo o porquê.
domingo, 11 de março de 2012
Quanto Vale Um Intelectual?
Para que serve
os intelectuais hoje em dia?
Para que serve
um intelectual cristão hoje em dia? Homens que gastam tempo, dinheiro e
dedicação ao estudo; e que acima de tudo estão em busca de respostas sinceras. Para
que serve um intelectual cristão hoje em dia? Para servir como instrumento de
justificativa à insuportável rotina religiosa de cristãos mentalmente
preguiçosos e satisfeitos de terem uma consciência tranqüila por estarem certos
de serem salvos e amados por cristo e de irem para o céu, justamente porque o
pastor disse? Será o intelectualismo algum tipo de serviço benéfico à
humanidade? Se sim, porque desvalorizar o trabalho de tantos escritores,
filósofos, artistas em geral cuja arte estimula o senso crítico e poético da
humanidade? Será o intelectualismo algum tipo de serviço benéfico ao
cristianismo? Se sim, porque desvalorizar o esforço de teólogos no
desenvolvimento reflexivo (definindo-o mais como um hobby), por intermédio de
livros e palestras? Autoritarismo e senso crítico se excluem reciprocamente:
intelectuais não são bem vindos em ambientes centralizadores. Seja ele o
governo ou qualquer outra instituição, dentre os quais a igreja, quando esta se
propõe a ser centralizada num tipo de autoridade.
quinta-feira, 8 de março de 2012
Dia Internacional da Mulher
Para quem não sabe ainda: o dia internacional da mulher é apenas uma data simbólica, cujo objetivo é conscientizar o respeito à mulher (tanto pelos homens, quanto pelas próprias mulheres) todos os dias! Por outro lado, devo acrescentar: que a "mulher" está em evidência social isto é inegável. O que me dá medo é o que elas podem fazer com essa evidência toda. Algumas, assumindo um ideal de justiça, fazem da mulher uma classe à parte e superior (em sua maioria feministas). Esse tipo de ideologia apenas reproduz o discurso patriarcal de duas gerações passadas. Não se trata dessa forma de uma evolução, mas de um retrocesso, baseado numa idéia abstrata de vingança familiar (de classe). A mulher hoje está menos "sensível", porque percebeu-se não tão frágil quanto lhe contaram que ela era. Algumas, perversas, até esqueceram que tinham um coração batendo no peito. Outras, inocentes, são capazes de entregar seus corações sem exigir nada em troca. Como distinguir uma heroína de ambas as mulheres? A grande luta de qualquer sexismo (machista ou feminista) consiste em lutar para que homens e mulheres deixem de ser, em qualquer grau, dependentes um do outro. Assim acontece na economia, com a autonomia financeira de ambos, todavia, esse tipo de mecanismo tende a se desenvolver e se expandir em outras direções: é evidente a perda gradativa de comunicação e entendimento mútuo. Em breve, receio que ambos não se reconhecerão entre si como simples seres humanos e darão início a um guerra! Espero estar morto antes que isso aconteça. Sendo assim, me cabe à pergunta: Cabe homenagear mulheres que não fazem Justiça a todo legado em prol direitos sociais, conquistados às lágrimas e sofrimentos por suas antecessoras? Cabe a nós homenagearmos até mesmo essas mulheres que antecederam nossas esposas e filhas, tendo em vista o curso tomado pela cultura, cada vez mais feminista em direção a uma “ditadura da mulher”?
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